Ursinho Pooh tinha déficit de atenção? Entenda a importância e os cuidados com diagnósticos de distúrbios mentais
Os diagnósticos são importantes para ajudar profissionais de saúde na conduta, mas devem ser usados com cuidado para não estigmatizar as pessoas
Provavelmente você já viu algum conteúdo comentando as possíveis inspirações em transtornos psicológicos para construir características de personagens de desenhos animados. É o caso do Ursinho Pooh e seus amigos do Bosque dos 100 Acres que, em dezembro do ano 2000, foram analisados por psicólogos canadenses e “diagnosticados” com determinados distúrbios mentais.
A proposta do artigo era lembrar que qualquer pessoa pode ter desordens psicológicas, afirmou a pesquisadora líder Sarah Shea à BBC na época. Nesse sentido, Pooh teria Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Leitão sofreria com transtorno de ansiedade generalizado e o melancólico Ió estaria enfrentando uma distimia crônica, espécie de depressão. Nem mesmo o Corujão ficou de fora, já que, segundo os autores, ele provavelmente tinha dislexia.
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“Se ao menos a condição [do Corujão] tivesse sido identificada precocemente e ele recebesse um apoio mais intensivo!”, especulam os pesquisadores no artigo premiado pelo Prêmio Kenneth R. Wilson Memorial, em julho de 2001. Nele, os autores também apontaram como os personagens de Ursinho Pooh poderiam receber tratamentos profissionais adequados para terem mais qualidade de vida, caso fossem diagnosticados.
Importância do diagnóstico
Não há como comprovar que as personagens de Ursinho Pooh realmente tinham distúrbios mentais. Elas são protagonistas de um livro cujo autor, Alan Alexander Milne, morreu em 1956. No entanto, as especulações sobre a saúde mental da turma do Bosque dos 100 Acres definitivamente chama a atenção para problemas humanos.
“Quanto mais distantes nós ficamos para falar sobre nós mesmos, mais a gente se enxerga”, comenta o psicólogo e professor de Psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), José Olinda Braga. De acordo com ele, o artigo utiliza-se de metáforas para discutir a importância da atenção de sintomas que podem vir a indicar distúrbios mentais.
Ao diagnosticar a turma, os psicólogos demonstram como mesmo em ambientes “pacíficos” e em famílias tidas como “perfeitas” existem transtornos psicológicos. E, mais importante, que são necessários atenção e cuidados para o pleno desenvolvimento dos indivíduos. Nesses casos, o diagnóstico é adequado para que profissionais possam adequar condutas e abordagens.
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Há momentos, por exemplo, que uma intervenção medicamentosa é necessária. O diagnóstico e acompanhamento profissional são essenciais para garantir um tratamento seguro e efetivo.
Importante reforçar que toda medicação precisa ter receita médica e ser acompanhada por algum médico, principalmente os remédios psiquiátricos. Isso porque eles são altamente viciantes e não agem da mesma forma em todas as pessoas. Algumas pessoas podem sentir-se calmas ao ingerir determinado medicamento e em determinada dosagem, enquanto outras podem sentir exatamente o contrário.
Cuidado para não estigmatizar
Apesar do intuito positivo do artigo, é preciso tomar cuidado. Só porque uma pessoa está triste ou desanimada durante uma semana, não significa que ela tenha depressão. Assim como é totalmente diferente passar por um momento de ansiedade e ser uma pessoa com transtorno de ansiedade.
O psicólogo José reforça que o diagnóstico de distúrbios mentais demanda tempo e atenção profissional: a tristeza e a ansiedade, por exemplo, são apenas sintomas de algo maior. “Não é porque você tem febre que necessariamente você tenha câncer ou tuberculose. A febre é apenas um sintoma, um sinal de mil possibilidades de doenças. Da mesma forma funciona no comportamento humano”, ilustra.
Praticamente desde sempre a sociedade tem o hábito de “diagnosticar” pessoas que agem fora do padrão para segregá-las. Assim, os distúrbios psicológicos viram estigma e sinônimo de algo ruim. Por isso, José considera necessário tomar cuidado ao enquadrar pessoas como depressivas, ou ansiosas, ou compulsivas. “O que fazemos em sociedade? Nós tomamos essas nomenclaturas para, a partir de então, rotular as pessoas como tais”, lamenta o psicólogo.
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O diagnóstico apresentado pelos autores do artigo do Ursinho Pooh segue um sistema chamado DSM-IV, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (na tradução em português). Ele é desenvolvido pela Associação Americana de Psiquiatria e já está na quinta edição - o artigo foi escrito em 2000 e por isso segue a quarta edição.
De acordo com o especialista, é preciso acompanhar os pacientes por pelo menos seis meses para chegar a um diagnóstico concreto. Além disso, a partir dos manuais de diagnóstico utilizados por cada país, cada distúrbio mental deve apresentar ao menos um número específico de sintomas para ser considerado como tal. No Brasil, utiliza-se o sistema de Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
“As pessoas não são [o distúrbio]. É apenas uma circunstância da vida delas. Esses rótulos são extremamente perigosos na questão psicológica”, ressalta o psicólogo José. Por isso, o melhor é deixar o diagnóstico com os profissionais e, como sociedade, apoiar e celebrar as muitas outras dimensões e características dos indivíduos humanos.
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