Sonhar pode ajudar na saúde mental? Entenda como o sono e as emoções se relacionam

Especialista em neurociência apresenta estudo inovador sobre o processamento de memórias nos sonhos durante o adormecimento

16:38 | Jun. 25, 2025

Por: Lorena Frota/Especial para O POVO
A neurocientista e professora em saúde mental do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Natália Bezerra Mota, durante o Brain Congress (foto: Lorena Frota )

O estudo neurocientífico investiga a relação de memórias afetivas e lembranças visuais que se transformam após o adormecimento. A pesquisa foi apresentada no Brain Congress 2025, evento internacional sediado em Fortaleza. O objetivo do estudo foi entender como os “resíduos visuais” se relacionam com os sonhos e com a saúde mental.

Elaborado em conjunto com pesquisadores do Brasil, Argentina, Áustria e Espanha, o estudo publicado na revista NeuroImage foi apresentado no Congresso Internacional de Cérebro, Comportamento e Emoções (Brain Congress 2025), na última sexta-feira, 20, no Centro de Eventos do Ceará.

A neurocientista e professora em saúde mental do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Natália Bezerra Mota, explicou que os sonhos são cruciais para a saúde mental, atuando na regulação emocional, no aprendizado de experiências sociais ou ameaçadoras e na organização mental.

Uma das principais descobertas foi a permanência de imagens visuais de experiências recentes nas fases iniciais do sono, conhecidas como N1 (sono leve) e N2 (primeiros 15 minutos de sono). À medida que o sono progride, as emoções mais fortes, associadas às imagens, e acontecimentos são gradualmente neutralizados.

Essa fase é chamada pelo estudo de “desacoplamento”, caracterizado pela separação do que é conteúdo visual e carga afetiva. É como se o cérebro pudesse lembrar de um evento ameaçador, como a imagem de um tubarão, mas suavizar a emoção negativa, tornando o tubarão em uma pelúcia, por exemplo.

“A falta de correlação significativa entre o resíduo de imagem e o resíduo afetivo sugere que esses aspectos da memória são processados de forma diferente durante o sono”, explica Natália.

Metodologia inovadora

Para a realização do estudo, foram selecionados adultos saudáveis estimulados com imagens de afetivo positivo, negativo e neutro antes do sono, como medo, alegria ou apatia. Após alguns minutos, eles foram despertados em diferentes estágios do sono.

Após despertar, os participantes descreviam oralmente o que tinham visto antes e durante o sono, além de atribuir nota de 1 a 10 à experiência afetiva do sonho.

A partir disso, as descrições foram analisadas com base no processamento de linguagem neural, que faz o cálculo de “similaridade semântica” entre o estímulo original e o sonho. A atividade cerebral dos participantes foi monitorada por um medidor, buscando correlatos neurais para essas transformações.

Natália explicou a metodologia usada: “A exemplo, expomos uma das pessoas a uma imagem bem negativa: uma cabeça decapitada em uma estaca de madeira. Quando recebemos o relato do sonho, a pessoa estava adormecida no carro, com a cabeça pendendo para o lado de fora da janela. Pelo retrovisor, ela vê um pequeno coelhinho”.

E acrescentou: “A partir disso, vemos que houve um desacoplamento da imagem inicial. Uma nota negativa na imagem tende a ser uma nota de neutralidade após o processamento da emoção”.

Novas perspectivas sobre a função dos sonhos

Os resultados apresentados reforçam a ideia de que o sono desempenha um papel fundamental na regulação emocional e permite processar experiências do dia de uma forma mais neutra, ajudando a lidar melhor com fortes emoções ou traumas.

Além disso, é uma nova maneira de quantificar como os resíduos de dia estão presentes nos sonhos, o que já é debatido há muito tempo na neurociência. As descobertas dos pesquisadores podem gerar novas investigações sobre como o processamento de emoções é feito em estágios mais profundos do sono, conhecido como REM, em organização de memórias traumáticas ou aprimoramento da criatividade.