Da esquerda à direita, políticos brasileiros repercutem a eleição de Boric no Chile

Com a forte manifestação de políticos brasileiros nas redes sociais, especialista avaliam a influência da vitória de Gabriel Boric no cenário político do Brasil

O esquerdista Gabriel Boric, de 35 anos, venceu o segundo turno da polarizada eleição no Chile, neste domingo, 19, com 55,87% dos votos. Com a vitória, o recém eleito derrotou o candidato da extrema direita Jose Antonio Kast, da Frente Social Cristã, conhecido pela mídia local como “Bolsonaro chileno”, pelo alinhamento com as ideias do líder brasileiro.

O resultado da eleição no país andino repercutiu no Brasil, onde políticos de esquerda parabenizaram Boric, enquanto os de direita lamentaram e questionaram a eleição chilena, por meio das redes sociais.
Com a vitória do esquerdista chileno, a esperança da esquerda é que esses “bons ventos” – como muitos têm classificado a vitória de Boric – que sopram do Chile, possam fortalecer a própria corrente política no Brasil, e quem sabe, se estender, possivelmente, para o resultado das eleições brasileiras; uma possibilidade, que por sua vez, é temida pela direita.

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O ex-presidente e pré-candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos que se manifestaram parabenizando Boric. Em seu Twitter, o petista congratulou o companheiro da esquerda chilena e disse estar feliz por “mais uma vitória de um candidato democrata e progressista na América Latina”.

Já a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) disse que a vitória de Boric "reescreve a história do Chile", e que o resultado "joga no lixo a herança maldita de Pinochet". “É um alento aos povos da América Latina que lutam contra o autoritarismo”, publicou em sua conta no Twitter.

O governador do Ceará Camilo Santana (PT) também repercutiu a vitória no país vizinho, que classificou como uma “boa nova”. “Boas novas vindas do Chile nos dão cada vez mais esperança de dias melhores para o nosso Brasil”, escreveu Santana, traçando um paralelo entre a disputa da esquerda contra a direita no país andino e o ano eleitoral que se aproxima no Brasil.

O deputado federal José Guimarães (PT-CE) fez uma série de postagens comemorando o resultado. De acordo com o parlamentar, “os bons ventos que sopram do Chile” significam uma “derrota do atraso, tudo que o Bolsonaro representa no Brasil”, disse o petista.

O pré-candidato ao governo de São Paulo Fernando Haddad (PT) cravou: "Elegeram Boric, elegerão Lula!”. Em seu Twitter, o ex-candidato à Presidência escreveu que Gabriel Boric fez parte de uma “geração de chilenos que foram às ruas lutar por acesso à educação superior”, em referência aos protestos estudantis no país, em 2011. “Foi uma inspiração para o trabalho do MEC no governo Lula”, disse.

O ex-ministro e presidenciável Ciro Gomes (PDT) também parabenizou o presidente eleito do Chile. “Não apenas nós, sul-americanos, mas todos democratas do mundo temos muito o que festejar com a vitória de Gabriel Boric”, escreveu. Para o pedetista, o resultado do pleito “afugentou o perigo de mais uma mancha da extrema-direita no mapa da democracia mundial".

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), opositor ao governo de Jair Bolsonaro (PL), se juntou aos políticos que classificaram a eleição de Boric como “bons ventos”, numa publicação onde compartilhou uma notícia sobre a vitória do chileno.

Membros do Psol também celebraram a vitória do recém eleito. Guilherme Boulos, pré-candidato ao governo de São Paulo, foi um dos integrantes da sigla a parabenizar o chileno. Boulos compartilhou foto com Boric e escreveu: “Que a vitória do Chile seja exemplo para o Brasil e a América Latina”.

O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) publicou uma série de tuítes comemorando o resultado das eleições no Chile. Para o parlamentar, a onda conservadora deve se dissipar “com a mesma velocidade que chegou”. “Bolsonaro, tua hora vai chegar!”, finalizou.

Outra sigla que demonstrou contentamento com a vitória de Gabriel Boric foi o PCdoB. A presidente nacional do partido, e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, celebrou o resultado das eleições desejando: “que seja prenúncio de novos tempos também no nosso país”.

Para a deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), a eleição de Boric também sinaliza “ventos de mudança”. A parlamentar publicou no Twitter: “Que os ventos da mudança, esperança e justiça social cheguem também ao Brasil e América Latina”, disse Feghalli.

