STF absolve general cearense e condena 9 réus, inclusive "kids pretos"

O núcleo é composto por nove militares do Exército e um policial federal. Os acusados são conhecidos como "kids-pretos", militares que integraram o grupamento de forças especiais do Exército

10:22 | Nov. 19, 2025

Por: Érico Firmo
Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira (foto: Alberto César Araújo/Aleam)

A primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta terça-feira, 18, nove dos dez réus do núcleo 3 na ação penal 2668, que trata da trama golpista ocorrida durante governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Foi absolvido o general cearense Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, por falta de provas. A decisão foi unânime entre os quatro ministros que participaram do julgamento. 

Votaram os ministros Alexandre de Moraes, relator, e os ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino.

Como votaram os ministros?

Pela manhã, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, proferiu o voto que baseou as condenações dos réus.

Na parte da tarde, o ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator e afirmou que os acusados mobilizaram militares da alta patente para cometer crimes contra a democracia e criar um ambiente político propício à tentativa de golpe.

"Parte dos réus efetivou poder de liderança, com foco em ações de campo, destinadas a monitorar e neutralizar autoridades públicas, enquanto outra parte executou ações táticas para convencer e insuflar o alto comando do Exército a consignar um golpe de Estado", afirmou.

A ministra Cármen Lúcia acrescentou que a tentativa de Golpe se caracterizou pela tentativa de instigar as Forças Armadas a aderirem ao golpe. A ministra citou mensagens de WhatsApp apreendidas durante as investigações.

"A influência vem de quem tem influência, e não de que tem cargo. Se trata de cogitar que pessoas atuaram contra essas instituições [Forças Armadas]", disse.

Último a votar, Flávio Dino destacou que o STF realiza o primeiro julgamento envolvendo uma tentativa de golpe de Estado no país.

"Em um novembro como este, em 1823, houve o primeiro golpe de Estado no Brasil, com o fechamento da Constituinte daquele ano. Depois houve uma longa sequência, e temos uma singularidade nesse caso. É o primeiro julgamento judicial que se processa no Brasil em relação a golpes e contragolpes", afirmou.

Dino também afirmou que não pode ser razoável entender que as mensagens em que os militares combinaram monitorar e sequestrar o ministro Alexandre de Moraes sejam apenas de descontentamento.

"O Brasil chegou à beira do precipício de atos muito violentos. Atos que levariam ao inédito assassinato de um ministro do STF, ao assassinato de um presidente da República, do vice-presidente. Isso não são fatos corriqueiros que possam ser vistos como meras conversas de confraternização ou meros planejamentos aleatórios", completou.

Com a mudança de Luiz Fux para a segunda turma, somente os quatro ministros participaram do julgamento.

Quem compõe o núcleo 3?

O núcleo é composto por nove militares do Exército e um policial federal. Os acusados são conhecidos como "kids-pretos", militares que integraram o grupamento de forças especiais do Exército. Eles são acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de planejar ações táticas para efetivar o plano golpista e tentar sequestrar e matar o ministro Alexandre de Moraes, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Os magistrados acompanharam Moraes pela absolvição de Estevam Theophilo. Eles consideraram não haver provas suficientes para condenar o general, apenas aquelas produzidas na delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.

Condenação de nove réus

Os condenados foram:

  1. Coronel Bernardo Romão Corrêa Netto
  2. Coronel Fabrício Moreira de Bastos
  3. Coronel Marcio Nunes de Resende Júnior
  4. Tenente-Coronel Hélio Ferreira Lima
  5. Tenente-Coronel Rafael Martins de Oliveira
  6. Tenente-Coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo
  7. Tenente-Coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros
  8. Tenente-Coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior
  9. Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal)

O grupo inclui alguns dos chamados "kids-pretos", militares que integraram o grupamento de forças especiais do Exército.

Dois dos réus responderão por crimes mais leves — o coronel Márcio Nunes de Resende Júnior e o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior. Ambos foram condenados por incitação à animosidade das Forças Armadas e associação criminosa.

Os demais — seis militares e um policial federal — foram condenados pelos cinco crimes aos quais foram acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR): organização criminosa armada, golpe de Estado, ataque violento ao Estado Democrático de Direito, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração do patrimônio tombado.

O julgamento do núcleo 3

A primeira turma do Supremo julga desde a semana passada o chamado núcleo 3 da trama golpista, composto por nove militares do Exército e um agente da Polícia Federal. Theophilo é o de mais alta patente deles.

O grupo foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de planejar ações contra o resultado das eleições de 2022 e atentar contra autoridades da República. 

De acordo com a PGR, os réus integravam um núcleo militar responsável por monitorar autoridades, planejar ataques e pressionar os comandantes das Forças Armadas a apoiar uma ruptura institucional.

Entre os atos praticados, segundo a denúncia, estão a disseminação de notícias falsas sobre as eleições, a pressão ao alto comando das Forças Armadas para aderirem ao complô e a ida efetiva a campo para monitorar e matar autoridades vistas como adversárias, incluindo o próprio Moraes, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin.

