Martonio Mont’Alverne: O julgamento da suspeição

Martonio Mont'Alverne Barreto Lima Professor doutor da Universidade de Fortaleza - Unifor barreto@unifor.br
Martonio Mont'Alverne Barreto Lima Professor doutor da Universidade de Fortaleza - Unifor barreto@unifor.br (Foto: Divulgação)

Não parece restar dúvida que o País respirava suspense desde ontem. Decisão do Min. Fachin reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para julgar os processos contra o ex- Presidente Lula. A decisão também declarou a perda do objeto do Habeas Corpus nº 164.493/DF, que tratava da suspeição do então juiz federal Sérgio Moro. A 2ª Turma do STF havia designado a data de hoje para retomar o julgamento do HC nº 164.493. Óbvio que decisão do Min. Fachin teve o efeito desejado: desencadeou a polêmica, especialmente entre juristas, e, claro, entre “mercado”, imprensa, política, políticos e sucessão presidencial em 2022.


Há distintos ângulos que se pode tratar da questão. Ficarei com dois destes. O político, que não é partidário, e deve integrar necessariamente a análise sobre o episódio. E o jurídico, ou relativo à aplicação da dogmática jurídica normativa, constitucional e legal. No que diz respeito ao primeiro, é óbvio que Fachin procurou resgatar o legado da Lava Jato e de seus protagonistas: o kairós, isto é, o tempo não cronológico, mas o tempo certo à tomada da decisão; a abertura para manutenção dos atos processuais praticados pela Lava Jato; e a exoneração de qualquer responsabilidade da Justiça Federal de Curitiba envolvida nos processos.


Do ponto de vista da dogmática jurídica, a 2ª Turma do STF acertou em prosseguir com o julgamento do HC nº 164.493. Afinal, Fachin, como relator, já havia proferido seu voto, em sessão desta Turma, o que implica no reconhecimento daquele colegiado como autoridade para julgamento daquele HC. Ao submeter o processo à votação do colegiado, o relator não é dono do processo. A autoridade sobre o processo é do colegiado. A organização do julgamento recai sobre a presidência da Turma, não mais sobre o relator. Tanto a competência da Turma quanto a autoridade da presidência da Turma afastam qualquer outra autoridade: não há atribuição de competência processual a mais de um órgão do poder judiciário. Eis no que consiste a racionalidade jurídica, corporificada em garantias constitucionais do devido processo legal e do juiz natural. O presidente do STF organiza e detém a competência sobre o pleno do STF. Não sobre suas Turmas. A isto se dá o nome de separação de poderes. Outro pilar da democracia constitucional.

Até agora, os votos proferidos pelos Min. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski não poderiam ser mais alvissareiros. Baseiam-se em evidências que a defesa do ex-Presidente – além de dezenas de juristas, intelectuais de outras áreas, jornalistas e políticos – sempre insistiu: não era normal, tampouco correspondente à Constituição e às leis o que se operava em Curitiba. Combinação entre acusação e defesa, indução de produção de provas, não compartilhamento com a defesa das mesmas provas, intimidação midiática de réus e de julgadores de instâncias superiores foram pontos que vieram à tona
após a revelação dos vazamentos, originalmente obtidos de forma ilegal. Agora as conversas entre procuradores e juízes evidenciou a violação contínua da ampla defesa, do sigilo profissional e do devido processo legal. Toda esta argumentação estava nos votos proferidos por Mendes e Lewandowski no julgamento de hoje, que continuará.


Acaso não fossem recriminadas tão graves violações, pouco restaria da perspectiva da “filosofia da esperança”, tão bem formulada por Ernst Bloch. Restaria o fim, a destruição definitiva do que ainda está de pé de nossas Constituição e democracia. Mesmo diante do olhar sobre a devastação que ficou para trás, ainda é possível pensar sobre pode ser reconstruído a partir das ruínas. Creio que esta será a também a tarefa do STF ao se concluir este julgamento, e se confirmar a suspeição do juiz e dos procuradores oficiantes nos processos.

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