Entenda como a bancada nordestina no Senado mudou os rumos da CPI da Covid

Diferentemente da Câmara dos Deputados, o Senado Federal, que possui vasta bancada nordestina, escolheu um caminho diferente em direção ao oposicionismo; especialistas falam sobre o porquê

12:58 | Jul. 13, 2021

Senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Rogério Carvalho (PT-SE) e Humberto Costa (PT-PE) estão entre os senadores do Nordeste que mais se destacam na CPI da Covid (foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad)

Instalada há quase três meses, a CPI da Covid vem chamando atenção pela influência da bancada nordestina no Senado, com fortes manifestações de oposição ao governo. Na Casa, diferentemente da Câmara dos Deputados, existem grupos mais heterogêneos em relação a posicionamentos governistas. Mas o que está por trás dessa divergência e o que explica o protagonismo do Nordeste?

A primeira explicação é numérica. A região Nordeste possui uma quantidade significativa de cadeiras na Casa. Isso ocorre devido à distribuição equitativa dessas representações, que é feita de acordo com a quantidade de Estados de cada região. Cada Estado possui três senadores e, como a região Nordeste é a maior do País (9 unidades federativas), é automaticamente favorecida numericamente. Somado a isso, a existência de governadores de oposição e o resultado das eleições de 2018, que mostrou forte rejeição a Bolsonaro no Nordeste, tornaram o Senado um campo fértil para o oposicionismo. No tocante à CPI, como a distribuição é proporcional, a região acaba tendo maior representatividade. Dos 11 membro titulares, seis são do Nordeste, sendo a maioria de oposição.

O outro fator importante é a performance desses parlamentares, com vasta experiência tanto legislativa como em CPI, sem falar que nome escolhido para a relatoria da comissão, e ex-presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL), conhecido por suas posições críticas ao governo Jair Bolsonaro. Além disso, senadores nordestinos têm tido um papel de protagonismo da CPI, com perguntas e colocações que vêm trazendo à tona informações relevantes e deixando o Executivo em situação cada vez mais delicada.

Destaque para o senador Humberto Costa (PT-PE), que já foi ministro da Saúde e tem amplo conhecimento na área, se contrapondo seguidas vezes a colocações de apoiadores do governo; Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que ajudou a tirar informações cruciais do deputado Luis Miranda (DEM-DF) relativas à compra da Covaxin; Tasso Jereissati (PSDB), que ganhou holofotes após série de questionamentos incisivos ao ministro Marcelo Queiroga e criticou a falta de autonomia do gestor; e Otto Alencar (PSD-BA), médico que vem se destacando na CPI da Covid por usar suas intervenções para dar uma aula de medicina. Recentemente, protagonizou um dos momentos mais inusitados ao confrontar a médica Nise Yamaguchi durante seu depoimento. Episódios que ajudaram a esquentar e dar novos rumos à investigação.

O doutor em direito constitucional e professor de teoria do poder na Universidade de Fortaleza (Unifor), Rômulo Leitão, destaca também, neste contexto regional, a atuação do Consórcio Nordeste: “esse consórcio tem tido forte atuação na tentativa de coordenação das ações dos estados nordestinos, seja na aquisição de vacinas, seja na adoção de medidas restritivas em conjunto ou na troca de experiências”. Segundo ele, tudo isso tem como pano de fundo o vácuo de atuação e coordenação do Governo Federal, como vem sendo indicado nas discussões da CPI da Covid.

O professor opina que apesar de a Câmara e o Senado não serem, em regra geral, um “mais oposição” do que o outro, é preciso lembrar que CPIs são instrumentos da minoria. Comissões Parlamentares de Inquérito exigem uma quantidade menor de assinaturas do que o quórum para a aprovação de um projeto de lei, por exemplo. “Em tese, portanto, as CPIs são instrumentos da oposição, considerando que os executivos brasileiros têm base de sustentação nos parlamentos que superam a maioria, necessidade imposta pelo modelo de presidencialismo de coalizão”, diz.

Já Ricardo Alcântara, publicitário, escritor e crítico político, fala sobre o perfil dos candidatos eleitos ao Senado e a forma pela qual isso influencia o andamento de comissões de inquérito. Ele diz que a eleição para senador não mobiliza significativamente a opinião pública, pois é uma eleição mais previsível. “Em geral, se elege para o Senado nomes que contam com forte apoio do Governo do Estado ou lideranças que são independentes do poder estadual, mas tem uma enorme expressão pessoal”, destaca. Como exemplo disso, ele cita o senador cearense Tasso Jereissati (PSDB), que já foi duas vezes chefe do Executivo local.

LEIA MAIS: Tasso e Girão: veja como foi a atuação dos senadores cearenses em quase um mês de CPI da Covid

Ao ressaltar essa relação estreita que os senadores possuem com os líderes estaduais, Alcântara joga luz sobre outro aspecto importante para entender o caráter oposicionista da CPI: “o cenário em que o País perdeu mais de 500 mil vidas em um processo em que o Governo Federal abdicou completamente das suas responsabilidades básicas e essenciais". 

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Diversas ações comprovariam certa aversão ao bolsonarismo por parte dos senadores, a começar pela escolha de Renan Calheiros (MDB-AL), notório apoiador do ex-presidente Lula, para a relatoria da comissão. Além disso, dentre os 11 membros titulares da CPI, apenas quatro podem ser considerados inteiramente alinhados aos interesses governistas: Ciro Nogueira (PP-PI), Jorginho Mello (PL-SC), Marcos Rogério (DEM-RO) e Eduardo Girão (Podemos-CE). Os outros sete são conhecidos como G7, um grupo em que os membros se consideram independentes ou de oposição.

