Bolsonaro diz que não sabia de joias, mas mobilizou ministérios para tentar liberá-las

Houve tentativas de reaver as joias, até as vésperas da viagem do então presidente aos Estados Unidos, nos últimos dias de mandato. Para isso, foram mobilizados o gabinete presidencial, militares e três ministérios — Economia, Relações Exteriores e Minas e Energia

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que não tinha conhecimento de joias e outros itens enviados a ele como presente pela ditadura da Arábia Saudita. "Estou sendo acusado de um presente que eu não pedi, nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade. Veja o meu cartão corporativo pessoal. Nunca saquei, nem paguei nenhum centavo nesse cartão", disse Bolsonaro em entrevista à CNN.

Em entrevista a jornalistas na saída da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), um dos maiores eventos conservadores dos Estados Unidos, ele disse: "A legislação diz que poderia usar, mas não se desfazer do bem. Agora eu estou sendo crucificado por um presente que eu não recebi. Alguns jornais disseram que tentei trazer joias ilegais para o Brasil, não existe isso".

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Bolsonaro tentou ao menos nove vezes reaver as joias. Em uma das tentativas, o político acionou o Itamaraty e alegou que o presente iria para o "acervo", sem especificar qual. Houve tentativas de liberação até as vésperas da viagem do então presidente aos Estados Unidos, nos últimos dias de mandato. Para isso, foram mobilizados o gabinete presidencial, militares e três ministérios — Economia, Relações Exteriores e Minas e Energia.

A última tentativa ocorreu quando faltavam apenas três dias para o presidente deixar o mandato, em 29 de dezembro. O ex-presidente autorizou um funcionário do governo a pegar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) naquele dia e desembarcar no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. A viagem foi autorizada pelo próprio Bolsonaro, conforme mostram documentos oficiais.

A reportagem localizou a solicitação à FAB para levar o chefe da Ajudância de Ordens do Presidente da República, primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva. O documento dizia que a viagem de Silva era "para atender a demandas do Senhor Presidente da República naquela cidade", com retorno "em voo comercial no trecho Guarulhos para Brasília".

No dia 30, Bolsonaro embarcou para os Estados Unidos.

O presente retido incluía colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em 3 milhões de euros, o equivalente a R$ 16,5 milhões. As joias eram presente do regime da Arábia Saudita para Bolsonaro e a então primeira-dama Michelle.

Apreensão das joias

As joias estavam na mochila de Marcos André Soeiro, militar e assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que viajara ao Oriente Médio em outubro de 2021. A apreensão ocorreu no aeroporto de Guarulhos (SP), no dia 26 de outubro de 2021, durante uma fiscalização de rotina entre os passageiros do voo 773 que desembarcaram nos terminais de Guarulhos, com origem na Arábia Saudita. Após a passagem das malas pelo raio X, os agentes da Receita decidiram fiscalizar a bagagem de Marcos André Soeiro, militar e assessor de Bento Albuquerque.

Albuquerque foi à Arábia Saudita representar o governo brasileiro na reunião de cúpula "Iniciativa Verde do Oriente Médio", realizada na capital daquele país.

Ao saber que as joias haviam sido apreendidas, o ministro retornou à área da alfândega e tentou usar o cargo para liberar os diamantes. Foi nesse momento que Albuquerque disse que se tratava de um presente do governo da Arábia Saudita para Michelle. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança, como é de praxe nesse tipo de fiscalização. Mesmo assim, o agente da Receita reteve as joias, porque, no Brasil, é obrigatória a declaração ao Fisco de qualquer bem que entre no País cujo valor seja superior a US$ 1 mil.

Nessa sexta-feira, 3, o ex-ministro admitiu que trouxe as joias para Michelle e o relógio, também de diamante, para Bolsonaro, mas afirmou que era um pacote fechado e não sabia o que tinha dentro.

Bento Albuquerque confirmou que as joias trazidas ao Brasil da Arábia Saudita eram, de fato, um presente para Michelle Bolsonaro. "Nenhum de nós sabia o que eram aquelas caixas", disse Albuquerque.

No ato da apreensão dos itens, ao ser questionado pelo agente da Receita, Albuquerque relatou a quem se destinavam os presentes. "Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né? Deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveriam ser para o presidente, como dois embrulhos."

 

 

Por que as joias foram apreendidas

O governo brasileiro poderia ter recebido as joias, caso tivessem desembarcado como um presente oficial para o presidente da República e a primeira-dama. Os bens, porém, ficariam para o Estado brasileiro, e não com a família Bolsonaro.

Em julgamento realizado em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou à Secretaria de Administração da Presidência da República que todos os presentes recebidos por presidentes devem ser restituídos ao patrimônio da União. Segundo a Corte de Contas, os ex-presidentes só podem ficar com lembranças de caráter personalíssimo ou de uso pessoal como roupas e perfumes.

Como as joias estavam entrando sem declaração e sem pagar imposto, foram apreendidas. A única maneira possível de se retirar qualquer item apreendido pela Receita na alfândega — e isso vale para itens com valor superior a US$ 1 mil ou mesmo joias milionárias — é fazer o pagamento do imposto de importação, que equivale a 50% do valor estimado do item, além de uma multa de mais 25%, pela tentativa de entrar no País de forma ilegal.

No caso de Bolsonaro, portanto, a retirada formal e correta das joias apreendidas e estimadas em R$ 16,5 milhões custaria R$ 12,3 milhões. 

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