Sobreviventes de 'campos de estupro' na Bósnia pedem justiça 30 anos depois

Sobreviventes de 'campos de estupro' na Bósnia pedem justiça 30 anos depois

Zehra Murguz levou anos para revelar o que aconteceu com ela e outras mulheres muçulmanas nos "campos de estupro" administrados pelas forças sérvias durante a Guerra da Bósnia. 

Uma das memórias angustiantes que a levaram a apresentar provas foi ver uma menina de 12 anos "segurando uma boneca" sendo arrastada para um desses campos. 

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Murguz sentiu que falaria "em nome de todas as outras, daquela menina de 12 anos que nunca falará... que nunca foi encontrada". 

O horror começou para ela no verão de 1992, quando as forças sérvias tomaram a cidade montanhosa de Foca, e Murguz foi levada para o ginásio Partizan, um dos vários campos de estupro sob controle sérvio. 

Durante meses, dezenas de mulheres e meninas muçulmanas foram estupradas em grupo e forçadas à escravidão sexual. Outras foram vendidas ou assassinadas. 

Pelo menos 20.000 mulheres sofreram violência sexual na Bósnia quando a Iugoslávia entrou em colapso, na pior guerra da Europa desde 1945. A maioria das vítimas eram muçulmanas bósnias, mas sérvias e croatas também sofreram. 

Em 2001, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia tornou-se a primeira corte europeia a reconhecer o estupro como crime contra a humanidade, em uma decisão histórica contra três oficiais do exército sérvio-bósnio em Foca. 

Sobreviventes ávidas por justiça continuaram colhendo milhares de depoimentos, mas muitas permanecem em silêncio após mais de três décadas.

- "Agonia" -

Murguz, agora com 61 anos, apresentou uma denúncia para levar seu vizinho —  que ela chama de "o criminoso" — à Justiça em 2011, quando retornou à Bósnia após anos morando em Montenegro, Sérvia e Croácia. 

"Se eu não falar, será como se o crime nunca tivesse acontecido", disse a si mesma. Ele continuou morando em Foca e nem estava se escondendo, disse ela. 

Em 2012, ele foi preso e julgado em um tribunal local. 

Ir até lá foi "como voltar a 1992", à "agonia" daquela época, lembrou Murguz. Mas a condenação "o marcou com seu verdadeiro nome, criminoso de guerra", disse ela à AFP em uma oficina de costura em Sarajevo, administrada pelo grupo Vítimas da Guerra de Foca 1992-1995. 

Ao seu redor, outras sobreviventes costuram como uma forma de terapia coletiva. 

"Até o momento, apenas 18 sentenças foram proferidas por crimes de violência sexual cometidos em Foca", disse a presidente do grupo, Midheta Kaloper, de 52 anos. 

"Há três julgamentos em andamento. Já faz muito tempo, e as testemunhas estão esgotadas", acrescentou. 

Ela também foi vítima de um "crime indescritível e inexplicável" em Gorazde, "a pior tortura que uma garota pode suportar". 

Ela ainda espera que o suspeito seja julgado na Bósnia, não na Sérvia, onde mora. 

Mas Kaloper advertiu que as coisas "estagnaram" nos últimos cinco anos, com 258 casos e 2.046 suspeitos a serem julgados, segundo dados do Conselho Superior de Magistrados. 

Juízes bósnios julgaram 773 casos de crimes de guerra até o final do ano passado, mais de um quarto deles envolvendo violência sexual, segundo a missão de monitoramento da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que destacou a lentidão dos processos. 

"O que está nos matando é a duração excessiva desses processos", disse Kaloper. "Lutamos por 30 anos e nosso único sucesso real foi obter a lei para vítimas civis da guerra", declarou. A lei determina que sobreviventes devem receber uma pensão mensal de 175 a 350 euros (1.175 a 2.350 reais) 

No entanto, a lei se aplica apenas aos croatas-muçulmanos da Bósnia e não àqueles que vivem na República Sérvia e no pequeno distrito misto de Brcko (noroeste), que possuem sistemas judiciais diferentes. 

al-rus/cbo/fg/mas/zm/jc/aa

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