Jair e Eduardo Bolsonaro são indiciados pela PF por coação em investigação da trama golpista
Relatório da PF aponta conversas entre o ex-presidente com Silas Malafaia e Eduardo Bolsonaro com tentativas de atrapalhar a investigação
19:22 | Ago. 20, 2025
A Polícia Federal (PF) indiciou nesta quarta-feira, 20, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) por tentativa de atrapalhar a investigação sobre a tentativa de golpe de Estado. O pastor Silas Malafaia também foi citado no relatório e foi alvo de busca e apreensão.
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A decisão foi tomada após a PF concluir as investigações sobre a atuação de Eduardo junto ao governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para promover medidas de retaliação contra o governo brasileiro e ministros do Supremo.
Quais as provas contra Bolsonaro?
O relatório cita a participação do ex-presidente e do deputado federal nos “crimes de coação no curso de processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.
A PF também aponta conversas de Jair Bolsonaro com Silas Malafaia e Eduardo Bolsonaro que teriam sido apagadas. O conteúdo inclui tentativas de coagir membros do Judiciário e do Legislativa e de atrapalhar a investigação.
“Corroboram a hipótese criminal de um conjunto orquestrado de ações praticadas pelo grupo investigado, voltadas a coagir membros do Poder Judiciário e, mais recentemente, do Poder Legislativo (Câmara e Senado), de modo a tentar subjugar os respectivos Chefes de Poderes aos anseios do grupo criminoso, com a finalidade de obtenção de vantagem indevida”.
Jair Bolsonaro cumpre prisão domiciliar, determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes após o ex-presidente descumprir ordens judiciais.
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Fuga para a Argentina?
No documento, a PF relata que encontrou na residência do ex-presidente uma minuta de pedido de asilo político na Argentina. Para os investigadores, se trata de um indício de que Bolsonaro planejou uma fuga para o país vizinho.
Conforme a investigação da PF, a minuta, com pedido de asilo político na Argentina, foi produzida após a deflagração da operação relacionada ao inquérito sobre o plano de golpe de Estado, que resultou na ação penal na qual Bolsonaro é réu no Supremo.
De acordo com a PF, o arquivo foi editado pela última vez em fevereiro de 2024. No documento, endereçado ao presidente argentino, Javier Milei, Bolsonaro afirma que é "um perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos".
Cerca de dois meses antes da última edição deste documento, em 5 de dezembro de 2023, o ex-presidente informou a Moraes que iria viajar para a Argentina nos dias 07 a 11 de dezembro. Segundo a defesa de Bolsonaro, o aviso ocorreu devido às diversas investigações nas quais o ex-presidente era alvo. "Jair Bolsonaro esteve, então, presente na posse do atual mandatário argentino, em comitiva acompanhada por seu filho Eduardo Bolsonaro, dentre outros aliados", escreveu a PF em seu relatório.
"Os elementos informativos encontrados indicam, portanto, que o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha em sua posse documento que viabilizaria sua evasão do Brasil em direção à República Argentina, notadamente após a deflagração de investigação pela Polícia Federal com a identificação de materialidade e autoridade delitiva quanto aos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito por organização criminosa", concluíram os investigadores.
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Quais as conclusões da PF?
Na avaliação dos investigadores, ficou evidenciado que Bolsonaro e Eduardo atuaram "de forma subordinada a interesses de agentes estrangeiros, em alinhamento previamente condicionado ao atendimento de pretensões externas".
O lobby do deputado federal junto à Casa Branca colaborou para a aplicação das sanções de 50% do governo Donald Trump ao Brasil e foi decisivo para a utilização da Lei Magnitsky contra a Moraes, que está impedido de utilizar os serviços financeiros de empresas norte-americanas.
Quais os próximos passos?
O pedido de indiciamento foi enviado ao gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes juntamente com um relatório de 170 páginas no qual os delegados Leandro Almada, Rafael Caldeira e Itawan Pereira descrevem o passo a passo dos crimes cometidos pela família Bolsonaro.
