'Pressão de Trump não vai intimidar STF no julgamento de Bolsonaro', avalia cientista política

'Pressão de Trump não vai intimidar STF no julgamento de Bolsonaro', avalia cientista política

Depois de perder os direitos políticos até 2030, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta agora o risco de ser condenado criminalmente e acabar na prisão. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começa na próxima semana a julgar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que atribui ao ex-presidente o papel de líder de uma organização criminosa armada de civis e militares que queria dar um golpe de Estado em 2022. É a primeira vez que o STF analisa uma denúncia dessa natureza.

Para a cientista política Maria Tereza Sadek, uma das mais renomadas pesquisadoras de Judiciário do Brasil, o julgamento é histórico e há provas suficientes para condenar o ex-presidente. Em sua defesa, Bolsonaro alegou que todos os instrumentos cogitados após a derrota nas eleições de 2022 estão previstos na Constituição.

O julgamento vai ocorrer em um contexto de pressão internacional, com medidas de retaliação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre os ministros, especialmente o relator do processo, Alexandre de Moraes, e seus familiares, como sanções econômicas e o cancelamento de vistos.

Na leitura de Maria Tereza, as ameaças do governo americano não intimidaram o STF e não devem interferir no julgamento.

"A reação do Supremo tem sido uma reação institucional, corporativa. Então eu acho que é uma pressão, sem dúvida nenhuma, mas é uma pressão que não está surtindo os efeitos almejados", avalia. "Ao contrário: ao invés de intimidar está fortalecendo a instituição, o espírito de corpo."

O desfecho mais provável para o ex-presidente é a condenação. O STF acelerou procedimentos para concluir o julgamento das lideranças da trama golpista ainda em 2025, em uma tentativa de evitar a contaminação do calendário eleitoral, mas para professora a tendência é que o resultado embaralhe o tabuleiro político em 2026.

"Não é só a direita que vai sofrer, acho que a esquerda também, porque esses lados políticos existem em uma relação de simbiose", avalia Maria Tereza Sadek.

A cientista política considera que principal a lição deste julgamento é que as instituições precisam ser firmes ao perceber riscos antidemocráticos.

"Havia sinais de que isso poderia acontecer muito antes do 8 de Janeiro", defende. "O plano de golpe chegou longe demais."

Leia a entrevista completa com a professora e cientista política Maria Tereza Sadek:

Qual a importância histórica do julgamento da trama golpista?

É extremamente importante. É o primeiro grande julgamento de natureza penal de um ex-presidente e de vários ministros de Estado no Supremo Tribunal Federal. O tipo penal de golpe de Estado também nunca havia sido aventado, um atentado contra a democracia.

O que precisa ser definido para o Judiciário ter bases mínimas para julgar, se for necessário, novas acusações de crimes contra a democracia com alguma segurança?

Acredito que a coisa mais importante seriam as instituições de controle agirem pra não deixar uma investida como essa chegar tão longe. O plano de golpe chegou longe demais. Se não tiver controle, aí sim vamos ter um problema. Havia sinais de que isso poderia acontecer muito antes do 8 de Janeiro e nada foi feito, até que se invadiu o Supremo, o Congresso, então isso foi uma situação muito séria, muito grave, que nunca aconteceu.

Como a pressão dos Estados Unidos impacta o julgamento?

Não é normal que o Brasil saia na capa da The Economist. Isso aconteceu pela pressão econômica, pessoal, cultural e política dos Estados Unidos sobre o STF. A reação do Supremo tem sido uma reação institucional, corporativa. Então eu acho que é uma pressão, sem dúvida nenhuma, mas é uma pressão que não está surtindo os efeitos almejados pelo Trump. Porque não está intimidando. Ao contrário: ao invés de intimidar está fortalecendo a instituição, o espírito de corpo. E, nos brasileiros, em geral, está fortalecendo um certo nacionalismo.

Esse julgamento é um sinal de que o Brasil foi capaz de defender a sua democracia?

O Brasil está conseguindo defender a democracia, com altos e baixos. A democracia brasileira foi muito mais resiliente do que a norte-americana, por exemplo, que sempre serviu de modelo, de padrão pra nós.

Passado o julgamento, o STF deveria recuar e revisar procedimentos internos?

A situação é muito crítica e muito complexa. Obviamente, as coisas vão mudar. Já vemos várias reações no interior do Legislativo, seja na Câmara, seja no Senado. Com a posse do novo ministro (Edson Fachin, que assume a presidência do STF em setembro), a tendência é que o comportamento do tribunal mude. O STF deveria acabar com tantas decisões individuais, ou pelo menos diminuir enormemente as decisões individuais, essa é uma questão extremamente relevante. Assim como é muito relevante que se discuta o Supremo, nós não podemos estar fechados a nenhum tipo de discussão institucional.

Como uma eventual condenação de Bolsonaro afetará as eleições de 2026?

Não é só a direita que vai sofrer, acho que a esquerda também, porque esses lados políticos existem em uma relação de simbiose. A direita precisa da esquerda e a esquerda está precisando da direita. A direita vai ser muito desarticulada, certamente, e a esquerda, aparentemente, vai sair ganhando, mas eu sublinho a palavra aparentemente. Eu acho que a condenação do ex-presidente vai embaralhar o cenário político.

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