“Está comprovado que houve esse planejamento e houve o ato executório. Só não se consumou [o plano de assassinato] por circunstâncias alheias à vontade [do grupo]”, afirmou Moraes.

O ministro mencionou, por exemplo, a operação Copa 2022, um dos planejamentos golpistas apreendidos na investigação.

Assassinatos

Foram apresentadas provas como a localização dos réus, obtidas por meio do acionamento de antenas de telefonia celular, e conversas no aplicativo de mensagem Signal, no que parece ser uma interação entre agentes já em campo para assassinar os alvos. 

O ministro Alexandre de Moraes frisou que ele próprio só não foi morto por causa de uma ordem para abortar a missão, em um recuo de última hora de Bolsonaro, que não havia conseguido, no mesmo dia, a adesão do comandante do Exército ao complô.  

Outro documento anexado ao processo é o plano Punhal Verde e Amarelo, igualmente apreendido pela PF, que previa o emprego “de armamento pesado” nas missões para matar autoridades, inclusive o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.

O ministro relator mostrou relatório da PF detalhando o material bélico apreendido na operação Tempus Verictatis, incluindo explosivos e armas e munições de grosso calibre. “Não há nenhuma dúvida de que isso seria usado em uma tentativa de golpe de Estado”, afirmou Moraes. 

No caso de Lula, “o plano de morte previa outra abordagem, como o envenenamento ou remédio que induzisse o colapso orgânico”, destacou o ministro. O presidente eleito estaria sendo monitorado por um dos policiais federais designados para sua equipe de segurança. 

Ditadura 

Em outro momento, ao comentar a chamada Operação Luneta, um terceiro plano golpista que foi encontrado pela PF, dessa vez mais amplo e conjuntural, Moraes afirmou ser “uma verdadeira ditadura o que [os réus] pretendiam com o apoio das Forças Armadas”. 

O ministro Flávio Dino disse que os passos previstos nesse plano de golpe se assemelham aos acontecimentos do golpe civil-militar de 1964.

“Restrição à atuação do Supremo Tribunal, censura à imprensa, proibição de manifestações, prisão de opositores. É quase como uma adaptação do roteiro que se deu a partir de 1964 no Brasil”, observou. 

O STF vai decidir se o grupo deve ser absolvido ou condenado, com penas proporcionais ao grau de participação nas ações ilegais.

O presidente da turma, ministro Flávio Dino, reservou as sessões dos dias 11, 12, 18 e 19 para analisar a denúncia apresentada pela PGR. Além de Dino, participam da votação os ministros Alexandre de Moraes (relator), Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A quinta cadeira da Primeira Turma está vaga após a transferência do ministro Luiz Fux para a Segunda Turma.

  

As acusações

A Procuradoria-Geral da República acusa os réus de:

  1. Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
  2. Tentativa de golpe de Estado
  3. Participação em organização criminosa armada
  4. Dano qualificado
  5. Deterioração de patrimônio tombado

Segundo a PGR, o grupo participou de ações coercitivas. O objetivo seria criar um ambiente de instabilidade e favorecer um decreto de ruptura institucional, com apoio de setores militares. 

Absolvição e crimes mais brandos 

No caso dos réus Ronald Ferreira de Araújo Júnior e Márcio Nunes de Resende Júnior, tenente-coronel e coronel do Exército, respectivamente, a turma optou pela descaracterização dos crimes imputados pela procuradoria, afirmando não haver provas suficientes de que eles de fato faziam parte da organização criminosa que tentou o golpe.

Os dois foram acusados de pressionar superiores hierárquicos a aderirem à trama golpista, mas as provas contra eles demonstram apenas que encaminharam mensagens pontuais. No caso do general Estevam Teóphilo, o ministro também disse não haver provas suficientes de que ele de fato participou do complô golpista. Moraes aplicou o princípio do in dubio pro reo, segundo o qual o réu deve ser absolvido em caso de dúvida razoável.  

Outros núcleos

Com os nove condenados desta terça, o STF já condenou 24 réus pela trama golpista. São sete condenados do Núcleo 4 e mais oito acusados que pertencem ao Núcleo 1, liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

O grupo 2 será julgado a partir de 9 de dezembro. O núcleo 5 é formado pelo empresário Paulo Figueiredo, neto do ex-presidente da ditadura João Figueiredo. Ele mora dos Estados Unidos, e não há previsão para o julgamento. 

Do que os réus são acusados e o que dizem as defesas

O julgamento do núcleo militar, o mais numeroso entre os investigados, deve definir a responsabilidade dos réus nas ações golpistas e sinalizar o ritmo das próximas fases do processo no STF.

General Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira

Acusado de usar sua posição e experiência militar para apoiar a tentativa de golpe, teria incentivado Jair Bolsonaro (PL) a assinar o decreto de ruptura institucional. A PGR afirma que sua adesão deu peso simbólico e estratégico ao plano. 

