Qual futuro esperar para o programa nuclear iraniano?
Diante da pressão dos EUA, ruptura com a AIEA e aliança com os Brics, Teerã redesenha estratégia atômica para o pós-ataques de 2025
O programa nuclear iraniano entrou em nova fase após os ataques coordenados por Israel e Estados Unidos. A ofensiva, que mirou instalações de enriquecimento de urânio, provocou uma resposta imediata de Teerã: fim da cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e ameaças de saída do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Mas afinal, qual futuro esperar para o programa nuclear iraniano?
Donald Trump na presidência dos Estados Unidos só elevou a temperatura do cenário. Trump já declarou que o Irã "jamais terá uma bomba nuclear enquanto estiver no poder", voltou a defender a legitimidade de ataques preventivos e ameaçou o regime dos aiatolás. Para especialistas, a postura americana empurra o Irã para uma rota de endurecimento e realinhamento geopolítico.
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"O país está em transição para uma estratégia de dissuasão mais robusta", afirma o professor Vladimir Feijó, doutor em Direito Internacional pela PUC-MG. “A blindagem virou prioridade, e o Irã sabe disso. Espera-se que fortaleça defesas e proteja suas instalações subterrâneas antes de qualquer nova etapa pública no enriquecimento de urânio.”
Desde o início do ano, o Irã reposiciona sistemas de defesa aérea em torno de áreas estratégicas como Fordow e Natanz. Os russos S-300 e os domésticos Bavar373 e Arman fazem parte do escudo defensivo. “Sem defesas, o urânio é apenas um alvo brilhante para os inimigos”, afirma Vladimir.
Fontes militares afirmam que o Irã usou menos de 25% do sistema de defesa nos ataques de abril. Para Feijó, o país talvez tenha esvaziado as instalações previamente ou poupado os equipamentos mais valiosos para eventuais fases futuras da escalada. A lógica parece ser de resistência gradual e não de confronto imediato.
Além do aparato convencional, Teerã aposta em subterrâneos, camuflagem e uma nova arquitetura tecnológica baseada em sistemas chineses — inclusive com abandono do GPS. Há especulações sobre a compra de caças J10-C da China, com possível entrega emergencial de até 40 unidades.
A cooperação com a Rússia, embora estratégica, é limitada. “A Rússia joga xadrez com o Irã, mas cada peça enviada ao Oriente Médio é um risco calculado contra a Ucrânia”, diz o professor. O Kremlin tem evitado fornecer caças Sukhoi ou sistemas S-400, preferindo atualizações de radar e softwares.
A ruptura com a AIEA marca a ruptura da última linha de transparência entre Teerã e o Ocidente. “Duvido muito que o Irã volte a cooperar com a agência para conter ofensivas. Isso não impediu antes e dificilmente impediria agora”, analisa Vladimir. A decisão contou com respaldo da diplomacia russa.
A possível saída do TNP seria a próxima etapa. Hoje, o Irã ainda é signatário do tratado, mas fontes diplomáticas indicam que a retirada está sendo debatida internamente. “O Irã olha para a Coreia do Norte e vê um escudo nuclear. Acho que o caminho norte-coreano é uma alta possibilidade”, diz Vladimir.
Atualmente, o Irã acumula cerca de 400 kg de urânio enriquecido a 60%, o que, segundo especialistas, pode ser convertido em até nove ogivas. Oficialmente, o país nega intenções militares, mas a ausência de inspeções e o avanço técnico alimentam o temor global.
O Aiatolá Khamenei veta o uso de armas nucleares por razões religiosas, mas essa barreira é mais política do que dogmática. “Com a reanálise das circunstâncias, vejo margem para flexibilizar o ditame religioso”, aponta Vladimir. A decisão caberia ao aiatolá ou ao Conselho dos Guardiões.
O programa nuclear, assim, torna-se um componente-chave de uma nova política externa iraniana. Teerã se aproxima cada vez mais dos Brics e foi protagonista na Cúpula do Rio de Janeiro, ao recusar a proposta de dois Estados para o conflito israelense-palestino e criticar a ordem global liderada pelos EUA.
Trump respondeu com mais ameaças. Em declarações recentes, afirmou que poderá impor tarifas e sanções a países que negociarem com o Irã e já criticou diretamente Brasil, China e África do Sul. As declarações causam mal-estar no G20 e podem ser uma ofensiva direta ao avanço diplomático dos BRICS.
Para Vladimir, o Irã apostará em duas linhas simultâneas: militarização defensiva e aliança estratégica com países fora da órbita ocidental. “O país blindará seu programa nuclear com bunkers e aliados. Mas sem diplomacia, será um castelo de areia sob mísseis”, afirma.
Se o Irã seguir para um programa com fins militares, a reação regional será imediata. A Arábia Saudita pode acionar acordos com o Paquistão. A Turquia pode reivindicar escudo nuclear da Otan ou iniciar projeto próprio. O Egito, até então não nuclear, pode reavaliar sua posição no TNP.
“Um Irã nuclear seria o gatilho de uma nova corrida armamentista no Oriente Médio, com consequências globais”, alerta Vladimir. A região entraria em estado de vigilância permanente, com aumento nos gastos militares e risco de confrontos por procuração.
Internamente, Teerã seguirá com a blindagem. Externamente, investe em projeção internacional. A combinação entre pressão ocidental e incentivo de aliados não ocidentais reforça a decisão de manter o programa em pé, mesmo sob risco de conflito.
“A estratégia mais provável é a retomada do programa apenas após consolidar a blindagem e a capacidade de dissuasão”, afirma Vladimir. Isso significaria mais meses ou até anos de fortalecimento defensivo antes de novos anúncios públicos sobre o enriquecimento de urânio, após os ataques israelenses e americanos evidenciarem a vulnerabilidade aérea do país.
A pergunta sobre o futuro do programa nuclear iraniano continua em aberto — mas os sinais apontam para uma nova etapa marcada por resistência, alianças alternativas e ruptura definitiva com o sistema ocidental de controle atômico.
Wilnan Custódio tem especialização em Ciência Política e é Graduando em Relações Internacionais e em Jornalismo