Caso Zambelli: Moraes pode derrubar decisão da Câmara? O que dizem juristas
Juristas ouvidos pelo OP News sobre o caso Zambelli consideram que perda do mandato é automática após condenação e que decisão da Câmara sobre manutenção seria apenas declaratória
17:15 | Dez. 15, 2025
A decisão da Câmara dos Deputados na última quarta-feira ,10, de manter o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP), mesmo após sua condenação definitiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF), abriu um novo capítulo na disputa institucional entre Legislativo e Judiciário, deixando dúvidas sobre a situação política da parlamentar.
A deputada está presa na Itália, após fugir do Brasil ao ser condenada a 10 anos de prisão por invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mesmo assim, o plenário da Câmara rejeitou, por insuficiência de votos, a cassação indicada pelo STF. Com isso, o ministro Alexandre de Moraes anulou a decisão da Câmara que mantinha o mandato de Zambelli.
Moraes ainda determinou que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos), dê posse ao suplente da parlamentar num prazo de até 48 horas. No fim de semana, a deputada anunciou que renunciaria ao cargo de deputada federal.
O que dizem juristas
Em entrevista ao O POVO News, o procurador cearense, advogado criminalista e professor de direito penal Leonardo Borges, explicou que o entendimento atual do Supremo aponta para a inevitabilidade da perda do mandato após condenação transitada em julgado.
Segundo ele, a Constituição estabelece essa consequência de forma automática em casos como o de Zambelli, que já cumpre pena. “A Constituição Federal deixa muito claro, no seu artigo 15, inciso terceiro, que uma consequência da condenação transitado em julgado como no caso dela, é a perda de cargo público e a inelegibilidade”, afirmou.
O especialista lembrou que essa previsão constitucional está reforçada pelo artigo 55, que trata especificamente da perda de mandato parlamentar, e pelo artigo 91 do Código Penal, que também estabelece efeitos automáticos da condenação criminal. Borges citou ainda precedentes do próprio STF.
“Pelo atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, inclusive publicado no caso Paulo Maluf, ação penal 863, pode sim o Supremo cassar essa decisão e determinar a perda do mandato da deputada Carla Zambelli, como já foi determinado pelo ministro Alexandre de Moraes”.
Para o procurador, portanto, a votação realizada pela Câmara tem caráter meramente declaratório e não cria um obstáculo jurídico para que o Supremo aplique a punição prevista.
O advogado foi categórico ao afirmar: “Poderá, sim, ser cassada essa decisão da Câmara dos Deputados. Hoje no entendimento do Supremo é que há uma mera comunicação da condenação para a casa legislativa. Ou seja, essa votação seria claramente declaratória, de algo que já foi decidido pelo Supremo, a decisão pela perda do mandato”.
Já para André Marsiglia, advogado e professor de direito constitucional, a Câmara tem competência de julgar a questão, e segundo a interpretação dele, a instituição dá a palavra final. "O congresso tem competência, o art. 55 prevê que a palavra final sobre cassação de parlamentar, mesmo após condenação do Judiciário, é da Câmara".
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Nesta sexta-feira, 12, Tainah Sales, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avaliou em entrevista ao OP News 1ª edição que a decisão do Supremo deve prevalecer.
"Em razão do que está previsto na Constituição (...) Quando vamos no artigo 55, nos incisos e nos parágrafos segundo e terceiro, lá nos diz que quando houver condenação criminal, transitado em julgado, que resulta na suspensão de direitos políticos, a cassação deve ser automática e apenas declarada pela Câmara", explica.
Sales destaca ainda que a condenação de Zambelli se dá em regime fechado. "Não tem como ela está cumprindo pena e estar trabalhando. Esse não é um caso isolado, já houve casos anteriores, desde o mensalão o STF fixou esse entendimento", afirma, acrescentando que cabe à Câmara apenas o caráter declaratório sobre a perda de mandato, não a definição nesse caso.
A professora comentou ainda sobre eventuais sanções a Hugo Mota, caso não cumpra a determinação de Moraes. "Em tese uma decisão judicial que é descumprida pode ser punida. Existem penas que podem ser aplicadas a Motta caso ele descumpra a decisão. Existe essa possibilidade. Acho que não será o caso, acredito que a situação será resolvida do ponto de vista político".
Tensionamento entre os Poderes
Para Leonardo Borges, a decisão do plenário da Câmara tem forte componente político e ocorre em meio a um cenário de tensionamento entre os Poderes. Para ele, a reação do Legislativo se insere em um contexto mais amplo de insatisfação com decisões recentes do STF que atingem parlamentares.
“Basicamente o que está havendo agora é um tensionamento entre os poderes da República, porque tanto a Câmara quanto o Senado entendem que está havendo um avanço do Supremo Tribunal Federal em suas (atribuições) legislativas”, observou.
O procurador citou episódios que compõem esse cenário, como a decisão do ministro Gilmar Mendes sobre a lei do impeachment, e avaliou que a postura do presidente da Câmara, Hugo Motta, buscou enviar um recado público. “Penso que aqui foi mais um recado simbólico da Câmara [...] uma tentativa de demonstração de força para a população, para a mídia, para o Supremo”.
Ele destacou ainda a contradição entre a manutenção do mandato de Zambelli e o processo de cassação aberto contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por faltas injustificadas às sessões; após se mudar para os Estados Unidos e ser acusado de atuar contra o Judiciário brasileiro.
Para o procurador, não faz sentido permitir que Zambelli permaneça deputada estando presa no exterior. “Como ele poderia exercer um mandato parlamentar, ainda que a decisão fosse da Câmara, de dentro de uma prisão na Itália? Seria mais contra senso ainda que o caso do Eduardo”, afirmou.
Mesmo em caso de extradição, Borges reforça que a parlamentar não poderia reassumir as atividades no Congresso, uma vez que continuaria presa no Brasil para cumprimento da pena. Com isso, segundo ele, resta pouco espaço jurídico para qualquer cenário em que Zambelli recupere o cargo, devendo prevalecer a determinação do ministro Alexandre de Moraes.
André Marsiglia, destaca porém que o caso cria uma situação conflituosa entre os poderes que não poderia ser solucionado juridicamente e diz que o presidente da Câmara tem uma postural "servil" a Suprema Corte.
"Haveria um confronto que não pode ser solucionado juridicamente, apenas politicamente, uma tensão, uma queda de braço institucional entre os poderes. Provavelmente, o Motta cederia, pois sua postura tem sido servil ao STF desde que assumiu o cargo".