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O que Anne Frank me ensinou

Tércia Montenegro conta de que forma a história da menina judia tem lhe marcado nesses dias de quarentena, inclusive sobre a necessidade de "criar felicidade"
20:24 | Abr. 10, 2020
Autor Tércia Montenegro
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Tipo Notícia

Por razões óbvias, tenho pensado muito em ilhas, esconderijos, cárceres, cativeiros. E, dentro desse tema, lembrei a figura de Anne Frank. Eu e minha irmã lemos seus Diários com a mesma idade que ela tinha quando os escreveu. Sem dúvida, foi a primeira história terrível de nossas vidas, porque terminava com a informação de Anne ter sido presa pela SS (após dois anos escondida com a família), morrendo de tifo na prisão. Até que chegássemos àquele ponto, porém, o livro nos ensinava uma lição de humildade e sobrevivência na solidão.

Enquanto seres criativos, temos a impressão de explodir, se não pudermos extravasar ideias, palavras, imagens - e talvez isso seja verdade. Mas também pode ser que o movimento não seja necessariamente explosivo: a maioria de nós murcha, dia a dia se sente mirrando. Para qualquer um dos casos, Anne, aos 12 anos, ressalta a importância de usar o que se tem à mão, criando um pouco de felicidade.

Entretanto, nós adultos tantas vezes nos proibimos ser felizes, e ainda mais numa situação como a de agora. Parece obsceno sorrir, sentir algum tipo de prazer ou bem-estar enquanto do lado de fora há os doentes, há um prometido caos para o sistema de saúde, e além de tudo há os irresponsáveis que não se recolhem, e os que estão na rua por não poder de fato ficar em casa, ou nem terem casa etc. Motivos não faltam para se envenenar de tristeza ou desespero - mas basta pensar um pouco (temos tempo para isso) e vemos que sempre existiram razões, numerosas, dando argumento a quem quer ser infeliz. Se fomos nos ater aos fatos, os pessimistas estão certíssimos: o leque de desgraças no mundo não acaba. E não acabará com o fim do coronavírus.

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"O que não tem solução, solucionado está": foi algo que também li na infância, uma frase que aparecia na série de livros de Laura Ingalls Wilder, que eu e minha irmã adorávamos. Ainda hoje acredito nessa sabedoria de deixar um pouco de lado, parar de insistir, esquecer - concentrar-me naquilo que é possível, que está ao meu alcance.

Anne Frank ficou escondida num anexo secreto de um prédio em Amsterdã, enfrentando condições precárias. Ela não lutou diretamente contra Hitler, não foi heroína da resistência, não pegou em armas: era apenas uma criança e escreveu um diário. Com ela, aprendi a enxergar as ocasiões em que sou impotente, volto a ser menina diante da vida - e o que posso fazer, então? Somente criar brinquedos para me salvar.

Tércia Montenegro é escritora e professora e cronista do Vida&Arte nas edições de domingo

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