São eles: 

Renan Calheiros (MDB-AL), 
Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Eduardo Braga (MDB-AM)*
Omar Aziz (PSD-AM)
Otto Alencar (PSD-BA)
Humberto Costa (PT-PE)
Randolfe Rodrigues (Rede-AP)

*Recentemente, Eduardo Braga abandonou o grupo, após suposto assédio do governo Bolsonaro e por desentendimento com o conterrâneo Omar Aziz, presidente da CPI. 

Efeitos possíveis da CPI da Covid nas eleições de 2022
Em boletim recente publicado pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OBL), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), três possíveis cenários são inferidos. O primeiro diz respeito ao relatório final apontar a ocorrência de crime de responsabilidade por parte do presidente Jair Bolsonaro e o pedido, ou mais um pedido, de abertura de um processo de impeachment.

O segundo seria o de responsabilização futura do presidente, após o término de seu mandato. E, por fim, um terceiro cenário seria o de a CPI manter vivo o tema da pandemia até o fim do ano. “Em outras palavras, a CPI certamente ameaça o campo bolsonarista, mesmo nesse cenário mais ameno que mira a eleição de 2022, particularmente porque o presidente já enfrenta queda de popularidade”, conclui o OBL.
O trabalho que vem sendo feito até então, incluindo denúncias de prevaricação, perjúrio e áudios suspeitos, fazem sobressair as críticas à gestão do governo durante a pandemia. 

Experiências recentes e o que a CPI da Covid investiga
A CPI da Covid investiga as ações e omissões do governo Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19 e foi instaurada em resposta às solicitações dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO). Com mais de dois meses de atividade, a comissão já convocou mais de 10 depoentes, dentre eles os três ex-ministros da Saúde - Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, o atual ministro da pasta, Marcelo Queiroga, integrantes do chamado “gabinete paralelo” e envolvidos na compra do imunizante indiano Covaxin.

A instalação de CPIs pode ser vista como um reflexo das relações entre governo e Congresso. No Brasil, CPIs são usuais e, desde o governo de Fernando Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois do fim da ditadura militar, elas têm propiciado um ambiente para discussões que mudaram a história drasticamente.

Elas foram implementadas no Brasil pela primeira vez em 1934. Depois do Estado Novo, foram previstas na Constituição de 1946 como prerrogativas tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado Federal. No regime militar, a Constituição de 1967 incluiu a possibilidade de serem instaladas pelas duas casas legislativas em conjunto, as CPIs mistas ou CPMIs. Na Constituição de 1988, elas ganharam poderes próprios das autoridades judiciais. Desde a redemocratização, as CPIs se diferenciam das demais comissões legislativas permanentes por possuírem poderes usualmente atribuídos ao Poder Judiciário.

O que é uma CPI e quais são seus poderes
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é formada por deputados ou senadores para conduzir uma investigação a partir da tomada de depoimentos e análise de documentos, pelo prazo máximo de seis meses (120 dias + 60 dias de prorrogação). A CPI precisa investigar um fato específico, não genérico. O pedido de instalação de CPI deve conter a assinatura de 1/3 dos deputados, ou seja, 171.

Por exemplo, dentre outras atividades, cabe a elas realizar oitivas de indiciados e inquirir testemunhas, tomar depoimentos de autoridades públicas, realizar sindicâncias e diligências, determinar a realização de buscas e apreensões, solicitar quebra de sigilos bancário, fiscal e de dados de seus investigados, determinar prazos para o cumprimento de providências e requisitar informações e documentos de órgãos e autoridade públicas.

O que a CPI pode fazer:
1. convocar ministro de Estado;
2. tomar depoimento de autoridade federal, estadual ou municipal;
3. ouvir suspeitos (que têm direito ao silêncio para não se autoincriminar) e testemunhas (que têm o compromisso de dizer a verdade e são obrigadas a comparecer);
4. ir a qualquer ponto do território nacional para investigações e audiências públicas;
5. prender em flagrante delito;
6. requisitar informações e documentos de repartições públicas e autárquicas;
7. requisitar funcionários de qualquer poder para ajudar nas investigações, inclusive policiais;
8. pedir perícias, exames e vistorias, inclusive busca e apreensão (vetada em domicílio);
9. determinar ao Tribunal de Contas da União (TCU) a realização de inspeções e auditorias; e
10. quebrar sigilo bancário, fiscal e de dados (inclusive telefônico, ou seja, extrato de conta e não escuta ou grampo).

O que a CPI não pode fazer:
1. condenar;
2. determinar medida cautelar, como prisões, indisponibilidade de bens, arresto, sequestro;
3. determinar interceptação telefônica e quebra de sigilo de correspondência;
4. impedir que o cidadão deixe o território nacional e determinar apreensão de passaporte;
5. expedir mandado de busca e apreensão domiciliar; e
6. impedir a presença de advogado do depoente na reunião (advogado pode: ter acesso a documentos da CPI; falar para esclarecer equívoco ou dúvida; opor a ato arbitrário ou abusivo; ter manifestações analisadas pela CPI até para impugnar prova ilícita).
7. as CPIs não possuem todos os poderes instrutórios dos juízes. Elas apenas investigam fatos determinados, mas não processam e julgam. (Fonte: Agência Câmara de Notícias)