Perdeu a entrevista com o ex-presidente Lula? Veja conversa na íntegra

Ex-presidente foi entrevistado nesta quinta-feira, 15 de abril, pelo jornalista Jocélio Leal, na Rádio O POVO CBN.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu entrevista hoje, quinta-feira, 15 de abril (15/04), às 9 horas (horário de Brasília), ao jornalista Jocélio Leal, no programa O POVO no Rádio, na rádio O POVO CBN. Durante o diálogo, o petista falou sobre sua relação com os casos referentes à Operação Lava Jato, a decisão do ministro Edson Fachin (STF) de cancelar suas condenações, as apostas para o governador Camilo Santana (PT), entre outros assuntos. 

Acompanhe a entrevista completa:

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Leia entrevista completa:

JOCÉLIO: Qual é a sua expectativa sobre essa decisão de hoje no STF quanto as condenações anuladas pelo ministro Fachin. Isso tirou o seu sono?

LULA: Não, não tirou o meu sono porque eu estou tranquilo Jocélio, muito tranquilo. Aliás, eu estou tranquilo desde que eu fui pra Polícia Federal, porque eu tinha como objetivo provar que o Moro e o Dallagnol tinham montado uma quadrilha no meu caso. E tudo o que eu falo aqui é exatamente só sobre o meu caso. Ou seja, foi criado o tal do PowerPoint, que você deve ter acompanhado, que dizia que eu era chefe de uma quadrilha. Que era a necessidade que eles tinham de poder me envolver no processo da Lava Jato para me levar para Curitiba, porque era uma obsessão do Moro e do Dallagnol evitar que eu fosse candidato em 2018.

Acontece que esse processo do quadrilhão já foi derrotado, já foi vencido em Brasília, não existe mais esse processo, mas eles continuaram. Em 2016 a gente entrou com o pedido de anulação da votação na 13ª vara de Curitiba. Eu não sei por que demorou quase cinco anos para que fosse julgado, e nós agora estamos provando, sabe? Todas as mentiras que foram contadas a meu respeito.

É importante, Jocélio, só pra deixar claro, porque tem gente que gosta de fazer confusão. Ah, porque se votar o caso do Lula vai acabar com a Lava Jato, vai destruir. Não, não vai acabar com a Lava Jato, vai acabar no meu caso com as mentiras que eles contaram, porque no dia do meu julgamento, o Moro, ao não ter prova e a não ter do que me acusar, me condenou por fato indeterminado, tá? Então, se o juiz não tinha para que me condenar, por que que me condenou? Então, nós, por tudo está acontecendo hoje, nós já dizemos em 2016. Então, eu acho que, no meu caso, é um caso específico. A minha briga é com o meu caso.

Se alguém roubou, que seja preso, se alguém confessou que seja preso. Se algum empresário roubou, que seja preso, eu estou discutindo é a minha inocência. Por isso eu estou feliz, estou feliz com a decisão do Fachin, aquela primeira que atendeu aquilo que nós gostaríamos, que ele atendeu, aí estou agora esperando que a Suprema Corte, no seu plenário, possa tomar a decisão. Eu não sou advogado, eu não gosto de dar palpite, mas eu estou muito tranquilo, Jocelio, muito tranquilo, aguardando o desfecho do que vai acontecer. Porque eu já provei a minha inocência, eu quero que apareça no Brasil alguém pra provar a minha culpa.

JOCÉLIO: O STF decidiu levar o caso do Fachin para o plenário, isso frustrou sua defesa, que esperava julgamento na Segunda Turma do Supremo?

LULA: Não, de forma alguma frustrou, porque a Suprema Corte é soberana para decidir as coisas, inclusive se vai ser votado na primeira, na segunda Turma ou no plenário. Eu acho que o plenário sempre será soberano, né? Isso vale pra uma assembleia no Sindicato dos Metalúrgicos, vale para um congresso de um partido político, e vale para uma reunião da Suprema Corte. Eles decidem.

LULA: O cidadão Lula, ele ainda confia na justiça do país? Ou, pelo menos, em algum momento, o senhor duvidou da justiça do país, se frustrou com isso? Ah, oh, José

LULA: Se um ser humano que teve a trajetória de vida que eu tive deixar de acreditar nas instituições que nós criamos para consolidar o processo democrático, ele preciso parar de fazer política. Eu acho que a gente tem que acreditar, naquilo que ela estiver errado, a gente tem que brigar pra consertar. naquilo que ela tiver de equívoco de funcionamento, você tem que brigar pra consertar, sabe? E é assim que a sociedade vai se consolidando democraticamente. Aliás, a democracia é isso, é uma convivência permanente na correção dos rumos da humanidade. É isso que é democracia.

JOCÉLIO: Qual foi o pior momento do senhor lá na prisão? Como foi que o senhor lidou com isso? Onde foi que o senhor encontrou condições de suportar o que eu senhor considerou uma injustiça?

LULA: É muito engraçado, porque eu sabia que esse processo tinha sido feito para chegar em mim. Eu nunca tive dúvida de que o objetivo principal era evitar que o Lula fosse candidato a presidente da República. E ele chegou, chegou exatamente do jeito que eu imaginava que ele fosse chegar. Ou seja, foram contando mentira atrás de mentira. Você tá lembrado? No primeiro depoimento que eu prestei ao Moro, eu disse para o Moro, ‘você está condenado a me condenar, porque já deixaram a mentira ir longe demais’. E quando a mentira é muito longa e a mentira dura demais, você passa o resto da vida mentindo. É o que a Globo faz hoje, a Globo passa o tempo inteiro mentindo para tentar justificar a campanha mentirosa que ela fez contra mim. E eu estou aqui, de cabeça erguida, com vontade de brigar, e eu vou te contar que eu passei momentos difíceis. Primeiro, tinha muita gente que me aconselhava a não ir pra cadeia, que eu poderia sair para outro país, que eu poderia ir para uma embaixada. E eu, que já tinha sido presidente da República, não aceitava a ideia de aparecer no jornal como foragido. Segundo, eu estava tão consciente das mentiras contadas contra mim, que eu dizia pros meus advogados, ‘eu prefiro ir lá pertinho do Moro, lá na Justiça Federal. vou ficar preso lá, porque preso eu vou provar que ele é mentiroso’. E graças a Deus, eu provei. Depois, qual foram os momentos difíceis? A morte do meu irmão. Era o meu irmão mais velho e era um irmão muito querido, e eu pedi pra vir ao enterro. Aí depois de muito lenga lenga, depois de muita briga, resolveram levar para a Suprema Corte a decisão. E, lamentavelmente, foi dada uma decisão de que eu não podia ir ver o corpo, na casa do meu irmão ou no cemitério. Eles queriam que eu viesse até São Paulo, fosse para o comando do 2º Exército, e meu irmão fosse levado dentro do caixão pra me visitar. Era a primeira vez na história da humanidade que um morto iria visitar um vivo. E ainda não permitiram sequer que tirasse fotografia. Foi um dia muito triste, muito pesado, e eu nunca pensei que existiria decisão tão sórdida quanto essa. Segunda foi a morte do meu neto. Meu neto de seis anos, que foi uma coisa, uma coisa muito, muito, muito, muito dolorida. Ou seja, uma morte trágica de uma criança saudável e que de repente morre, e aí depois de muito lenga lenga me permitiram que viesse a São Bernardo do Campo. A outra engraçada foi quando um juiz da Justiça Federal do Rio Grande do Sul me liberou. Ou seja, e aí o Moro, que estava de férias, sabe, não permitiu que a instância superior me liberasse. Eu lembro que eu não acreditava que eu fosse sair, os meus advogados chegaram lá e eu nem preparei a minha mala. Falei ‘eu não vou me preparar, porque isso não vai acontecer’. E não aconteceu de fato. Então, foram três fatos marcantes na minha vida. Mas eu te confesso que aquele povo da vigília, 588 dias rezando, cantando, gritando Lula presidente, de manhã, de tarde e de noite, dia de ano novo, aquele pessoal era injeção de ânimo muito grande, e eu tinha certeza, Jocélio, eu tinha certeza que o Moro dormia pior do que eu, apesar da glória que ele tava vivendo. De que o Dellagnol dormia pior do que eu, porque eles estavam com a consciência pesada, porque eles sabiam que eles tinham contado uma mentira, tinham montado uma armação, e que essa armação hoje está desfeita. Se você ler a peça do processo, Jocélio, você vai perceber que o que foi divulgado pelo Intercept, o que nós agora pegamos na Suprema Corte, daquelas notícias do de Araraquara, você vai perceber que tudo que tá acontecendo lá, está na minha defesa. Portanto, para muita gente do Brasil é surpresa. Para nós, já sabíamos daquilo. Então estou muito tranquilo, espero a decisão do Supremo e vou viver minha vida. Não tenho o tanto de tempo que já tive, tenho menos tempo, mas vou tentar viver de forma muito atuante, e vou viver para ver se a gente consegue consertar o Brasil.

