Ativista defende direito de mulheres sem filhos fazerem laqueadura

O procedimento de laqueadura é assegurado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), determinado pela Agência Nacional de Saúde (ANS), desde 2008

O desejo de não ter filhos também faz parte da realidade de algumas mulheres. O direito da mulher de decidir sobre o corpo dela vem se fortalecendo cada vez mais com o passar dos anos. No Brasil, a legislação diz que é possível se submeter a cirurgias de esterilização de laqueadura quando se tem dois filhos ou mais ou sendo maior de 25 anos. O método é assegurado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), determinado pela Agência Nacional de Saúde (ANS), desde 2008. Em 2019, foram realizadas mais de 73 mil laqueaduras pela rede pública de saúde, segundo dados do DataSus, do Ministério da Saúde.

Ativista dos direitos sexuais das mulheres, fundadora do Projeto “Laqueadura Sem Filhos Sim” e mestranda em Direito, Patrícia Marxs conversa com O POVO sobre direitos reprodutivos sexuais das mulheres e acesso aos métodos contraceptivos. Ela defende o desejo da laqueadura feita por quem não tem filhos e fala do desejo de mulheres de não quererem filhos, além de como lidar com as críticas da sociedade na defesa do tema.

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O POVO - O direito da mulher de tomar suas próprias decisões se fortaleceu com o passar dos anos. Qual foi sua motivação para começar a trabalhar sobre os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres e como a senhora se identifica com a causa?

Patrícia Marxs - Percebi que tinha muito assunto sobre a interrupção da gravidez, no qual existe uma luta muito válida e legítima que é a descriminalização do aborto. Porém, não havia ainda projeto que pautasse sobre o direito de não ter filhos e o acesso aos métodos contraceptivos ao processo, que são legalizados. Na minha vivência, apesar de existir uma lei em que eu possa fazer uma esterilização voluntária acima dos 25 anos sem filhos, eu passei de quatro a cinco anos buscando informações. Quando eu dizia que o meu sonho era fazer esterilização sem filhos, eu sempre ouvia os mais absurdos comentários e ofensas. Isso estava me retraindo e me fazia pensar que era melhor eu não procurar sobre o procedimento. Achei que talvez eu fosse uma pessoa doente por desejar isso. Mas, eu não desisti e consegui fazer o procedimento. Depois eu percebi o quanto a internet é uma ferramenta que pode levar informações para outras mulheres de uma forma mais fácil. Pensei em por que não fazer um projeto em que eu pudesse falar como foi para mim sobre o procedimento de laqueadura sem filhos. Sabemos que o acesso à internet não chega a todas as mulheres, mas é um começo. A criação do projeto ocorreu por meio de um conjunto de situações, e ele veio para explicar com uma linguagem do Direito de forma mais clara e acessível para mostrar para população que é possível o procedimento e que esse direito é assegurado.

OP - O que é o procedimento de laqueadura sem filhos e qual a importância do debate sobre o tema?

Patrícia - Assim como ter filhos é um direito, o de não ter filhos também é. Mas, no nosso ordenamento jurídico brasileiro, o nosso direito de não ter filhos só abarca a prevenção, lembrando que nem todo método é 100%. E é para isso que existe a lei e as informações para mostrar que você pode culminar os métodos. No caso da esterilização voluntária, sem filhos, ela é muito importante porque existe um transtorno, falo da minha experiência, em que você fica com muito medo de engravidar e de estar grávida. A lei 9.263/96 do Planejamento Familiar nos ampara a realizar o procedimento acima dos 25 anos e é um direito acima de qualquer outro, como usar o Dispositivo Intrauterino (DIU) ou realizar o pré-natal. Para fazer o procedimento não é simples, é um conjunto de decisões em que a mulher realmente precisa pensar.

OP - O processo de laqueadura sem filhos só pode ser realizado se atender à Lei do Planejamento Familiar de 25 anos atrás. Como a senhora analisa a intervenção do Estado sobre a decisão sobre os corpos das mulheres?

Patrícia - Muitas mulheres enviam mensagens no projeto “Laqueadura Sem Filhos Sim” com relatos informando que o Estado quer mandar nos nossos corpos para pesquisa. Na minha opinião, não é para pesquisa, e sim o que eles acham que é possível para a gente. Nos anos 1980 para os anos 1990, existia uma política de esterilização compulsória, então o Estado dizia como não deveria procriar e isso também é uma intervenção sobre os nossos corpos. Naquele tempo dizia que era para mulheres em situação de vulnerabilidade, população indígena e pessoas com deficiência. Atualmente, eles estão continuando essa política de intervenção. No momento em que uma mulher chega respaldada pela lei que possibilita esse direito e o Estado diz: “Não, você não pode fazer porque acho que você pode se arrepender”, é uma intervenção clara sobre os corpos das mulheres.

