Entenda o impacto da vitória de Boric no Chile para as eleições no Brasil em 2022

Para especialistas, o resultado das eleições no Chile lança temores sobre a direita brasileira e provoca esperança entre membros da esquerda

O Chile foi as urnas neste domingo, 19, para decidir, em segundo turno, as polarizadas eleições no país andino. Entre a esquerda e a extrema direita, os chilenos escolheram a primeira opção, elegendo o jovem Gabriel Boric, 35 anos, para comandar o Palácio de la Moneda. 

Membro do partido Convergência Social, parte do conglomerado de siglas esquerdista Apruebo Dignidad, o novo presidente chileno derrotou o candidato do partido Frente Social Cristã, Jose Antonio Kast, com mais de 55% dos votos. Resta entender se a mudança no cenário político do país vizinho impacta de alguma maneira a política no Brasil, que enfrenta um contexto igualmente polarizado.

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O POVO ouviu especialistas em ciências políticas que avaliaram por que a vitória do jovem de esquerda, Gabriel Boric, anima e, ao mesmo tempo, assusta políticos brasileiros, e quais as influências desse resultado no cenário político brasileiro no âmbito das eleições de 2022.

De acordo com a jornalista e cientista política Deysi Cioccari, a vitória de Boric lança receios sobre a direita, uma vez que representa uma renovação do discurso esquerdista. Não somente pela idade de Boric, que será o mais jovem presidente da história a comandar o Chile, mas também pela esperança de renovação que sua gestão pode suscitar em toda América Latina.

“Ele é um esquerdista moderno que dá sobrevida a essa onda da direita que tomou conta da política nos últimos anos. A erosão das democracia não acontece mais de forma abrupta, mas uma erosão lenta de dentro do sistema, que tem sido colocada como culpa da direita. A eleição de Boric mostra uma possibilidade de retorno ao social defendido pelas esquerdas e uma renovação do discurso esquerdista. A direita tinha dado como fracassadas as políticas de esquerda, mas vê em Boric a renovação”, explicou a especialista.

O cientista político Rodolfo Marques, doutor em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), corrobora a visão de Cioccari. O especialista argumenta que a eleição no Chile acende um sinal de “alerta” para direita brasileira e injeta mais força na retomada de discursos esquerdistas em toda a América Latina.

“No caso do espectro ideológico, a vitória de Boric reforça ainda mais os discursos progressistas, a defesa da democracia e as perspectivas de esquerda, em uma tentativa de retomada do comando de algumas das principais nações da América Latina. Quanto à direita, que se fortaleceu muito no Brasil nas eleições de 2018, há um sinal de alerta sobre as falhas no modelo adotado no Brasil, que se mostraram muito evidentes desde 2019, com crise econômica, decadência social e um processo de muita apreensão amplificada pela pandemia de Covid-19”, disse o cientista político.

Influência direta nas eleições de 2022

Para Cioccari, a forte manifestação da esquerda brasileira em celebrar a eleição chilena é um prenúncio do impacto que o resultado pode causar nas eleições do Brasil. Conforme a cientista política, a vitória do esquerdista serve de “inspiração” para os correligionários tupiniquins, e ao mesmo tempo “isola” ainda mais Jair Bolsonaro de seus deveres diplomáticos.

"Bolsonaro se isola no cenário internacional e pré-eleitoral, não constrói apoiadores e vê a esquerda tornando-se referência novamente. Enquanto isso, o presidente eleito já foi cumprimentado pelos quadros de esquerda brasileiros e não pelo atual presidente, o que mostra claramente o que deve vir em relação ao cenário internacional. É mais um "pôr à prova" a diplomacia brasileira. Boric não tem uma relação estreita com militares, o que distancia ainda mais de Bolsonaro", explicou.

A cientista política também argumenta que a esquerda brasileira deverá usar o resultado do país vizinho para fortalecer sua narrativa. “A esquerda certamente irá utilizar a eleição no Chile como exemplo de vitória da mesma ideologia e como fracasso dos ideais de direita. Certamente será amplamente utilizado em 2022 com retorno da América Latina aos ideais sociais visto que a vitória do Boric foi expressiva”, disse Cioccari.

Já Marques reitera que os processos políticos de ambos os países são “bem diferentes em seus momentos históricos, na questão partidária e nos desenhos institucionais”. Contudo, as semelhanças, de acordo com ele, são mais presentes, principalmente no que diz respeito aos discursos dos pré-candidatos de esquerda e direita no Brasil.

“A direita, representada por Kast, no Chile, e por Bolsonaro, no Brasil, investindo em temas religiosos, na defesa da pátria e nas forças armadas, inclusive com elogios a períodos ditatoriais; e a esquerda, representada por Boric, no Chile, e por Lula, no Brasil, com falas pautas na defesa da democracia, na retomada dos avanços sociais e em uma participação popular mais efetiva e crítica.”

O cientista político acredita que a repercussão do resultado da eleição no Chile, aqui no Brasil, pode se dar mais no campo da comunicação política. “Reforçando manifestações que tratem da defesa da liberdade, da democracia e da diminuição da pobreza – algo que esteve muito presente no processo chileno, opondo Boric e Kast”, explicou.

Conforme Marques, a vitória de Boric será usada como um “argumento” para aquecer as “manifestações da esquerda democrática e aparecer dentro do contexto da candidatura do ex-presidente Lula (PT)” e no caso de uma possível vitória do petista, o Chile teria relações estreitadas com o Brasil, por conta do alinhamento político dos dois líderes latinoamericanos. “Para uma futura relação bilateral entre Brasil e Chile, Boric tende a ser um possível aliado do governo brasileiro a partir de 2023”, pontua.

América Latina

Para Cioccari, "Boric no poder é uma inspiração para democracias de esquerda na América Latina”, avaliação feita também por Marques. O especialista explica que a gestão de Boric no país andino pode reverberar em diversos países do subcontinente sulamericano e na dinâmica do Mercosul.

“A vitória de Gabriel Boric para a presidência chilena, neste final de 2021, tem sim o potencial de ter ressonância em outros países da América Latina. Por exemplo, o Brasil e o Uruguai têm governos de direita (Jair Bolsonaro e Luis Alberto Lacalle Pou, respectivamente) e a Argentina, um governo de centro-esquerda, liderado por Alberto Fernández – e a vitória do jovem político chileno à esquerda causará impactos nas relações com o Mercosul e com as nações em si. O Chile tem uma função estratégica, no âmbito econômico, da América do Sul”, argumentou.

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