JOCÉLIO: A decisão do Fachin não o inocenta, ela anula o que foi feito e leva para uma nova esfera, a Justiça Federal de Brasília. Como o senhor se prepara diante dessa nova luta a começar em Brasília?

LULA: Não vamos culpar o Fachin pela decisão dele, porque o que nós queríamos era um julgamento justo. Eu tenho tanta consciência da minha inocência que me disponho a ir qualquer tribunal, a qualquer instância, desafiando a quem quer me julgar a mostrar uma única prova, qualquer que seja, tamanha a convicção da minha inocência. Então, o que pedimos para o Fachin, ainda em 2016, que meus processos não deveriam ter ido para a 13ª vara de Curitiba, foi isso que nós pedimos. E o Fachin atendeu. Se esse processo vai para outro juiz, que vá, que se peça novas provas, estou a inteira disposição, tenho tempo, vontade e inocência para esfregar nos meus inimigos.

JOCÉLIO: O senhor tem raiva de Moro e Dallagnol?

LULA: Eu não guardo raiva, aprendi com a dona Lindu, minha mãe, eu as vezes via minha mãe na boca do fogão, sem ter comida para servir para a gente, e eu não ouvi ela falar outra coisa senão ‘amanhã vai ter, amanhã vai melhorar’. Então quero que eles saibam o seguinte: Não tenho mais idade para guardar raiva deles. Eu sinto pena do povo brasileiro, porque eu nunca vi tanta fome. Eu saí de Garanhuns em 1952, em um pau-de-arara, dia 13 de dezembro de 1952, por causa da fome. E eu nunca vi tanta fome como estou vendo agora em São Paulo. Na periferia de São Paulo, no centro de São Paulo, no centro de Fortaleza, no Interior do Ceará, do Pernambuco, ou seja, há um desrespeito total com o pobre nesse país. Lamentavelmente, a gente acabou com a escravidão, mas a escravidão permanece no tratamento das pesosas que trabalham nesse país. Me parece que as pessoas tem ódio quando o pobre sobe um degrau na ascensão social nesse país. Então eu fico muito irritado, porque a gente tinha acabado com a fome, a ONU reconheceu isso, e bastou derrubar a Dilma, ‘para melhorar o Brasil’ segundo nossos adversários, e o Brasil piorou e piorou muito. Piorou a nível interno, a nível internacional, a nível empresarial, de emprego, e minha briga agora é para consertar o Brasil, por isso não guardo raiva.

JOCÉLIO: Não concorda que na era Dilma a economia não ia nada bem? Não acha que isso acabou facilitando o desarranjo que levou ao impeachment?