OP - Em 2019, foram realizadas mais de 73 mil laqueaduras pela rede pública de saúde, segundo dados do DataSus, do Ministério da Saúde. Como a senhora analisa quais são os principais pontos que influenciam a mulher a realizar o procedimento?

Patrícia - Com base nas minhas pesquisas e na vivência do projeto, a impossibilidade de usar alguns métodos contraceptivos, como pílula anticoncepcional ou DIU de cobre ou mirena, influenciam as mulheres. Muitas delas não podem utilizar alguns desses métodos e, infelizmente, essa situação é silenciada. Muitas vezes, a mulher que não tem filhos só quer um procedimento que dê paz à ela. Há casos em que a mulher só quer um procedimento que seja definitivo, porque os outros métodos não deram certo ou ela não pode fazer uso deles. É difícil a sociedade aceitar que existem mulheres que querem fazer esse procedimento.

OP - O processo de laqueadura sem filhos é uma decisão definitiva. Durante o seu trabalho, ocorreram casos em que a mulher se arrependeu do processo de laqueadura sem filhos? Se sim, como reverter?

Patrícia - Ainda não ocorreu nenhum relato sobre o arrependimento do processo. Em casos de arrependimento, há o processo de reversão da laqueadura. Existem programas, um deles fica no Estado da Paraíba, que ocorre por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). A laqueadura em si, pode ser reversível, mas é necessário o contato com o médico ou médica responsável para informar os procedimentos adequados para cada processo de reversão.

OP - Os cenários religiosos, políticos, sociais e culturais ainda podem influenciar na decisão da mulher sobre o corpo dela?

Patrícia - Acredito que sim. Por experiência própria, eu, como cristã, me perguntava se era certo eu não querer ter filhos. Ainda há uma força muito grande de desestabilizar a mulher, de utilizar Deus alegando que ele irá castigar a mulher que deseja não ter filhos. Muitos relatos de mulheres chegam ao projeto alegando sobre isso, sobre o castigo de Deus nessa decisão de não querer filhos e que Deus poderia castigar enviando um filho doente. Infelizmente, ainda fundamentam muito o próprio preconceito na questão religiosa. Mas, eu acredito que Deus não julga essas decisões.

OP - Como a mulher pode lidar com as críticas sobre a decisão da laqueadura sem filhos, tanto do campo médico quanto da sociedade em geral?

Patrícia - Antes de tudo, é importante a mulher ter uma ajuda psicológica. As críticas são muito pesadas, amargas e cruéis. E ela sempre deve se ouvir sobre o que ela realmente quer. Tirando como exemplo o meu caso, a gente tem uma educação indo para um treinamento para a maternidade e em um contexto doméstico. Desde criança, nos presenteiam com bonecas, bebês e brinquedos que direcionam ao ambiente doméstico, como fogão e geladeira. Então, já somos desde criança doutrinadas nessa situação. Mas, o mais importante para a mulher lidar com essas situações é ela se escutar, em caso de ela não conseguir ajuda psicológica. Na relação com os médicos, eu acredito que elas precisam ter cautela e não permanecer em uma consulta onde o médico ou a médica está a ofendendo em alguma frase sobre maternidade, o que é relatado por muitas mulheres. No caso das ofensas, é aconselhado que a mulher procure um advogado ou advogada para tomar decisões responsáveis sobre o caso. Acima de tudo, a mulher precisa de respeito e que ela se respeite.

OP - Qual a orientação para as mulheres que têm interesse em saber mais sobre os direitos reprodutivos?

Patrícia - Tentar se informar. Sabemos que nem todas têm acesso a essas informações, mas a gente tenta levar essas informações por meio do projeto “Laqueadura Sem Filhos Sim”, no Instagram. Debatemos o assunto com psicólogos e ginecologistas por meio de lives na plataforma, além de mulheres que já passaram por essas situações, que trazem seus relatos. A melhor dica é sempre tentar se informar sobre o assunto e ter empatia com a situação que as mulheres passam. A gente precisa de união para tentar combater o preconceito sobre o tema.

Lei

No Brasil, a esterilização cirúrgica está regulamentada por meio da lei nº 9.263/96, que trata do planejamento familiar, que estabelece o procedimento de laqueadura a mulheres com 25 anos ou mais ou com dois filhos. Em 2019, foram realizadas mais de 73 mil laqueaduras pela rede pública de saúde, segundo dados do DataSus, do Ministério da Saúde.

Projeto

Patrícia Marxs é fundadora do projeto “Laqueadura Sem Filhos Sim”, criado no Instagram. No canal, ela aborda sobre os métodos contraceptivos, direitos reprodutivos das mulheres, além de debater com especialistas, como psicólogos e ginecologistas, como lidar com as críticas sobre a decisão da laqueadura voluntária e dúvidas acerca do tema.

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DIREITOS REPRODUTIVOS MULHERES LAQUEADURA SEM FILHOS LAQUEADURA VOLUNTÁRIA DIREITO DE NÃO TER FILHOS PROJETO LAQUEADURA SEM FILHOS

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