O que está por trás do recuo de Trump no tarifaço?

O que está por trás do recuo de Trump no tarifaço?

Autor DW Tipo Notícia

Presidente americano é acusado de tentar manipular o mercado e improvisar sua política tarifária. Casa Branca diz que suspensão é estratégia de negociação.O governo americano decidiu isentar na noite desta sexta-feira (11/04) a sobretaxa imposta pelo presidente dos EUA, Donald Trump, à importação de smartphones, computadores, dispositivos semicondutores, chips e outros produtos eletrônicos. O anúncio foi interpretado como uma tentativa de suavizar o impacto tarifário sobre as principais empresas de tecnologia dos EUA, incluindo a Apple, sediada na Califórnia, e a Dell, no Texas. Ambas dependem da produção externa de produtos eletrônicos. A isenção inclui até mesmo itens provenientes da China, que atualmente são atingidos por uma tarifa adicional de 145%, e foi elogiada por Pequim. No domingo (13/04), Trump esclareceu que tarifas de 20% impostas no início do ano como sanção para conter o tráfico de fentanil continuam valendo sobre estes produtos. "Esses produtos [...] estão apenas mudando para um balde tarifário diferente", afirmou. A mudança de orientação, que não foi justificada pelo governo, é o mais recente recuo da Casa Branca. Na quarta-feira (09/04), o presidente americano já havia pausado temporariamente as tarifas abrangentes impostas à maioria de seus parceiros comerciais. A decisão inesperada de suspender as sobretaxas horas após entrarem em vigor reverteu temporariamente uma queda histórica nas bolsas de valores ao redor do mundo. A mudança de rumo surpreendeu até mesmo o representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer. Ele participava de uma audiência no Congresso americano, justamente defendendo a imposição de tarifas, quando Trump fez o anúncio. "Parece que seu chefe acabou de puxar o tapete debaixo de você e suspendeu as tarifas", disse o deputado democrata Steven Horsford, de Nevada, na ocasião. No entanto, Washington defende que a suspensão era uma estratégia prevista, apesar de Trump ter defendido fortemente sua medida, e se trata de uma tática para recalibrar a economia mundial. Mercados se recuperaram rapidamente após anúncio As tarifas recíprocas de Trump entraram em vigor pouco depois da meia-noite de quarta-feira e fizeram os mercados despencarem. Logo após a abertura do pregão, o presidente publicou na rede Truth Social uma mensagem aos investidores. "Fiquem tranquilos! Tudo vai dar certo. Os EUA serão maiores e melhores do que nunca!", escreveu. "Esse é um ótimo momento para comprar", continuou. Horas depois, ele mudou de posição. Embora tenha mantido uma taxa universal de 10% sobre importações, as tarifas adicionais que chegavam a até 50% para alguns países foram suspensas. A notícia fez os mercados, que estavam em queda, dispararem — levando o índice americano S&P 500 ao seu maior ganho diário desde 2008 e o Nasdaq ao segundo melhor desempenho em quase duas décadas. Democratas pedem investigação sobre suspensão das tarifas Com a mudança disparada de posição, Trump passou a ser acusado de cometer insider trading e manipular o mercado. O insider trading, que é ilegal, refere-se à prática de comprar ou vender ações com base em informações não disponíveis ao público. Já a manipulação de mercado é definida mais amplamente como qualquer tentativa de influenciar o funcionamento livre do mercado com o objetivo de obter lucro. Esses comentários se espalharam por fóruns e redes sociais, especialmente de investidores que lucraram comprando ações durante a queda da quarta-feira. Na quinta-feira, o líder da minoria democrata na Câmara, Hakeem Jeffries, afirmou que o partido iria "exigir respostas e transparência". Os senadores democratas Adam Schiff e Ruben Gallego também solicitaram uma investigação para apurar se algum investidor tinha conhecimento prévio da decisão de Trump – e lucrou apostando na alta inesperada do mercado. Já a deputada democrata de Nova York, Alexandria Ocasio-Cortez, pediu que todos os membros do Congresso divulgassem todas as ações que tivessem comprado antes do anúncio de Trump. Em resposta, o porta-voz da Casa Branca, Kush Desai, disse ao jornal americano The Washington Post que é "responsabilidade do presidente dos Estados Unidos tranquilizar os mercados e os americanos quanto à segurança econômica, diante do alarmismo constante da mídia". Acontecimentos "sem precedentes" Até agora, não há evidências de que Trump tenha praticado qualquer uma dessas condutas. No entanto, Richard Painter, ex-advogado de ética do governo George W. Bush, afirmou à DW que os acontecimentos de quarta-feira foram sem precedentes. "Jamais tivemos um presidente falando diretamente sobre quando comprar ou vender ações", disse. "Nunca isso aconteceu quando o governo está prestes a anunciar mudanças significativas na política econômica." Painter defende uma investigação sobre "quem sabia dos planos do presidente em relação às tarifas, e se alguém fez negociações com base nessa informação." No entanto, é improvável que o Congresso — controlado pelos republicanos nas duas casas — ou a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA), que investiga insider trading, iniciem um inquérito. Tática de Trump "deixa o mundo na defensiva" Alguns analistas apontam o livro de Trump de 1987, "A Arte da Negociação", como um guia para sua atual abordagem tarifária. O próprio presidente já disse que sua estratégia fez outras economias virem até ele para renegociar acordos comerciais. Outros especialistas sugerem que a decisão de pausar as tarifas após a queda dos mercados revela uma estratégia econômica caótica. David Bieri, ex-banqueiro central e de investimentos e atualmente professor de economia no Virginia Tech, disse à DW que ainda é incerto o que a suspensão significará para os EUA e para a economia global — mas que seria simplista dizer que o governo está improvisando. Em vez disso, ele descreveu as ações como uma espécie de "sonar", em que Trump testa como o mundo reage à sua abordagem. "Na minha leitura, isso não é um recuo ou mudança de rumo", disse Bieri. "É apenas uma pausa estratégica, uma forma de domínio tático, ajustando constantemente as regras do jogo." "Na negociação, isso é muito comum — você estabelece o tom, e deixa os outros sempre na defensiva." Bieri acredita ser difícil acusar Trump de manipulação de mercado. Para ele, o plano do republicano é uma tentativa de reposicionar os EUA diante das mudanças em seu papel na economia global e do alto nível de endividamento do país. Após uma semana turbulenta nos mercados, muitos continuam tentando prever os próximos passos de Trump — especialmente com a escalada da guerra tarifária entre EUA e China. Se os EUA estão tentando redefinir seu papel econômico no mundo, Bieri alerta que isso pode abrir espaço para outras economias assumirem a liderança. "Se os EUA deixarão de cumprir esse papel, surge uma pergunta: quem vai ocupar esse vácuo de liderança global? Será a China? E qual será o papel da União Europeia?" Autor: Matthew Ward Agius

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