LULA: Ô Jocélio, é só você pegar a história do Brasil. Você me parece que, pelas informações que eu tenho, o jornalista muito bem informado, e é um cidadão intelectualmente bem preparado. Se você preparar para olhar a história do Brasil, o Brasil teve N momentos de crise econômica. Você está lembrado que, em 1998, depois que o Fernando Henrique Cardoso quebrou as eleições, o Brasil quebrou duas vezes. O Brasil quebrou e ninguém fez impeachment do Fernando Henrique Cardoso. Não é por causa de uma crise econômica que você cassa um presidente. Olha, o presidente está lá para tentar resolver, ele que ganhou as eleições, ele que coloca o programa. No caso do Bolsonaro não é isso. O problema do Bolsonaro, por exemplo, é que o Bolsonaro desrespeita sistematicamente o processo democrático. Desrespeita as instituições, ofende a sociedade. Você acha que eu tenho o prazer de chamar o Bolsonaro de genocida? Você acha que eu tenho prazer? É que esse cidadão, ele fez tudo diferente daquilo que a ciência brasileira está aí pedindo, tudo aquilo que a Organização Mundial da Saúde está pedindo, tudo aquilo que o bom senso está orientando, o Bolsonaro faz tudo contra. Não é possível que esse cidadão não tenha, sabe, que levantar nem um dia expressando solidariedade às milhares de pessoas que já morreram, às milhões de pessoas que estão infectadas no Brasil e no mundo. Ou seja, o cidadão, ele deixou de comprar, segundo os deputados que fazem parte da comissão internacional de compra de vacina, esse cidadão deixou de comprar 700 milhões de vacina, jogou fora a oportunidade de comprar 700 milhões de vacina. Ele poderia ter comprado 138 milhões do OMS, da Covax, 100 milhões da Sputnik, 200 milhões da Fiocruz, 160 milhões, ele recusou. Recusou, recusou comprar. Por isso esse cidadão, que vai pra televisão dizer quem usa máscara é marica, que quem toma vacina é covarde, que é uma gripezinha. Esse cidadão não precisaria brincar com a sociedade. Quem está fazendo um trabalho extraordinário, graças a Deus, são os governadores do Nordeste, com Consórcio Nordeste, que foi criado, e o companheiro Camilo. Aliás, eu queria dar os parabéns pro Camilo, pelo que ele tem feito, não só no combate ao coronavírus, mas pelo que tem feito de política de auxílio às pessoas mais pobres do estado do Ceará. Inclusive com a compra de hospitais novos e o aumento de leitos. Ou seja, o Camilo, eu acho que ele, mais os Governador do Nordeste, são um exemplo que o Bolsonaro não deveria ter raiva. O Bolsonaro deveria chamar esses companheiros e falar, ‘companheiro, como é que vocês fizeram? Me ensina como é que se faz. Porque eu não sei conversar, eu não sei conviver com quem é contrário. Então, me ensina qual é o bom comportamento, como é que vocês conseguem humanizar a relação de vocês com a sociedade, que eu quero fazer’. Não, ele prefere detectar os governadores como inimigos, adversários. E quem paga o pato é o povo pobre, que vai passando fome, desempregado, trabalhando na economia informal. É isso que me dá pena e me estou colocando à disposição para brigar, para consertar.

JOCÉLIO: Então, o senhor está se assumindo candidato, na hipótese de o senhor ratificar a sua inocência no STF, é isso?

LULA: Olha, primeiro eu tenho certeza que só tem uma decisão no STF. Com base nos autos do processo, é a minha inocência. Não tem outra decisão. É só ler o processo. A segunda coisa é o seguinte, eu já disse várias vezes, eu não quero discutir eleições em 2021. Em 2021 eu quero discutir a vacina para o povo brasileiro, eu quero discutir a ajuda emergencial para os milhões de brasileiros que estão passando fome. Eu quero discutir uma política de crédito especial para pequenos e médios empresários poderem manter o seu restaurante, o seu bar, a sua lojinha funcionando e gerando emprego. Eu quero discutir uma política de investimento em setores públicos para que a gente possa reativar a economia brasileira. Essa é a prioridade. Quem quiser se lançar, candidato, que se lance, quem quiser brigar, que brigue. Eu quero dedicar 2021 para tentar consertar esse país e ver se o povo consegue conquistar o que é necessário pra ele sobreviver.

