Gestão Bolsonaro já trocou ao menos 20 delegados de cargos de chefia na PF

Com a saída da delegada Dominique de Castro Oliveira do escritório da Interpol, o governo Jair Bolsonaro já acumula ao menos duas dezenas de mudanças na Polícia Federal em razão de divergências políticas com o governo e com a cúpula da corporação, ou de investigações que desagradaram ao Planalto.

Para delegados ouvidos pelo Estadão, a série de intervenções não encontra precedentes, e levou à geladeira, ou "corredor" - termo usado na PF para quem está em estado de fritura pela direção - experientes quadros, com histórico de participação em importantes investigações. As mudanças continuam mesmo em meio a uma investigação que se arrasta há mais de um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre suspeita de interferência política do presidente Jair Bolsonaro na corporação.

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"Fiz algum comentário que contrariou. Qual foi, quando, para quem, em que contexto e ambiente, não sei", disse Dominique, em mensagem encaminhada aos colegas. "Há uma forte sensação de revolta e de estar sendo injustiçada", escreveu. A delegada atuava há 16 meses na Interpol, cargo de indicação da direção.

Internamente, colegas afirmam que ela era crítica à gestão do delegado-geral, Paulo Maiurino, e que assinou manifestação pública a favor do delegado Felipe Barros Leal, afastado do inquérito que investiga suposta interferência política de Bolsonaro na PF. Pelas mãos da delegada passou também o pedido de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Em nota, a cúpula da PF afirma que o episódio não teve relação com a saída da delegada, que teria atuado de maneira protocolar ao encaminhar o pedido, sem decidir nada a respeito.

Dominique vai reforçar a Superintendência da PF no Distrito Federal, para onde já foram deslocados outros sete delegados desde que Maiurino assumiu o comando da corporação. Hoje, há 45 delegados naquela unidade.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Félix de Paiva, afirmou que a entidade acompanha o caso. "Com as informações disponíveis até o momento, a associação não concorda que colegas sejam movimentados sem fundamentação clara e sem critérios." Além deste, outros casos recentes que chamam atenção dos delegados.

DRCI

A delegada Silvia Amelia da Fonseca, que deu andamento ao processo de extradição de Allan dos Santos, foi exonerada da diretoria do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). Dias antes da extradição, o secretário Nacional de Justiça, Vicente Santini - homem de confiança da família Bolsonaro, que já ocupou diversos cargos no governo - havia pedido para ter acesso a processos de extradição ativa, aqueles em que o Brasil pede a outros países a entrega de alvos da Justiça.

Outro caso recente é de Thiago Delabarry, que chefiou a área de combate a corrupção e lavagem de dinheiro na cúpula da PF e deixou o cargo após Maiurino assumir a Diretoria-Geral. Em julho deste ano, a Superintendência da PF no Rio Grande do Sul indicou Delabarry para o comando da delegacia de combate a corrupção, em Porto Alegre. Em setembro, seu nome foi vetado por Maiurino.

O veto é atribuído ao fato de que, sob sua gestão, o delegado Bernardo Guidale conduziu o acordo de delação premiada do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, que citou o ministro do STF Dias Toffoli e o presidente do STJ, Humberto Martins. Maiurino foi segurança de Toffoli e trabalhava para a Presidência do STJ antes de ser nomeado. Ele teria se surpreendido com o pedido de investigação do ministro do Supremo. Toffoli se aproximou de Bolsonaro ao longo do governo.

Bernardo Guidali, que conduziu a delação de Cabral, também perdeu cargo no Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq), responsável por investigar autoridades com foro privilegiado.

'REMANEJAMENTO'

Em nota, a PF afirmou que "as movimentações de servidores dentro da instituição é regular e faz parte dos mecanismos de gestão administrativa, não havendo outras razões que não a de ordem técnica para melhor atender as finalidades institucionais". Diz ainda que "eventuais substituições de cargos de chefia um processo natural que não causa qualquer tipo de prejuízo aos serviços prestados". O Estadão tentou contato com Maiurino, mas ele não se manifestou. O Palácio do Planalto não havia se manifestado até a publicação desta matéria.

INVESTIGAÇÃO

Episódios de suposta interferência são também investigados no inquérito aberto pelo STF a partir das declarações do ex-ministro da Justiça e agora pré-candidato à Presidência, Sérgio Moro (Podemos), quando deixou o governo Bolsonaro no ano passado. Moro afirmou que o presidente queria trocar a direção do órgão e na superintendência do Rio para proteger parentes e aliados.

Em uma reunião ministerial cujas imagens foram anexadas ao inquérito, Bolsonaro aparece dizendo: "Vou interferir, e ponto final". O presidente se defende dizendo que se referia à segurança pessoal de sua família no Rio. No âmbito deste inquérito, Bolsonaro foi questionado, por exemplo, a respeito da troca do comando da PF no Rio, que era chefiada pelo delegado Ricardo Saadi. Em 2019, o presidente afirmou abertamente que iria trocar Saadi. Ele acabou substituído por Carlos Henrique de Oliveira, que disse em depoimento à PF ter sido apresentado pelo presidente por Alexandre Ramagem, delegado e chefe da Abin, que se tornou homem de confiança da família após fazer a segurança de Bolsonaro na campanha de 2019 - muitos dos agentes da época foram levados por Ramagem à Abin. À época, havia um inquérito eleitoral contra Flávio Bolsonaro por suspeita de ocultação de bens.

O delegado Victor Cesar Santos, do Rio, também substituiu recentemente o superintendente da Polícia Federal em Brasília, onde tramitam inquéritos como aquele que levou às buscas contra Ricardo Salles, e investigações sobre suposto tráfico de influência do filho 04 do presidente, Jair Renan Bolsonaro - que recebeu um carro elétrico de um grupo do Espírito Santo após viabilizar aos empresários uma agenda com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

A própria saída de Maurício Valeixo da direção da PF está entre os objetos de investigação no STF. Ele chegou a ser indicado como adido em Lisboa, mas o governo segurou sua nomeação. Permaneceu no "corredor", e deve se mudar para os Estados Unidos para cursar mestrado. Igor Romário, que também conduziu a Lava Jato e tinha a confiança de Moro, e esteve na cúpula da PF até a saída de Valeixo, teve sua nomeação como adido no Canadá segurada.

DEPOIMENTO

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), recusou nesta quinta-feira o pedido da defesa do ex-ministro Sérgio Moro (Podemos) para invalidar o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura se houve interferência política do chefe do Executivo na Polícia Federal. Moraes argumentou que o Ministério Público Federal (MPF) não viu irregularidades no procedimento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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