O líder da oposição a Bolsonaro (PL) na Câmara dos Deputados, o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), classificou a eleição chilena como “novos tempos”. “São novos tempos na América Latina, novos tempos no Chile, e em breve será a vez do Brasil”, escreveu.

Reação da direita brasileira

Quando Gabriel Boric tomar posse como presidente, em março do ano que vem, o cenário na América do Sul terá países como Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Venezuela comandados por governos mais à esquerda. Enquanto isso, a direita terá, além do Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai e Uruguai governados por conversadores.

Desta maneira, o cenário de mudança, representado pela eleição de Gabriel Boric no Chile, desagrada os políticos da direita brasileira, que também vieram às redes sociais criticar o resultado do pleito no país andino.

Entre os que comentaram a eleição de Boric, estão os filhos do presidente Jair Bolsonaro, que se manifestam por meio de suas contas oficiais. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) retuitou uma publicação em espanhol que reforçava “muita tristeza pelo amigos chilenos”.

“Muitos me perguntam: O que fazemos agora? Minha resposta: Lutem por Colômbia e Brasil em 2022, últimos bastões de liberdade, democracia e segurança na América do Sul”, dizia o tuíte compartilhado pelo parlamentar.

Em outra publicação, Eduardo compartilhou o resultado das eleições no Chile e avisou: “Se não percebermos a estratégia da esquerda acabaremos governados por um deles”.

O vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), por sua vez, aproveitou o ocorrido no Chile para criticar os adeptos da "terceira via" e do voto nulo no Brasil, que chamou de "LULO". O filho do presidente compartilhou uma manchete de notícia que afirmava “Com alta abstenção, resultado da eleição no Chile vai representar a minoria, avalia especialista”.

“Enquanto isso no Brasil, cresce o possível voto LULO pregado pela “terceira via” e pelos mimados que se acham os deuses da autossuficiência!”, escreveu.

A deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) lamentou a vitória da esquerda chilena, que classificou como uma "derrota da liberdade”. A parlamentar compartilhou um vídeo onde a ministra da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, afirma que “Bolsonaro não é esperança mais só para o Brasil” e sim “para o mundo”. “Após a derrota da liberdade no Chile, estas palavras da ministra Damares Alves” “nunca ecoaram tão forte”.

No vídeo Damares afirma: “A eleição de 2022 vai ser a mais importante eleição do mundo e pode ser um divisor de águas para o mundo. [...] Tem muita coisas em torno dessa eleição, e o inferno tá muito bravo com o presidente Jair Bolsonaro”.

Um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) também criticou o resultado da eleição chilena. O parlamentar compartilhou um artigo que escreveu para o jornal Folha de S.Paulo, intitulado “A duvidosa primavera chilena”.

Segundo Kataguiri, a esquerda está fazendo um “estardalhaço” para tentar “emplacar sua narrativa”. “Isso, claro, às custas do bem-estar do povo chileno”, disse o parlamentar.

 

Impacto no cenário político do Brasil

O POVO ouviu especialistas em ciências políticas que avaliaram por que a vitória do jovem de esquerda, Gabriel Boric, anima e, ao mesmo tempo, assusta políticos brasileiros, e quais as influências desse resultado no cenário político brasileiro no âmbito das eleições de 2022.

De acordo com a jornalista e cientista política Deysi Cioccari, a vitória de Boric lança receios sobre a direita, uma vez que representa uma renovação do discurso esquerdista. Não somente pela idade de Boric, que será o mais jovem presidente da história a comandar o Chile, mas também pela esperança de renovação que sua gestão pode suscitar em toda América Latina.

“Ele é um esquerdista moderno que dá sobrevida a essa onda da direita que tomou conta da política nos últimos anos. A erosão das democracia não acontece mais de forma abrupta, mas uma erosão lenta de dentro do sistema, que tem sido colocada como culpa da direita. A eleição de Boric mostra uma possibilidade de retorno ao social defendido pelas esquerdas e uma renovação do discurso esquerdista. A direita tinha dado como fracassadas as políticas de esquerda, mas vê em Boric a renovação”, explicou a especialista.

O cientista político Rodolfo Marques, doutor em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), corrobora a visão de Cioccari. O especialista argumenta que a eleição no Chile acende um sinal de “alerta” para direita brasileira e injeta mais força na retomada de discursos esquerdistas em toda a América Latina.