JOCÉLIO: O senhor vê o PT fora da cabeça de chapa em 2022, em uma concessão para uma frente de esquerda, por exemplo? Isso é possível?

LULA: Essa é uma coisa maluca, porque é o seguinte. É como se o Santos fosse entrar em campo com o Pelé e o técnico do adversário chegasse para o técnico do Santos e falasse, ‘olha, não coloca o Pelé pra jogar não, não coloca o Coutinho pra jogar não, coloca um time reserva’. Veja, eu tenho dito o seguinte: O PT necessariamente não precisa ser cabeça de chapa. Agora, é importante que se apresente candidaturas com mais fôlego do que o PT. As pessoas não podem querer que o PT não cresça, não podem querer que o PT não busque ter candidatura a presidente da República. Nós fomos o segundo em 89, segundo em 94, segundo em 98, primeiro em 2002. em 2006, primeiro em 2010, primeiro em 2014 e segundo em 2018. O PT é um partido de dimensão nacional muito estruturado. Então, não adianta ficarem xingando o PT. Já tentaram destruir o PT durante muito tempo. Não, dispute, democracia é isso, dispute conosco. E o PT é tão grande, que aí no Ceará, sabe, a gente quase ganha uma eleição em 2002 contra Ciro, contra Tasso, contra Lúcio Alcântara, e nós quase ganhamos as eleições, perdemos acho que por menos de 2% dos votos. Outro dia falaram assim, o Lula poderia fazer que nem Cristina Kirchner, indicar outra pessoa. Mas a Cristina indicou um do partido dela, tá? Indicou o do partido dela. Lá a briga é dentro do próprio partido. Então, veja, eu acho que tem que ter uma aliança política, tem que ter, mas ninguém pode vetar ninguém. ‘Nós vamos ter aliança se o Lula não for candidato, vamos ter aliança se o Haddad não for candidato, vamos ter aliança se o PT não tiver cabeça de chapa’, que história que é essa? Quem tem que ter cabeça de chapa é o que tem de mais possibilidade de ganhar as eleições, é assim que funciona a democracia.

JOCÉLIO: E o Ciro, heim?

LULA: Olha, a minha mãe dizia assim: ‘Meu filho, quando um não quer, dois não brigam’. Então, veja, eu sei, é o seguinte, eu tenho um carinho pelo Ciro. Tem gente que acha que eu não deveria ter mais, mas eu tenho respeito pelo Ciro, ele foi muito leal quando esteve no governo comigo. Ele disputou as eleições de 2002, eu ganhei, convidei para o governo e ele veio. Em 2006, quando ele foi deputado, eu era contra e eu convidei ele pra ser presidente do BNDES, ele não quis. Então, o Ciro agora está fazendo uma inflexão política, na minha opinião, equivocada. Ele resolveu colocar o PT e a esquerda como inimigos, para tentar namorar quem? Qual é a dama que ele acha que ele vai ganhar nesse baile do jogo político? Os herdeiros dos tucanos? Não, os tucanos vão ter candidatura própria, e certamente não será um Ciro. O Ciro quer agradar quem? Os setores da direita? Os setores da direita vão com Bolsonaro. O Ciro tem que botar na cabeça que ele precisa apenas aprender de forma civilizada a respeitar os outros, como ele gosta de ser respeitado. Então, como eu acredito que ele pode mudar, como eu acredito que, muitas vezes, o bom senso, sabe, pousa na cabeça das pessoas. eu ainda espero o Ciro afável, sabe? Com a esquerda, espero o Ciro. Você sabe que a briga do Ciro com o PT não é de hoje, aí em Fortaleza ele nunca aturou o PT, apesar de ter tido comportamentos extraordinários. Ele, na verdade, lançou o Camilo. Eu lembro quando o Ilário era prefeito de Quixadá, que a direita e a extrema-direita queria massacrar o Ilário, o Ciro ia lá ajudar o Ilário. Ele tem momentos de grandeza, mas ele tem rompantes de ódio, que não cabem na política. Então, é isso, você jamais vai me ver falar mal do Ciro. Então, ele que fale, eu não vou falar.

