Lei de Férias completa 100 anos no Brasil; patrões disseram que norma quebraria o país
Decreto sancionado em 1925 instituiu 15 dias de descanso anual e previa multa para quem descumprisse a norma; legislação foi avançando com o passar do tempo até se consolidar
Há cerca de 100 anos, na véspera do Natal de 1925, o Brasil dava um passo inédito na legislação trabalhista ao instituir, pela primeira vez, o direito de férias remuneradas.
Sancionado pelo então presidente Artur da Silva Bernardes, o Decreto nº 4.982, de 24 de dezembro daquele ano, determinou a concessão anual de 15 dias de descanso a empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais, bancários, jornalísticos e de instituições de caridade, sem prejuízo de salários ou gratificações.
À época, o decreto previa sanções financeiras para quem descumprisse a norma. O texto autorizava o Executivo a aplicar multas ao equivalente a dois contos de réis, valor considerado elevado nos anos 1920 e capaz de representar vários meses de salário de um trabalhador urbano. Na prática, porém, a eficácia da punição foi limitada pela ausência de estrutura de fiscalização.
A medida representou uma ruptura num país onde a maior parte dos trabalhadores urbanos enfrentava jornadas superiores a 12 horas diárias, sem descanso semanal garantido, sem jornada máxima, sem carteira de trabalho e sem qualquer proteção. A criação das férias ocorreu menos de quatro décadas após a abolição da escravidão, em um contexto em que a mentalidade escravista ainda influenciava as relações de trabalho.
O projeto que deu origem à lei foi apresentado em outubro de 1924 pelo deputado Henrique Dodsworth, então representante do Distrito Federal — à época, a cidade do Rio de Janeiro. Inicialmente restrita aos comerciários, a proposta foi ampliada durante os debates no Congresso e aprovada em cerca de 14 meses, tempo considerado curto para os padrões do período.
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Medida enfrentou resistência e temor de “quebra do país”
Embora hoje seja visto como um direito básico, o descanso anual remunerado foi recebido com forte resistência por parte do empresariado da época. Documentos mostram que setores patronais alegavam que a obrigatoriedade de pagar salários durante o período de folga poderia inviabilizar economicamente as empresas e comprometer o crescimento do país.
Nos debates parlamentares, o argumento econômico se misturava a um temor político. Parlamentares defendiam que a concessão de direitos sociais seria necessária para conter o avanço da chamada “agitação operária”, intensificada após a greve geral de 1917, que paralisou São Paulo por quase um mês e mobilizou cerca de 50 mil trabalhadores.
“É preciso evoluir para não revolucionar”, alertou, na época, o deputado Agamenon de Magalhães, ao defender avanços graduais na legislação social como forma de evitar conflitos mais profundos entre setores do capital e do trabalho.
Direito nasceu em meio à repressão
Apesar da sanção presidencial, a aplicação da Lei de Férias enfrentou obstáculos. Sem um órgão fiscalizador estruturado, empresários recorreram a manobras para burlar a norma, como demissões antes de completar um ano de trabalho, adulteração de datas de admissão e atrasos na emissão de registros funcionais; num período em que a carteira de trabalho não existia.
A conivência do Estado e a ausência de fiscalização permitiram que o direito fosse, muitas vezes, apenas formal. A situação só começaria a mudar a partir da década de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho, no governo Getúlio Vargas, e, posteriormente, da Justiça do Trabalho, instalada em 1941.
Ampliação do direito ao longo do século
O descanso anual garantido em 1925 foi ampliado ao longo das décadas. Em 1949, o período de férias passou de 15 para 20 dias. Os atuais 30 dias foram estabelecidos em 1977, durante o regime militar. Já a Constituição de 1988 assegurou um avanço adicional ao garantir o pagamento de um terço a mais do salário durante o período de férias.
Cem anos depois, a história da Lei de Férias segue atual. O mesmo discurso de que direitos trabalhistas poderiam “quebrar o país” reaparece em debates contemporâneos sobre jornada de trabalho, formas de contratação e flexibilização de garantias legais.
A experiência histórica, no entanto, mostra que o Brasil não apenas sobreviveu à criação das férias, como consolidou o descanso remunerado como um dos pilares da proteção ao trabalhador.
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