“No caso do espectro ideológico, a vitória de Boric reforça ainda mais os discursos progressistas, a defesa da democracia e as perspectivas de esquerda, em uma tentativa de retomada do comando de algumas das principais nações da América Latina. Quanto à direita, que se fortaleceu muito no Brasil nas eleições de 2018, há um sinal de alerta sobre as falhas no modelo adotado no Brasil, que se mostraram muito evidentes desde 2019, com crise econômica, decadência social e um processo de muita apreensão amplificada pela pandemia de Covid-19”, disse o cientista político.

Influência direta nas eleições de 2022

Para Cioccari, a forte manifestação da esquerda brasileira em celebrar a eleição chilena é um prenúncio do impacto que o resultado pode causar nas eleições do Brasil. Conforme a cientista política, a vitória do esquerdista serve de “inspiração” para os correligionários tupiniquins, e ao mesmo tempo “isola” ainda mais Jair Bolsonaro de seus deveres diplomáticos.

"Bolsonaro se isola no cenário internacional e pré-eleitoral, não constrói apoiadores e vê a esquerda tornando-se referência novamente. Enquanto isso, o presidente eleito já foi cumprimentado pelos quadros de esquerda brasileiros e não pelo atual presidente, o que mostra claramente o que deve vir em relação ao cenário internacional. É mais um "pôr à prova" a diplomacia brasileira. Boric não tem uma relação estreita com militares, o que distancia ainda mais de Bolsonaro", explicou.

A cientista política também argumenta que a esquerda brasileira deverá usar o resultado do país vizinho para fortalecer sua narrativa. “A esquerda certamente irá utilizar a eleição no Chile como exemplo de vitória da mesma ideologia e como fracasso dos ideais de direita. Certamente será amplamente utilizado em 2022 com retorno da América Latina aos ideais sociais visto que a vitória do Boric foi expressiva”, disse Cioccari.

Já Marques reitera que os processos políticos de ambos os países são “bem diferentes em seus momentos históricos, na questão partidária e nos desenhos institucionais”. Contudo, as semelhanças, de acordo com ele, são mais presentes, principalmente no que diz respeito aos discursos dos pré-candidatos de esquerda e direita no Brasil.

“A direita, representada por Kast, no Chile, e por Bolsonaro, no Brasil, investindo em temas religiosos, na defesa da pátria e nas forças armadas, inclusive com elogios a períodos ditatoriais; e a esquerda, representada por Boric, no Chile, e por Lula, no Brasil, com falas pautas na defesa da democracia, na retomada dos avanços sociais e em uma participação popular mais efetiva e crítica.”

O cientista político acredita que a repercussão do resultado da eleição no Chile, aqui no Brasil, pode se dar mais no campo da comunicação política. “Reforçando manifestações que tratem da defesa da liberdade, da democracia e da diminuição da pobreza – algo que esteve muito presente no processo chileno, opondo Boric e Kast”, explicou.

Conforme Marques, a vitória de Boric será usada como um “argumento” para aquecer as “manifestações da esquerda democrática e aparecer dentro do contexto da candidatura do ex-presidente Lula (PT)” e no caso de uma possível vitória do petista, o Chile teria relações estreitadas com o Brasil, por conta do alinhamento político dos dois líderes latinoamericanos. “Para uma futura relação bilateral entre Brasil e Chile, Boric tende a ser um possível aliado do governo brasileiro a partir de 2023”, pontua.

América Latina

Para Cioccari, "Boric no poder é uma inspiração para democracias de esquerda na América Latina”, avaliação feita também por Marques. O especialista explica que a gestão de Boric no país andino pode reverberar em diversos países do subcontinente sulamericano e na dinâmica do Mercosul.

“A vitória de Gabriel Boric para a presidência chilena, neste final de 2021, tem sim o potencial de ter ressonância em outros países da América Latina. Por exemplo, o Brasil e o Uruguai têm governos de direita (Jair Bolsonaro e Luis Alberto Lacalle Pou, respectivamente) e a Argentina, um governo de centro-esquerda, liderado por Alberto Fernández – e a vitória do jovem político chileno à esquerda causará impactos nas relações com o Mercosul e com as nações em si. O Chile tem uma função estratégica, no âmbito econômico, da América do Sul”, argumentou.

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