A defesa nega que ele tenha recebido proposta golpista em reunião com Bolsonaro e sustenta que não há relação com os atos de 8 de janeiro. Estevam Theophilo é irmão do também general cearense Guilherme Theophilo, pré-candidato ao Senado pelo Partido Novo em 2026.

Coronel Bernardo Romão Corrêa Netto

Apontado pela PGR como um dos participantes de reunião em novembro de 2022, em que teria sido discutido o decreto golpista. Teria pressionado generais para apoiar a ruptura democrática. A defesa nega envolvimento e afirma que ele não disseminou informações falsas nem participou de planejamento golpista.

Coronel Fabrício Moreira de Bastos

Segundo a PGR, participou de ações para pressionar comandantes das Forças Armadas e esteve na reunião de novembro em que foi discutido o decreto. A defesa afirma que ele não cometeu crimes e que não há provas de sua participação em organização criminosa.

Coronel Marcio Nunes de Resende Júnior

Acusado de ter participado da elaboração de uma carta usada para pressionar comandantes militares a apoiar o golpe. A reunião teria ocorrido em uma sala de sua residência. A defesa nega que ele tenha pressionado oficiais e diz que não há relação com os atos de 8 de janeiro.

Tenente-Coronel Hélio Ferreira Lima

Apontado como autor de uma planilha com as etapas do golpe e de planejar o caos social e a neutralização de autoridades. A PGR o associa ao plano que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. A defesa contesta a delação de Mauro Cid e sustenta que não há provas de que Lima integrou organização criminosa.

Tenente-Coronel Rafael Martins de Oliveira

Acusado de participar de reunião com o general Braga Netto, em novembro de 2022, para discutir estratégias de mobilização e instabilidade. Teria monitorado autoridades, incluindo o ministro Alexandre de Moraes. A defesa afirma que a denúncia não detalha suas ações, nega os crimes e diz que não há provas suficientes.

Tenente-Coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo

Teria atuado nas ações de campo voltadas ao monitoramento de autoridades. A defesa nega envolvimento nos atos de 8 de janeiro e afirma que não há provas de participação em organização criminosa.

Tenente-Coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros

Segundo a acusação, ajudou a elaborar a carta que buscava pressionar comandantes militares. A defesa sustenta que os crimes não foram comprovados e que ele não integrou organização criminosa nem teve ligação com o 8 de janeiro.

Tenente-Coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior

A acusação aponta a participação dele na elaboração e divulgação da carta destinada a pressionar os comandantes militares. A PGR, porém, reconhece que não há provas de envolvimento mais profundo e pede que ele responda por incitação ao crime, por estimular animosidade das Forças Armadas contra os Poderes da República. A defesa nega que sua conduta tenha gerado consequências criminosas.

Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal)

Acusado de monitorar o presidente Lula e repassar informações sobre segurança presidencial a aliados de Bolsonaro. A defesa afirma que não há indícios de participação em atos antidemocráticos nem vínculo com a organização criminosa.

Assista ao podcast Jogo Político:

Pela manhã, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, proferiu o voto que baseou as condenações dos réus.

Na parte da tarde, o ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator e afirmou que os acusados mobilizaram militares da alta patente para cometer crimes contra a democracia e criar um ambiente político propício à tentativa de golpe.

"Parte dos réus efetivou poder de liderança, com foco em ações de campo, destinadas a monitorar e neutralizar autoridades públicas, enquanto outra parte executou ações táticas para convencer e insuflar o alto comando do Exército a consignar um golpe de Estado", afirmou.

A ministra Cármen Lúcia acrescentou que a tentativa de Golpe se caracterizou pela tentativa de instigar as Forças Armadas a aderirem ao golpe. A ministra citou mensagens de WhatsApp apreendidas durante as investigações.

"A influência vem de quem tem influência, e não de que tem cargo. Se trata de cogitar que pessoas atuaram contra essas instituições [Forças Armadas]", disse.

Último a votar, Flávio Dino destacou que o STF realiza o primeiro julgamento envolvendo uma tentativa de golpe de Estado no país.

"Em um novembro como este, em 1823, houve o primeiro golpe de Estado no Brasil, com o fechamento da Constituinte daquele ano. Depois houve uma longa sequência, e temos uma singularidade nesse caso. É o primeiro julgamento judicial que se processa no Brasil em relação a golpes e contragolpes", afirmou.

Dino também afirmou que não pode ser razoável entender que as mensagens em que os militares combinaram monitorar e sequestrar o ministro Alexandre de Moraes sejam apenas de descontentamento.

"O Brasil chegou à beira do precipício de atos muito violentos. Atos que levariam ao inédito assassinato de um ministro do STF, ao assassinato de um presidente da República, do vice-presidente. Isso não são fatos corriqueiros que possam ser vistos como meras conversas de confraternização ou meros planejamentos aleatórios", completou.

Com a mudança de Luiz Fux para a Segunda Turma, somente os quatro ministros participaram do julgamento.