JOCÉLIO: Ao tempo que Camilo é petista, ele é integrante de um grupo político que tem como comandante o Ciro. Como você lida com esse coração dividido?

LULA: Na primeira campanha do Camilo eu não apoiei o Camilo, eu não fui para o Ceará fazer campanha para o Camilo, nem eu nem a Dilma, porque o Temer era vice da Dilma e tinha o Eunício, que era candidato aí. Aí teve uma declaração do Camilo um tempo depois, nas eleições passadas, em que o Camilo poderia apoiar o Ciro, e eu fui dar uma entrevista para a CBN de Fortaeza e perguntaram como eu me comportava e eu disse ‘mas ele tem que apoiar o Ciro, porque eu não apoiei ele’. Então ele não tinha compromisso comigo. As coisas evoluíram, tá? Vamos ver o que vai acontecer em 2022, se eu vou ser candidato, ver o que o Camilo quer ser. O Camilo é um companheiro que pode crescer, ele pode ter aspirações maiores, para ser presidente. O Rui Costa pode ter, o Wellington. Por isso acho que é muito cedo para discutir isso. Continuo gostando do Camilo, ele estando ou não com o coração dividido. Ou seja, na verdade na verdade, falando no bom politiquês, eu vou disputar esse coração bondoso do Camilo, se é isso que você quer saber.

JOCÉLIO: A percepção média é que o PT foi colocado na categoria de extremo. Como o senhor pretende se posicionar, ou o PT, na busca por essa confiança do segmento que busca um candidato de centro, fora disso, à Faria Lima?

