Mundo caminha para queda na produção petrolífera, mas resiste em abandonar os fósseis

Mundo caminha para queda na produção petrolífera, mas resiste em abandonar os fósseis

Autor DW Tipo Notícia

Com mudanças climáticas, debate não gira mais em torno do fim do combustível, e sim sobre quando a produção mundial vai atingir seu pico: em dois ou 25 anos?O pico da produção mundial de petróleo já chegou a causar medo em formuladores de políticas, empresas e consumidores. É um momento à espreita em que o mundo poderia sugar as últimas gotas do ouro negro do solo – mais ou menos como quando o canudo chega ao fundo do copo de um milkshake. A ideia foi popularizada na década de 1950 pelo geólogo M. King Hubbert. Ele alertou que a produção de petróleo nos Estados Unidos seguiria uma curva em forma de sino e acabaria atingindo um pico inevitável enquanto os campos fossem amadurecendo e depois diminuindo. As mudanças climáticas inverteram essa narrativa nos últimos anos. Em vez de temer a escassez, o debate agora gira em torno de quando a demanda finalmente atingirá o pico, à medida que a transição para veículos elétricos (VE) e outras energias limpas ganha força. Ao mesmo tempo, a resistência política – desde atrasos nas proibições de carros com motor a combustão até a redução de subsídios para VEs — lança dúvidas sobre a velocidade dessa transição. Fornecer petróleo está mais difícil Há duas visões opostas sobre quando a demanda global por petróleo começará a declinar. A Agência Internacional de Energia (AIE), órgão com sede em Paris que representa as principais nações consumidoras de petróleo, projeta que a demanda se estabilizará em torno de 102 milhões de barris por dia (bpd) até 2030. Em seu relatório World Energy Outlook 2025 , publicado no mês passado, o principal "Cenário de Políticas Declaradas" da AIE projeta que os governos cumprirão metas ambiciosas de energia e clima. Mas a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) tem opinião oposta. Em sua mais recente perspectiva de longo prazo , o grupo de produtores prevê que a demanda continuará crescendo por décadas e não vê um pico antes de 2050, calculando que o consumo chegará a quase 123 milhões de bpd até meados do século. Por outro lado, as duas organizações têm a mesma preocupação implícita: está ficando mais difícil sustentar o fornecimento. A Opep acredita que o forte crescimento da demanda justificará investimentos contínuos para garantir reservas abundantes de seus membros por décadas. A AIE, por outro lado, apresenta uma perspectiva mais contida. Pressão de Trump Sob pressão do governo do presidente americano, Donald Trump , a AIE reintroduziu seu Cenário de Políticas Atuais mais conservador, que havia sido descartado em 2020. Ele tem como base leis vigentes e tendências observáveis que ficam muito aquém de quaisquer ambições climáticas. Esse cenário sugere que o crescimento da oferta deverá desacelerar após 2028, à medida que fontes não pertencentes à OPEP, como Estados Unidos, Brasil , Guiana e Canadá, diminuírem. Com isso, a oferta mundial passaria a depender dos países da Opep no Oriente Médio, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Iraque. A demanda por petróleo, por sua vez, poderia chegar a 113 milhões de barris por dia até 2050, caso as promessas climáticas não sejam implementadas, alerta a AIE. Franziska Holz, vice-chefe do departamento de energia, transporte e meio ambiente do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW Berlin), considera a retomada do cenário conservador pela AIE um "aspecto positivo", pois a medida prova que o mundo "não está no caminho certo para atingir nossas metas climáticas... [e] não está rápido o suficiente na substituição dos combustíveis fósseis em nossa matriz energética ". Holz ironizou que "os americanos provavelmente não tinham essa intenção" quando pressionaram a AIE a recuperar o cenário mais cauteloso. Novas descobertas em declínio Quando se trata do pico do petróleo, ambas as organizações apontam para o mesmo risco subjacente: o fornecimento de petróleo não vai se resolver sozinho. Os campos mais antigos estão diminuindo rapidamente e, sem investimentos contínuos, a produção dos locais existentes cairá cerca de 8% ao ano, alertou a AIE em novembro. São necessárias enormes quantidades de nova produção apenas para manter o fornecimento global estável. No entanto, a maior parte dos gastos é destinada a compensar o declínio dos campos envelhecidos, em vez de colocar em operação novas produções significativas. O setor petrolífero parece estar correndo apenas para permanecer no mesmo lugar: as descobertas de novos campos está em níveis historicamente baixos, cresce a dependência de poços de xisto e os poços de perfuração em águas profundas se esgotam rapidamente. Antonio Turiel, físico e pesquisador do Conselho Superior de Investigaçõess Científicas (CSIC) da Espanha, argumenta que o boom do fraturamento hidráulico nos EUA, motor do crescimento fora da Opep, já está se aproximando do esgotamento. Os melhores pontos de perfuração na Bacia do Permiano, no Texas e Novo México, já foram explorados e as taxas de declínio estão acelerando. "Após 15 anos intensos, estamos chegando ao fim da estrada do fraturamento hidráulico ", disse Turiel à DW. "Podemos manter a miragem por mais um ou dois anos, mas depois a queda será incrivelmente rápida.” Campos envelhecidos Turiel acredita que o mundo está se aproximando de um pico de produção mundial do petróleo muito mais cedo do que a maioria das agências está disposta a admitir, observando que 80% de todos os campos petrolíferos "já passaram do seu pico de produção". Além do xisto, ele acrescenta que o mundo tem sido excessivamente dependente de campos supergigantes envelhecidos para garantir estabilidade, cuja fase mais rápida de declínio está prestes a começar. "É muito provável que comecemos a ter quedas anuais acentuadas – cerca de 5% ao ano – mesmo antes de 2030", disse à DW. "Depois desse ponto, espere uma redução na quantidade bruta de petróleo extraído anualmente de cerca de 50% em 20 anos." Turiel destacou que, de 2020 a 2025, foi descoberta uma média de 3 bilhões de barris por dia – o equivalente 12 vezes menos do que o consumo global. E enquanto a Opep não prevê pico do petróleo e o pior cenário da AIE não vê uma queda antes de 2050, a linha do tempo de Turiel é contundente: "Provavelmente até 2027, mas certamente antes de 2030. E ainda mais cedo se ocorrerem alguns problemas geopolíticos indesejáveis." Poucos países estão cumprindo a transição para energia limpa Apesar de todo o debate sobre quando a demanda por petróleo atingirá o pico, a distância entre as promessas climáticas dos governos e as políticas que eles realmente implementam continua ampla e crescendo. Apenas alguns países construíram estruturas duradouras para acelerar a transição para energia limpa, incluindo as políticas de veículos elétricos da Noruega, a estratégia industrial de tecnologia limpa da China e as leis climáticas da União Europeia. Por outro lado, os EUA sob o presidente Donald Trump avançaram para expandir a produção doméstica de petróleo e gás, enfraquecer regulamentos climáticos federais e reduzir o apoio aos veículos elétricos – o que, segundo analistas, provavelmente retardará a transição global para longe dos combustíveis fósseis. Jeff Colgan, professor de ciência política na Universidade Brown, em Rhode Island, acredita que o governo Trump não apenas está desfazendo os esforços de seu antecessor, Joe Biden, para apoiar a política industrial verde nos EUA, mas tem "atacado" a ciência e as instituições do governo americano que fomentaram a política climática. "Isso tem implicações não apenas para a política ambiental dos EUA, mas terá efeitos em cascata em todo o mundo", afirmou. Autor: Nik Martin

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Tags

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar