Henry Kissinger: quem foi o diplomata, vencedor do Nobel da Paz, que apoiou a ditadura brasileira

Kissinger tinha um canal secreto de comunicação com o general Ernesto Geisel. Conversas também ocorriam com outras ditaduras sul-americanas

Morto nesta quarta-feira, 29, aos 100 anos, Henry Kissinger foi um diplomata americano conhecido por moldar o cenário político do século XX. Vencedor do Prêmio Nobel da Paz, ele atuação decisiva em momentos chave dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria.

Heinz Alfred Kissinger, judeu alemão nascido em 1923 na Baviera, naturalizou-se americano aos 20 anos. Filho de um professor, ingressou na contraespionagem militar e no Exército americano antes de estudar em Harvard, onde também foi professor.

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O ex-secretário de Estado foi responsável diretamente por “impedir o domínio soviético no mundo”, interferindo, inclusive, em países latinoamericanos, como o Brasil, que estavam em um regime ditatorial.

Segundo o livro "Kissinger e o Brasil", do professor Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Kissinger formalizou acordos com o presidente Ernesto Geisel (1974-1979), através um canal de comunicação secreto. O intuito das conversas era manter o Brasil aliado aos Estados Unidos.

Em um documento, por exemplo, Geisel afirma que estava autorizada a execução de opositores durante a ditadura militar brasileira. Direcionado a Kissinger, o memorando data de 11 de abril de 1974, elaborado pelo então diretor da CIA, William Egan Colby. A revelação dos diálogos só ocorreu em 2018, pelo governo norte-americano, que retirou a classificação de alguns dos registros.

Em 1976, Henry Kissinger visitou o Brasil, se reunindo com Geisel e demais autoridades do governo brasileiro. Sobre a redemocratização, o presidente disse que não poderia ser feito de forma rápida. O diplomata teria respondido, que não haveria “pressão dos EUA quanto a isso”.

Ditaduras sul-americanas

Conversas do tipo não eram exclusivas ao regime brasileiro. Kissinger negociava com outras ditaduras sul-americanas, como a junta militar argentina e o governo de Augusto Pinochet, no Chile

Em uma visita à Argentina, durante a Copa do Mundo de Futebol, em 1978, o diplomata afirmou que os Estados Unidos “eram solidários” com o que estava sendo feito no País. Na época, as Forças Armadas: o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, governavam um regime que, estima-se, ter matado cerca de 30 mil pessoas entre 1976 e 1983.

Com Pinochet, foi ainda mais direto: "Queremos ajudar, não prejudicar você. Você prestou um grande serviço ao Ocidente derrubando Allende," disse Kissinger ao ditador chileno. O diplomata se referia ao golpe militar que ocorreu em 1973 e culminou na morte do presidente socialista eleito no Chile, Salvador Allende.

Vencedor do Nobel

Henry Kissinger é um dos mais controversos laureados com o Nobel da Paz. A premiação foi entregue a ele em 1973 em conjunto com Le Duc Tho, diplomata e revolucionário do Vietnã do Norte, onde os EUA travavam uma guerra na ocasião. Le Duc Tho rejeitou o Prêmio, dizendo que a paz não havia sido alcançada. Dois membros do comitê Nobel se demitiram com a escolha.

Na época, a retirada das tropas era uma promessa de campanha do presidente Richard Nixon, de quem Kissinger era conselheiro de Segurança Nacional antes de ser secretário de Estado.

Para o diplomata, mesmo que houvesse vitória, ela não traria nenhuma mudança na realidade política dos Estados Unidos, nem conseguiria sobreviver ao impacto da retirada americana. Assim, começaram as negociações de paz.

À frente dos esforços de Nixon para acabar com a desastrosa guerra dos Estados Unidos no Vietnã "com honra", Kissinger articulou de maneira sigilosa bombardeios nos vizinhos Camboja e Laos com a esperança de cortar as linhas de abastecimento de Hanói.

Dois anos depois, quando as tropas do Vietnã do Norte tomaram Saigon, antiga capital do Vietnã do Sul, Kissinger tentou devolver o Nobel.

Adepto à “realpolitik"

Kissinger e seus apoiadores eram adeptos à “realpolitik”. Termo alemão consiste em considerações práticas, invés de princípios morais e éticos. O diplomata foi na prática um dos principais expoentes ao longo do século XX da corrente realista das Relações Internacionais. 

A Revista de Relações Internacionais define como “manutenção da segurança do Estado em um ambiente hostil e onde o poder e a política de poder são vistas como o principal objetivo dos líderes”.

Nascida em uma família judia da Baviera, na Alemanha, Kissinger foi para os EUA em 1938, fugindo do governo de Adolf Hitler. Atuou na Segunda Guerra Mundial e, após isso, resolveu estudar Ciências Políticas.

Em 1957, publicou o livro "Armas Nucleares e Política Externa", no qual fala da possibilidade de uma “guerra nuclear limitada", ou seja, que utilize o arsenal, mas sem ameaçar o fim da humanidade.

Com a repercussão da obra , foi convidado pelo presidente Richard Nixon para exercer o cargo de conselheiro de Segurança Nacional, em 1968. Logo após, virou secretário de Estado de Nixon.

Durante esse período, ele foi um dos principais artífices do descongelamento das relações dos Estados Unidos com a China e articulou secretamente a histórica viagem de Nixon a Pequim em 1972.

Com a renúncia de Nixon, provocado pelo caso de corrupção “Watergate”, sua influência diminuiu, mas seguiu com o mesmo cargo no governo do presidente seguinte, Gerald Ford.

Seguiu atuando na política pelo resto da vida, considerado por alguns um grande estrategista e por outros um criminoso de guerra. Nos últimos anos de vida, alguns países chegaram a pedir sua prisão.

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