LULA: Entre ceder para a Faria Lima e ceder ao povo pobre do Cariri, eu cedo ao povo pobre do Cariri, ao povo pobre de Fortaleza. Tá, para não ter dúvida. Eu quando fui presidente, eu dizia que eu governava pra todos, mas que eu tinha um olhar mais apaixonado, que nem um coração de mãe, para as pessoas mais pobres. Era preciso garantir que as pessoas tomassem café, almoçassem e jantassem todo dia. Era preciso as crianças comessem as calorias e as proteínas necessárias para a sua sobrevivência. Era preciso que as pessoas pudessem sonhar em ter uma universidade. Então, eu não sei qual é a exigência que esse pessoal queria fazer comigo. Eu se fosse para um debate com os empresários de Fortaleza hoje, eu não ia deixar eles só fazerem pergunta pra mim. Eu ia fazer uma lista de perguntas para eles, tá? Por que quando você é candidato, todo mundo se acha dono de você. Aí todo mundo quer perguntar, que que você vai fazer? O que que você vai fazer? Você tem que perguntar para eles ‘o que você vai fazer pra acabar com a pobreza desse povo’, ‘o que que você vai fazer para pessoas poderem comer’, ‘o que que vai fazer para poder ajudar o Brasil a dar um salto de qualidade. As pessoas só sabem cobrar. Ô Jocélio, você é um homem que deve ter ligação com setores empresariais aí do estado do Ceará. Pergunta ao empresário, amigo seu, por que razão esse cidadão agora tem medo do Lula? Pergunte, porque no governo Lula todos eles ganharam dinheiro como nunca. Qual foi a diferença? A diferença foi o que os pobres ganharam também. Eu queria até te fazer um apelo. Como você é um cidadão bem informado, faça um levantamento e veja na história republicana do Brasil, em que momento o estado do Ceará recebeu mais investimento público federal do que no meu governo e no governo da Dilma. Tente se informar, e pergunte para os empresários, qualquer um deles, pequeno, grande ou médio da construção civil, banqueiro, não. Em que momento da história o Governo Federal colocou mais recurso no estado do Ceará? Foram quase duzentos anos para fazer a transposição do São Francisco, porque o senhor Fernando Henrique Cardoso ia no Ceará e prometia por Tasso Jereissati que ia fazer. Aí chegava na Bahia, o Antônio Carlos Magalhães dava uma dura nele e ele dizia, ‘não, não vou fazer’. Ele ia no Rio Grande do Norte, prometia que ia fazer, chegava em Sergipe e levava uma dura de outro governador e via ‘não vou fazer’. E eu cheguei à conclusão de que o rio não era de Governador, o rio era nacional e o povo do semi-árido merecia a transposição, uma obra que estava prometida há 176 anos. Você sabe que, não fosse uma briga nossa, e o Lúcioa Alcântara estava comigo na Coréia, essa siderúrgica não teria vindo para Fortaleza, ela teria ido pra São Paulo, teria ido para Minas Gerais ou para o Rio Grande do Sul. Porque é assim, quando o governo não tem uma visão de desenvolvimento para o país, só quem leva as indústrias é São Paulo, é o Rio de Janeiro. Ou você acha que a Fiat foi para Pernambuco, que essa indústria automobilística foi pro Ceará? Ela foi porque nós brigamos pra ela ir pra aí, porque era preciso. Sabe qual era o desejo, na verdade, Jocélio? É que eu nunca me conformei, de o povo nordestino ser tratado como pária da sociedade. Só aparecia no jornal: ‘Mais analfabeto, Nordeste’, ‘mais morto de fome, Nordeste’, ‘mais evasão escolar, Nordeste’, sabe? Chega, por que o Nordeste não pode ser igual a qualquer outra parte do Brasil? É por isso que eu fiz duas universidades no Ceará. É por isso que fizemos 32 escolas técnicas no Ceará. Porque é necessário dar ao Nordeste o direito de competir com os outros estados. Sabe por quê? O cearense de olhos verdes, ele vai pra São Paulo e ele é tratado com decência, mas o cearense pobre que vem pra trabalhar, ele é vítima de preconceito, é vítima de bullying, é vítima de tudo que você possa imaginar. E eu quero um Brasil em que todo mundo seja respeitado. não pela condição social, que todo mundo seja respeitado porque o ser humano tem que ser respeitado como ser humano. A gente tem que falar bom dia para pobre e para rico, tem que estender amor para pobre e para rico. É assim que eu vejo o mundo e é por isso que eu tenho uma obsessão pelo meu querido Nordeste, sabe? Aliás, sabe qual foi a coisa que eu me arrependo da minha campanha de 1989? Não ter colocado como música da minha campanha Patativa do Assaré cantando a triste partida.

JOCÉLIO: Em que medida o senhor diria que esse clima tão agressivo de hoje também teve contribuição daquela visão que o senhor pregava do ‘nós e eles’, ‘nós e as elites’? Não faltou uma autocrítica?

