'Chip da beleza' não pode ser considerado apenas tratamento estético

O implante leva como sua principal composição a gestrinona, hormônio manipulado em laboratório. Pesquisas com implantes subcutâneos hormonais no Brasil começaram no final da década de 60 no Brasil

Prometendo milagres estéticos para as mulheres, o implante subdérmico de gestrinona ficou bastante conhecido no Brasil com o codinome 'chip da beleza' por proporcionar vários benefícios para as usuárias que os procuram: com função inicial de contracepção e interrupção da menstruação, o aumento da massa muscular também é um "benefício" considerado na escolha por alguns especialistas, mas o uso do implante apenas para fim estético não é sua principal função.

A gestrinona é um composto produzido em laboratório usado por via oral no tratamento da endometriose e da miomatose, doenças relacionadas ao útero. Com o implante, os hormônios são liberados de forma gradual no corpo. Segundo o especialista em medicina preventiva, André Guanabara, o uso do hormônio visando apenas o uso estético não é recomendado.

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"Até porque você está colocando um hormônio na mulher, não vai direcionar somente para a estética. Ele é direcionado para a endometriose, mas também dá uma finalidade estética a mulher", relembra. André cita que o hormônio é manipulado no Brasil há cerca de cinquenta anos para tratar a patologia, definida pela inflamação do endométrio e que causa fortes dores no útero.

André explica o apelido de 'chip da beleza'. "Com o tempo, começou-se a perceber que o gestrinona aumenta a testosterona e diminui celulite e melhorava a massa muscular das usuárias. Ele não é somente um benefício de tratar a endometriose, mas também ele vai aumentar a massa muscular da mulher, ele vai ser uma forma de contracepção. Até porque, hoje, o anticoncepcional ele diminui muito a testosterona da mulher, ele tem queda de cabelo, dá hipotireoidismo. Então, ele prejudica muito", cita.

Custando cerca de R$ 4 a 6 mil reais no Brasil, a implantação do hormônio deve ser específico para cada mulher, avaliando fatores como idade e pré-disposições a doenças. André reforça que diversos exames devem ser realizados antes do interesse da aplicação.

"Toda a parte reprodutiva da mulher deve ser verificada, inclusive o índice de FSH e LH, que estimulam os ovários a produzir os hormônios", relembra. Com uso de seis meses a um ano, o implante de gestrinona não é recomendado para mulheres que tenham pré-disposições ao hirsutismo [aumento da produção de pelos no corpo], a hipertensão, a produção de acne e cardiopatas.

Jader Carvalho, presidente da Associação Cearense de Ginecologia e Obstetrícia (Socego), é contra o codinome do 'chip da beleza' para o implante de gestrinona. "Ele é muito usado no tratamento da endometriose, sua principal indicação. Mas o hormônio ainda é visto como um 'hype' na parte estética", alerta.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o único implante contraceptivo hormonal registrado no País é o Implanon, que tem em sua composição o hormônio Etonogestrel (68mg). No caso do implante de gestrinona, ele é um medicamento fabricado em laboratórios de manipulação como a Elmeco, produtora baiana que detém grande parte da produção do implante no País. O POVO solicitou a agência reguladora quantos implantes hormonais aguardam aprovação por parte da pasta. Entretanto, a pergunta não pôde ser respondida "por questões de sigilo de informações".

O POVO procurou posicionamento por parte do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre o uso de implantes hormonais como o da gestrinona e aguarda retorno.

Um pouco dos implantes subcutâneos hormonais no Brasil

As pesquisas com implantes subcutâneos no Brasil foram iniciadas pelo médico Elsimar Coutinho - fundador da Elmeco - no final da década de 1960 no Brasil. A técnica dos implantes condensava dois objetivos: a ação por um longo período e o pouco "controle" por parte da usuária na administração, segundo o artigo "Sob a Pele: Implantes subcutâneos, hormônios e gênero", pelas doutorandas pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Daniela Manica e Marina Nucci.

Próximo à época da consolidação dos movimentos sociais em defesa da saúde da mulher no Brasil, as  pesquisadoras citam que os anos 1985 e 1986 foram marcados por conferências diversas pautaram o controle da natalidade por parte das mulheres em eventos como a I Conferência Nacional de Saúde e Direitos da Mulher e a elaboração do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) pelo Ministério da Saúde (MS).

O surgimento do Norplant, primeiro implante subcutâneo produzido pela indústria farmacêutica, foi estudado por pesquisadores sobre seus usos em países em desenvolvimento. As pesquisadoras citam que as recomendações variavam entre implantar o Norplant em mulheres que quisessem - sem discussões sobre pré-disposições, como feitas atualmente - e ausência da discussão sobre a questão da remoção do implante.

Segundo o artigo, em virtude de mobilizações contrárias, o implante acabou sendo proibido no País. "A menor autonomia das mulheres em relação à tecnologia dos implantes, bem como seu potencial para ser “compulsoriamente” mantido nos corpos femininos, apesar dos efeitos indesejados que estavam sendo relatados, foram fatores que configuraram divergências irreconciliáveis com os movimentos sociais em defesa da saúde da mulher", conversa.

Daí houve a implementação da Elmeco no mercado brasileiro, a personalização dos implantes para diferentes usuárias marcou o uso no País a partir dos anos 2000. "Configuraram-se como formas possíveis para a reposição hormonal ou tratamentos de saúde, e também para “suprimir a menstruação”, algo que se torna positivo e desejável ou mesmo um novo “estilo de vida” para mulheres “modernas”", citam.

Atualmente, a Elmeco utiliza cinco hormônios em seus implantes: Gestrinona, Testosterona, Estradiol, Nestorone e Acetato de Nomesgestrol. Segundo a empresa são mais de 35 mil pessoas atendidas, entre homens e mulheres, em todo Brasil, com o marco de 200 mil implantes produzidos por ano no País.

 

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