Com ruas vazias, pandemia leva um novo cenário às cidades
Isolamento domiciliar para reduzir a propagação do novo coronavírus esvazia cidades ao redor do mundo, promove reflexões e outras formas de sociabilidade

"A rua! Que é a rua? (...) Os dicionários dizem: 'Rua, do latim ruga, sulco. Espaço entre as casas e as povoações por onde se anda e passeia'. Abri o primeiro, abri o segundo, abri dez, vinte enciclopédias, manuseei in-folios especiais de curiosidade. A rua era para eles apenas um alinhado de fachadas, por onde se anda nas povoações... Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma!". Na célebre obra A alma encantadora das ruas (1908), o jornalista carioca João do Rio é assertivo — nascida do suor humano, a rua é artéria que carrega sangue rico em oxigênio. Pulsa masala nas barraquinhas de comida em Mumbai, cores no emblemático museu a céu aberto El Caminito em Buenos Aires, luzes na charmosa Champs-Élysées em Paris. A rua é, por excelência, lugar do encontro.
Vivemos, entretanto, um presente em crise. A pandemia do novo coronavírus se alastra feito erva daninha: até o fechamento desta edição, o número de casos confirmados no mundo ultrapassava 1 milhão e mais de 52 mil pessoas já haviam morrido em decorrência da doença. Na Itália e no Equador, cadáveres se acumulam em calçadas. O cenário é assolador e urge: esvaziemos as ruas. O isolamento é impreterível medida no combate à proliferação da Covid-19. Hoje a rua é, sobretudo, lugar do silêncio.
A experiência do corpo coletivo, que vibra ao ocupar múltiplos espaços públicos, só é uma possibilidade do amanhã se hoje nos resguardarmos. A antropóloga indiana Veena Das mobiliza o conceito de "eventos críticos", acontecimentos que marcam uma distinção brusca entre o antes e o depois. A pandemia do novo coronavírus rompe nossas antigas formas de estar no mundo. Para inaugurar o futuro, talvez seja imprescindível encontrar a ancestral sabedoria dos povos originários e compreender que o respeito pela vida do outro é a condição de sobrevivência de cada um.
A seguir, um giro pelo mundo e suas paisagens modificadas a partir de uma sociedade que recua para enfrentar o desconhecido.

Fortaleza
Bairro Pirambu e Vila do Mar durante a quarentena para diminuir a propagação do coronavírus na capital cearense. Foto: 25 de março de 2020

Bogotá
As autoridades colombianas anunciaram uma simulação obrigatória de isolamento para o fim de semana prolongado, de 21 a 23 de março, como medida preventiva contra a propagação do novo coronavírus. Foto: 20 de março de 2020

Chile
O país estabeleceu um toque de recolher noturno das 22h às 5h. O Chile já havia declarado um "estado de catástrofe" e adiou um referendo constitucional. Foto: 22 de março de 2020

Líbano
Esvaziamento da praia na cidade de Saida, no sul do Líbano, em meio à disseminação do coronavírus no país. Foto: 22 de março de 2020

Bogotá
Cemitério Central vazio. O presidente colombiano Ivan Duque anunciou o isolamento preventivo obrigatório de 24 de março a 13 de abril como medida contra a disseminação do novo coronavírus. Foto: 23 de março de 2020

Índia
Estrada deserta perto da mesquita Jama Masjid durante um toque de recolher de um dia em Janata (civil) em todo o país imposto como medida preventiva contra o coronavírus. Foto: 22 de março de 2020

Florença
Piazza Santa Croce, uma das principais praças localizadas no bairro central de Florença, região da Toscana, na Itália. O país foi um dos mais afetados pelo novo coronavírus. Foto: 21 de março de 2020

Beirute
A auto-estrada circular que atravessa o centro da capital libanesa, Beirute, com ruas vazias para minimizar o contato social como parte dos esforços contra o coronavírus. Foto: 21 de março de 2020