LULA: Se eu ficar fazendo autocrítica que as pessoas querem que eu faça, não haverá tempo para a oposição me criticar. Então, eu não posso querer ser a minha própria oposição. Eu toda vez que eu vou debater com alguém, que o cara fala, ‘vocês não fazem autocrítica’, eu digo ‘não, faça você a crítica, meu filho’. Faça você. Qual é a crítica que você quer fazer? Que aí eu vou responder. Deixa eu te dizer uma coisa. Eu ia muito a campo de futebol e, ‘nós e eles’, eu sempre utilizei com meus adversários. Corinthians e Palmeiras é ‘nós e eles’, Corinthians e Santos era ‘nós e eles’, Ceará e Fortaleza é ‘nós e eles’. É sim, e na política é a mesma coisa. É nós e eles do PSDB, é ‘nós e eles’. Qual é o problema? Quem é que inventou essa lógica? Quem é que foi procurar o José Alencar para ser vice? Não foi eles não, fui eu. Fui eu que fui a Minas Gerais, vi o José Alencar fazer um discurso e falei, ‘esse cidadão vai ser nosso vice’. Fui lá e convenci um empresário com 17 mil trabalhadores a ser meu vice. Foi a primeira grande aliança entre o capital e trabalho na história política desse país. E tive o prazer de ter o homem da mais alta competência, eu e ele não tínhamos diploma universitário. É muito engraçado, né? Nós dois não tínhamos diploma universitário e fizemos um governo que foi considerado e é considerado, hoje o melhor período de governança da história do Brasil. Sabe, porque a gente conversava, porque tinha lealdade, porque não tinha suspeição entre nós, sabe? E porque o José Alencar conversava com o dirigente sindical, ele conversava com o grande empresário. Procure um empresário no Ceará, ou em qualquer lugar que diga que um dia o Lula o tratou de forma diferente. Procure um prefeito do do DEM, procure um prefeito tucano pra perguntar se um dia eu tratei ele mal. Nunca. Porque política significa civilidade, política significa a convivência democrática na diversidade. Não venha dizer que nós somos responsáveis pela radicalidade, porque eu perdi a eleição em 1989 e não teve radicalidade. Perdi em 1994, em 1998, e em nenhum momento que eu perdi as eleições, houve qualquer radicalidade. Aonde é que houve a radicalidade? Quando o Aécio perdeu. Quem radicalizou eram aqueles que se faziam passar por cordeiro. Aí radicalizaram, tentaram impedir a posse da Dilma, entraram com recurso. Você viu alguma vez eu entrar com recurso contra o Collor de Mello, contra o Fernando Henrique Cardoso? Nunca. Eu perdia as eleições, eu fazia como o velho Brizola, sabe? Aliás, o Ciro poderia aprender essa frase com o Brizola. O Brizola cada vez que ele pedia, ele falava, ‘eu vou me recolher e vou lamber minhas feridas. Aí depois eu volto pra briga’. Eu acredito, como eu acredito em Deus, que é possível recuperar esse país. É possível fazer esse povo voltar a ser feliz. Eu de vez em quando vejo alguém comparar o Lula ao Bolsonaro. Sabe, somente uma pessoa com muito baixo conhecimento ou com muita má fé, pode comparar a trajetória do Lula com a trajetória do Bolsonaro. Eu faço política há cinquenta anos, eu nunca fui chamado de mito, porque mito é coisa de fascista de miliciano, de autoritário. Eu nunca fui chamado de mito na minha vida. Acho que ninguém fez mais assembleia, fez mais comício, viajou o Brasil mais do que eu. Eu nunca fui chamado de mito, a primeira pessoa que eu vi ser chamado mito foi o Bolsonaro. Os milicianos gritando, ‘mito, mito’, e ele acredita, ele nem sabe que mito é uma mentira, e ele gosta. Então, meu caro, é o seguinte. Ninguém, ninguém, me dê lição de democracia, porque eu vivi muito tempo no movimento sindical e todo mundo sabe que eu fui um bom dirigente sindical, que eu negociei com os empresários como nunca. Eu criei esse partido com o maior sacrifício, e viramos presidente da República. E eu sinceramente, Jocélio, eu respeito as pessoas que não concordam com o PT, agora a verdade nua e crua é essa. O ódio que as pessoas sentem pelo PT é porque o PT resolveu colocar o pobre dentro do orçamento da União. Quem quiser resolver o problema do Brasil tem que colocar o pobre dentro do orçamento. Se o Bolsonaro não tiver consciência de que ele tem que aumentar o salário emergencial para R$ 600, e ele tem no Tesouro Nacional, acho que o ministro da Economia mente para ele, mas ele tem um 1,45 trilhão lá no Tesouro que poderia estar dando auxílio emergencial para matar a fome desse povo, poderia estar com uma política de crédito para o pequeno empresário. Não está, porque essa gente não pensa no povo. Então eu, sinceramente, eu tenho muita disposição, minha vida foi conversar, lidar com contrários, fazer acordo. Então quando alguém fala que Lula e Bolsonaro são dois opostos, eu só posso pensar que o cara que pensa isso ou ele é muito ignorante, não sabe o que eu faço da vida, ou ele é de má fé, porque vai isso por maldade.

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