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Manual de conversa com fascista é uma "ironia kierkegaardiana", responde Marcia Tiburi

09:38 | Jan. 26, 2018
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A escritora e filósofa Marcia Tiburi é cobrada por internautas após ter abandonado programa de rádio por causa da presença de Kim Kataguiri, dirigente do Movimento Brasil Livre (MBL). Como Kim, outros alegam que a escritora teria tomado atitude incoerente ao proposto pelo livro que escreveu, Como conversar com um fascista. Em resposta, a filósofa afirma que o título do livro esconde uma "ironia kirkegaardiana" (sic), sugerindo que o que propõe, na verdade, é o silêncio – ou não conversar.
 
Em tuíte, Kim Kataguiri alegou que Marcia Tiburi o considera "fascista" e que, portanto, "não leu o próprio livro". "Encontrei Marcia Tiburi na Rádio Guaíba, em Porto Alegre, iríamos debater. Assim que ela me viu, saiu correndo, horrorizada", disse Kim.
 
 
Autor do livro A corrupção da inteligência, o escritor Flavio Gordon argumenta que mesmo o título de "filósofa" condiciona Tiburi a permanecer em debate. "Esta senhora se diz filósofa, mesmo termo usado para definir Sócrates. Agora, vocês conseguem imaginar Sócrates fugindo à vista de um opositor intelectual ou político, sobretudo se bem mais jovem que ele?", questiona.
 
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Em comentário, um internauta também lembra a obra da filósofa. "Qual era o nome do livro mesmo? Como conversar com um fascista? Ora, se ela não consegue dialogar com quem ela considera fascista, algo tá errado nela como escritora."
Fazendo contraponto, outros defenderam a decisão de Tiburi, afirmando que a conclusão do livro é que não se deve conversar com fascistas. "Obviamente ninguém leu e não entendeu a ironia sobre conversar com fascista. Não há debate com fascista", disse um internauta. "No livro, a filósofa conclui que não existe diálogo possível com o fascismo. A pergunta que dá título ao livro é somente retórica, não conclusiva. Recomendo a leitura", explica outro.
 
Em carta aberta ao radialista Juremir Machado, que conduzia o programa da Rádio Guaiuba, Marcia Tiburi explica que "muitos não perceberam a ironia kirkegaardiana do título" de seu livro, "quando foi publicado", referindo-se ao filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard, em possível alusão ao conceito de ironia identificado em Sócrates de pantomima de ignorância sobre uma questão proposta ou de silêncio a uma pergunta sem reposta.
 
Nas primeiras páginas de seu livro Como conversar com um fascista, Marcia Tiburi responde a questão do título: “Existe um jeito de reunir os jogos, um elemento que constrói o ‘comum’: o diálogo. É preciso hoje em dia fazer filosofia com as pessoas. Insistir em uma ‘filosofia em comum’ que não seja o simples consenso, mas a coragem do diálogo. O diálogo não surge sem esforço. (...) Diálogo é a forma específica do ativismo filosófico”, diz a autora, nos Agradecimentos.
 
No primeiro prefácio do livro, Rubens Casara (que, segundo a autora, inspirou a obra), juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), se pergunta qual o “instrumento” para “confrontar o fascista” é “aquilo que para ele é insuportável”: “o diálogo, na melhor tradição filosófica atribuída a Sócrates”.
“Isso significa vomitar a serpente (metáfora da fábula do psiquiatra Franco Basaglia) capaz de conduzir nossas vidas ao fascismo e, o que é ainda mais difícil, ajudar o outro, aquele que identificamos como fascista, a destruir e vomitar a sua serpente. Talvez esse seja o objetivo do diálogo proposto pela filósofa”, responde Rubens.
 
No segundo prefácio, o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) corrobora a tese de que o diálogo é o caminho de enfrentamento dos “fascistas”. Segundo o parlamentar, “Marcia Tiburi propõe o diálogo como forma de resistência à banalização do mal a que assistimos atônitos, indiferentes ou indignados”. “É preciso insistir no diálogo com o fascista”, conclui.
 
Mais à frente, após explicação de que o diálogo é “uma prática de não violência” e que “a violência surge quando o diálogo não entra em cena”, Tiburi condena o “ódio do fascista”, que não o permite “perceber o ‘comum’ que há entre ele e o outro, entre o ‘eu e o tu’”, e que não causaria “uma abertura ao outro”. “Aquele que pensa que ele mesmo, o outro, a vida, a sociedade não podem ser diferentes não se abre ao diálogo. (...) O fascista não abraça.”
 
“Se o poder não sustenta o diálogo, e até mesmo o impede e evita, a questão seria, por exemplo, intensificá-lo. Ora, o diálogo, em todos os seus níveis, é indesejado nos sistemas autoritários. As personalidades autoritárias não o cultivam, são incapazes dele”, avalia Tiburi.
 
A justificativa, por outro lado, seria uma referência da filósofa, em sua carta a Juremir, ao prefácio de Rubens Casara. “O detentor da personalidade autoritária, fechado para o outro e com suas certezas delirantes, chama de diálogo ao que é monólogo”, escreve na carta. No prefácio de Como conversar com um fascista, Casara diz que a “forma democrática” depende da “abertura ao diálogo, da construção de diálogos genuínos — que não se confundem com monólogos travestidos de diálogos”.

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