"Com base nos elementos probatórios apresentados neste relatório, conclui-se que EDUARDO NANTES BOLSONARO e JAIR MESSIAS BOLSONARO, com a participação de PAULO FIGUEIREDO e SILAS LIMA MALAFAIA, encontram-se associados ao mesmo contexto, praticando condutas com o objetivo de interferir no curso da Ação Penal n. 2668 - STF, processo no qual o segundo nominado consta formalmente como réu", apontou a PF.
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Pai e filho usaram contas das esposas para driblar autoridades
A PF analisou as movimentações bancárias de Bolsonaro e Eduardo e identificou um "modus operandi" de pai e filho que consistia em repassar dinheiro para as contas das esposas "para dissimular a origem e o destino de recursos financeiros com o intuito de financiamento e suporte das atividades de natureza ilícita do parlamentar licenciado no exterior".
Segundo os investigadores, o ex-presidente transferiu R$ 2 milhões para a conta da esposa, Michelle Bolsonaro, e, no dia seguinte, Heloísa Bolsonaro, esposa de Eduardo, recebeu os valores em sua conta.
A avaliação da PF é de que o deputado federal usou em mais de uma oportunidade a conta bancária de sua esposa "como forma de escamotear os valores encaminhados por seu genitor, utilizando como conta de passagem, com a finalidade de evitar possíveis bloqueios em sua própria conta".
Compras em dólar
Os investigadores também identificaram uma série de compras de dólar por Bolsonaro. Foram identificadas ao menos seis operações de câmbio realizadas pelo ex-presidente entre janeiro e julho deste ano. As movimentações foram identificadas por meio da quebra do sigilo bancário de Bolsonaro e Eduardo. O ex-presidente, segundo a investigação, também fez saques de dinheiro em espécie no valor total de R$ 130 mil no mesmo período.
"O conjunto de elementos probatórios arrecadados indica, portanto, que o ex-presidente Jair Bolsonaro atuou deliberadamente, de forma livre e consciente, desde o início de 2025 e com maior ênfase, nos meses de maio, junho e julho de 2025 - quando se acentuaram as ações de Eduardo Bolsonaro no exterior - com a finalidade de se desfazer dos recursos financeiros que tinha em sua posse imediata, bem como evitar possíveis medidas judiciais que limitassem e/ou impedissem de consumar o intento criminoso de apoiar financeiramente as ações do parlamentar licenciado no exterior", escreveu a Polícia Federal.
Bolsonaro e Braga Netto violaram medida cautelar
Os delegados da PF identificaram uma mensagem de texto enviada pelo ex-ministro Walter Braga Neto a Bolsonaro em fevereiro de 2024, exatamente um dia após Moraes determinar a proibição de contato entre os investigados no inquérito que apurava a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
O ex-ministro utilizou um número pré-pago para fazer contato com o aliado porque o seu celular havia sido apreendido na Operação Tempus Veritatis. "Estou com este numero pré pago para qualquer emergência. Não tem zap. Somente face time. Abs Braga Netto", enviou o ex-ministro a Bolsonaro.
Diálogos
No material que instrui o inquérito que tramita no Supremo sobre a tentativa de coação de integrantes da Corte para evitar o julgamento da ação penal do golpe, há conversas de áudio extraídas do celular de Bolsonaro e nas quais ele afirma ao filho Eduardo que mantém diálogo com ministros da Corte.
Segundo o relatório da PF, no dia 27 de junho o ex-presidente disse a Eduardo: "Esqueça qualquer crítica ao Gilmar", em possível menção ao ministro Gilmar Mendes. Bolsonaro então afirma que tem "conversado com alguns do STF" e que "todos ou quase todos demonstram preocupação com sanções", referindo-se às medidas que viriam a ser adotadas pelos EUA contra o Brasil. Nas mensagens, o ex-presidente não especifica com quais ministros teria conversado.
Xingamentos
As mensagens obtidas pela PF no celular do ex-presidente mostram também Eduardo xingando o pai e criticando gestos feitos por Bolsonaro ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Na visão do deputado federal, as declarações de Bolsonaro em apoio a Tarcísio poderiam atrapalhar o trabalho feito por ele e pelo comunicador Paulo Figueiredo perante o governo Donald Trump para sancionar autoridades brasileiras na tentativa de salvar o ex-presidente de uma eventual condenação por tentativa de golpe.
