Em parceria com a Nasa, Uece pesquisa medicamento para síndrome rara
Estudo para um tratamento alternativo e eficaz do distúrbio raro e grave entre os diagnosticados foi iniciado em estação espacial; veja o que se sabe
Após estudos em estação espacial, a Universidade Estadual do Ceará (Uece) investiga o medicamento antirretroviral lamivudina, disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como tratamento para a Síndrome de Rett.
A doença é considerada rara e afeta de forma severa os diagnosticados, estes que, em sua maioria, são meninas. A cada 100 mil delas, mundialmente, cinco a dez são afetadas.
No momento, o processo para selecionar os participantes para a pesquisa pela universidade está sendo finalizado.
Assim, será iniciada a fase de ensaio clínico, também chamada de trial por profissionais. Caso o resultado seja positivo, o estudo será expandido e um novo centro de tratamento será incluído em São Paulo, afirmaram os estudiosos.
Por meio do Laboratório de Genética Médica (Lagem), a investigação continua a partir das descobertas da Universidade de San Diego (USD), na Califórnia, em parceria com a Agência Nacional dos Estados Unidos (Nasa). Estudos celulares e pré-clínicos foram realizados na instituição.
O objetivo dos estudiosos com a pesquisa é encontrar uma solução terapêutica acessível e de baixo custo, sendo a sua primeira intervenção farmacológica.
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Síndrome de Rett: entenda o que é a doença rara
A Síndrome de Rett é um distúrbio genético grave, causando deficiência intelectual e motora severas em mulheres desde os primeiros meses de vida.
Os sintomas aparecem de forma progressiva no corpo, começando, geralmente, pela perda de fala e habilidades motoras; veja outros principais:
- Alterações respiratórias, como apneia e hiperventilação;
- Semelhanças comportamentais com o autismo;
- Convulsões frequentes;
- Microcefalia adquirida;
- Movimentos repetitivos das mãos;
- Alterações cardíacas.
No entanto, as características aparecem após um desenvolvimento aparentemente normal e que há a perda gradual destas habilidades cruciais.
“O impacto físico e emocional é enorme, porque a criança nasce ‘normal’ e depois 'involui' gravemente, perde a fala e passa a apresentar convulsões refratárias, muitas vezes com sequelas graves”, explica a Dra. Denise Carvalho, uma das responsáveis pela pesquisa na Uece.
Sua origem está relacionada pela mutação espontânea - que não passa da mãe para o filho - do gene MECP2, essencial para o desenvolvimento e função considerados normais do cérebro, no cromossomo X. Nele, genes de cognição são muito fortes e importantes, como o afetado com a síndrome.
Em relação à sua cura, ainda não há. Entretanto, alguns tratamentos, como a fisioterapia, são usados para manejar sintomas e servir de suporte, mas não resolvem 100%.
“Quando há dano numa célula neural, do cérebro, é muito difícil reverter esse dano, porque as células do cérebro não se dividem”, explicou Aline Martins, vice coordenadora da pesquisa na sede da Nasa, em entrevista ao O POVO.
“Ao longo da nossa vida, se dividem muito pouco. Quando acontece um dano, é praticamente perdido”, conclui.
Lamivudina: saiba o que é o medicamento
Diante das busca pela cura da Síndrome de Rett, a lamivudina foi escolhida como potencial tratamento. A sua origem foi de um experimento da Nasa, que analisou cognitivamente irmãos gêmeos astronautas em 2019.
Um deles ficou na Estação Espacial Internacional e o outro, na Terra. Durante a experiência, relatada em um artigo publicado na revista Nature, foi observada uma diferença entre o impacto celular diante das atividades feitas pelos analisados, que praticaram a mesma intensidade.
Com o que foi descrito, a pesquisa foi iniciada. Aline explicou que, no caso de um dano causado no espaço por um declínio cognitivo, não teria a possibilidade de reversão quando o astronauta voltasse à Terra.
A partir disso, o professor Alysson Muotri, neurocientista e diretor da investigação, enviou mini cérebros - conjunto de células desenvolvidas em laboratório - para a estação com o objetivo de entender as reações neurológicas.
O primeiro modelo foi desenvolvido pela Uece, usado para estudos do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Com eles, o uso do antirretroviral foi uma das alternativas cogitadas.
No ambiente de micro gravidade, foi observado um envelhecimento acelerado das células em poucas semanas na estação. Segundo a Dra. Denise, isso teria demorado anos para se descobrir na Terra.
O resultado, entretanto, veio com o retorno dessas cédulas para o Planeta. Ao usar lamivudina, foi notada uma recuperação significativa, como uma cura.
Agora considerado para o tratamento do distúrbio, o medicamento está disponível de forma gratuita pelo SUS como um antirretroviral, mas é concedido apenas após a solicitação judicial ao Ministério da Saúde.
Além disso, tem a aprovação da Anvisa há 20 anos, visto que é usado em crianças com HIV, no tratamento de autismo e outros transtornos de neurodesenvolvimento.
Mesmo não sendo uma doença viral, mas cognitiva e de mobilidade, a mutação do gene ativa respostas imunológicas virais que causam neuroinflamação. Para reduzir a ativação genética indevida, o antirretroviral é testado.
Pesquisa sobre Síndrome de Rett: o que foi descoberto até o momento
Após o processo de pesquisa na estação espacial e na universidade estadunidense, acontece o ensaio clínico, entrando na sua segunda fase no dia 9 de dezembro, pela Lagem, na Uece.
Inicialmente, foi realizado um ensaio piloto, com número reduzido de crianças, para avaliar a eficácia inicial. Com idades entre 4 e 14 anos, os participantes devem ter os critérios genéticos exigidos, confirmados por exames laboratoriais obrigatórios.
Realizado por uma equipe de cerca de 30 cientistas e médicos, o teste consiste em disponibilizar a lamivudina em centros clínicos, após a realização completa dos exames de tempo zero, que medem a rapidez do fluxo sanguíneo.
Até o momento, os estudos mostram que os pacientes com Rett apresentaram uma ativação anormal das regiões genéticas derivadas de antigos vírus, os retroelementos.
Sobre a fase clínica, a vice-diretora estima seu início para o fim de janeiro de 2026. A teoria está baseada em dados pré-clínicos, diz Aline.
Com isso, é ressaltada a meta de expandir o estudo com o sucesso das fases iniciais de pesquisa, assim como confirmar a eficácia da lamivudina para tratamento alternativo e de baixo custo.
Em relação ao processo, as famílias estão “esperançosas”, como foi relatado ao O POVO. Não só pela importação do medicamento via Justiça, mas pela melhora dos filhos, irmãos, enteados e primos que enfrentam a Síndrome de Rett.