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Auditorias da CGU contra desvios no Ceará caem 86% em dois anos

Relatórios caíram de 176 em 2016 para apenas 24 de janeiro até outubro deste ano. Com gastos congelados por PEC, órgão vive crise de orçamento e pessoal
12:40 | Out. 18, 2018
Autor Carlos Mazza
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Carlos Mazza Repórter de Jornalismo de Dados
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Tipo Notícia
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O contribuinte cearense pagou por concreto, recebeu argamassa. A fraude, denunciada em agosto deste ano em obra da BR-230 no Ceará, foi revelada após minucioso trabalho da Controladoria-Geral da União (CGU) no Ceará. Em ação de sete meses, inspetores garimparam pedaços da estrada e até mediram, com riqueza de detalhes, a espessura da estrada feita.

 
Ao final, ficou evidente a farsa: R$ 2,3 milhões em superfaturamento. Obra suspensa e gestor exonerado. Trabalhos como esse, que miram na descoberta de irregularidades antes de consumados os contratos, são cada vez mais raros no Ceará. De dois anos para cá, relatórios de auditorias da CGU no Estado caíram de 176 em 2016 para 63 entre 2017 e 2018.

 
De janeiro até outubro deste ano, apenas 24 relatórios foram apresentados – queda de 86,36%. A informação é de análise do O POVO Dados nos dados abertos do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União. Os relatórios analisam desde construção de estradas até a compra e armazenamento de merenda escolar em municípios do Interior.

 
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Procurado pelo O POVO Online, o superintendente da CGU no Ceará, Roberto Vieira Medeiros, afirma que parte da redução pode ser explicada pela mudança de metodologia do órgão. "Os relatórios antigos eram mais curtos, e agora são mais densos. Antes a gente fazia vários relatórios de um órgão só. Agora, condensamos em um ou dois para o mesmo órgão".

 
[FOTO2]A justificativa explica apenas parcialmente o problema. Mesmo expedindo mais relatórios para um único órgão em 2016 – o Dnocs, onde isso mais aconteceu, recebeu dez –, o órgão tinha maior alcance. Naquele ano, por exemplo, 42 municípios e 84 órgãos diferentes foram alvos de auditorias da CGU. Neste ano, o número caiu para 16 e 18, respectivamente. 

 
Crise econômica

 
Sobre isso, o superintendente da CGU no Ceará destaca que, atualmente, o órgão opera com diversas restrições orçamentárias e de pessoal pelo Governo Federal. “Como todos os órgãos federais, estamos perdendo pessoal para aposentadorias e isso não está sendo reposto”, destaca. "Com a crise econômica se estendendo, há também um impacto no orçamento".

 
Aprovada no fim de 2016, a Emenda à Constituição que "congelou" teto de despesas de órgãos públicos acabou tendo efeito nos trabalhos, explica. Roberto destaca, no entanto, que o órgão tem se desdobrado para que os cortes não afetem a fiscalização. As restrições são tão severas que a CGU tem recorrido a caronas de outros órgãos para manter atividades. 

 
"Se congelaram os gastos e a alíquota de energia aumenta todo ano, ficamos obrigados a cortar. Corta serviços de vigilância, copeira, manutenção. Se o Tribunal de Contas do Estado vai fazer uma ação em algum município onde temos que ir também, combinamos uma carona", diz, destacando ainda receio de novas perdas de pessoal diante da reforma da Previdência.

 
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De acordo com dados da União, a CGU conta hoje com cerca de 2,6 mil servidores lotados no Brasil. No Ceará, são 67 - 46 auditores, 13 técnicos e oito em outras funções. Para se ter noção, a Receita Federal possui quase 40 mil servidores no País, com 520 lotados só em Fortaleza. Se contrata quem arrecada, não quem fiscaliza como esse dinheiro é gasto.

 
[SAIBAMAIS]Órgão em baixa

 
Criada em decreto de 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a Controladoria-Geral da União foi formalizada em lei de 2003 pelo governo Lula (PT). De lá para cá, o órgão viveu altos e baixos e acabou extinto na reforma administrativa do governo Michel Temer (MDB), que incorporou o órgão ao Ministério da Transparência e CGU.

 
Logo na criação, a nova pasta já viveu onda de polêmicas. Primeiro ministro a assumir o órgão, Fabiano Silveira, ficou apenas 19 dias no governo, após aparecer em gravações do ex-dirigente da Transpetro, Sérgio Machado, criticando a Operação Lava Jato e dando orientações a Machado e ao senador Renan Calheiros (MDB) de como evitar implicações nas investigações.

 
De 2014 até 2016, o Orçamento do órgão passou de R$ 810, 4 milhões em receitas no primeiro ano a R$ 880,4 milhões no último. Em 2017 e 2018 o valor aumentou para R$ 985,1 milhões e R$ 1 bilhão, respectivamente, mas inclui na conta novas atribuições de transparência absorvidas com a criação do Ministério.

 
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Além da investigação de contratos e convênios firmados por entidades com a União, a CGU é responsável ainda pela avaliação da conduta de servidores públicos, coordenando desligamento por irregularidades. O órgão se destaca por atuar principalmente pela prevenção de desvios, antecipando problemas. 

 
"Precisaríamos ter um efetivo e um orçamento muito maiores, até porque nossas atribuições só têm aumentado. A edição da Lei de Acesso à Informação e a própria Lei Anticorrupção fizeram isso, ao jogar para a CGU a responsabilidade de tocar os acordos de leniência e responsabilização de empresas", explica Roberto Vieira Medeiros.

 
Em nota, o Ministério do Planejamento afirma que a realização de novos concursos segue restrita “em decorrência do ajuste fiscal”. “Dentro deste cenário, o Ministério poderá conceder novas autorizações, mas apenas em caráter excepcional, por medida de absoluta necessidade da administração e desde que asseguradas as condições orçamentárias”, diz.

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