Tarcísio é cotado para ocupar uma candidatura no campo bolsonarista na eleição presidencial de 2026, mas o filho do ex-presidente também quer a bênção do pai para se candidatar.
Em uma das mensagens mais fortes, segundo a PF, Eduardo escreve a Bolsonaro no dia 15 de julho: "Eu ia deixar de lado a histório do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360 estou pensando em dar uma porrada nele, para ver se vc aprender. VTNC SEU INGRATO DO C......".
Na entrevista citada, Bolsonaro diz que falou com o filho para interromper os ataques a Tarcísio, mas que, apesar de Eduardo ter 40 anos "ele não é tão maduro, talhado para a política".
"Me f** aqui! Vc ainda te ajuda a se f*. aí! Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se f*. é vc e VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA NESTA P*. AQUI. TENHA RESPONSABILIDADE!", continua Eduardo Bolsonaro, segundo o documento da PF.
Horas depois, já na madrugada do dia 16, o deputado federal pede desculpas ao pai. "Desculpa. Peguei pesado. Estava p* na hora", diz ele na mensagem enviada a Bolsonaro.
No dia 24 de junho, Bolsonaro manda uma notícia de uma pesquisa eleitoral para Eduardo Bolsonaro. O levantamento aponta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) perderia para o próprio Bolsonaro, Tarcísio e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. "Você perde para o molusco. Vagão 39,1 x 41,6 Lula", escreve o ex-presidente para o filho, que responde com ironias.
O governador de São Paulo foi procurado por meio da assessoria de imprensa, mas não se manifestou até as 22h de ontem. Eduardo Bolsonaro publicou uma nota nas redes sociais na qual afirma que sua atuação nos Estados Unidos "jamais teve como objetivo interferir em qualquer processo em curso no Brasil".
Sanções dos Estados Unidos
O governo dos Estados Unidos anunciou nos últimos meses uma série de ações contra o Brasil e autoridades brasileiras, como o tarifaço de 50% contra importações de produtos do país, uma investigação comercial contra o Pix e sanções financeiras contra o Ministro Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky.
Trump e integrantes do governo americano afirmam que Bolsonaro é alvo de uma "caça às bruxas" e que Moraes age contra a liberdade de expressão e empresas americanas que administram redes sociais.
Em maio, a abertura da investigação na PF contra Eduardo e Jair Bolsonaro foi solicitada ao Supremo pelo procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, para apurar a suposta atuação do parlamentar para incitar o governo dos Estados Unidos a adotar medidas contra Moraes, escolhido relator do caso por também atuar no comando das ações da trama golpista e no inquérito das fake news.
Eduardo pediu licença de 122 dias do mandato parlamentar em março e foi morar nos Estados Unidos, sob a alegação de perseguição política. Um pedido de cassação contra seu mandato foi enviado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos) à Comissão de Ética da Casa, na última sexta-feira (16), após representações apresentadas pelo PT e pelo PSOL.
Nesse processo, o ex-presidente Jair Bolsonaro é investigado por mandar recursos, via pix, para custear a estadia de seu filho no exterior, enquanto ele buscava sanções que visavam pressionar a justiça brasileira.
Julgamento do Golpe
O ex-presidente Bolsonaro também é réu na ação penal da trama golpista no Supremo, cujo julgamente está marcado para 2 de setembro. Serão julgados neste dia os denunciados como integrantes do núcleo 1 na ação penal, apontados como líderes do conluio que, segundo a PF e a PGR, buscava reverter o resultado das eleições de 2022 e culminou nos atentados contra as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Jair Bolsonaro e mais sete aliados estarão no banco dos réus: Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro e candidato à vice na chapa de 2022; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
Nessa ação, eles respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
A exceção é o caso do ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, que, atualmente, é deputado federal e foi beneficiado por uma decisão da Câmara dos Deputados que suspendeu do processo os crimes que ocorreram após a sua diplomação. Ramagem continua respondendo pelos crimes de golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Os outros três núcleos de réus processados têm ações penais em fase de alegações finais, última etapa antes do julgamento, que deverá ocorrer ainda neste ano.
Com Agência Estado e Agência Brasil