Petro versus petróleo: o debate econômico presidencial na Colômbia

Nunca foi uma história de amor: o candidato presidencial de esquerda, Gustavo Petro, enfrentou durante anos a indústria do petróleo da Colômbia em defesa do meio ambiente. Se chegar ao poder, pretende frear novas explorações de hidrocarbonetos em uma economia dependente dos mesmos.

O senador e ex-guerrilheiro de 62 anos, favorito nas pesquisas para as eleições de domingo, garante que sua primeira decisão como presidente será "o fim da contratação de exploração de petróleo na Colômbia".

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Petro abraçaria, assim, as demandas em favor da transição energética, quando, segundo a ONU, restam três anos para que o mundo consiga evitar um aquecimento desastroso do planeta.

No entanto, em meio à escalada nos preços do petróleo por causa da invasão da Ucrânia, as associações ligadas ao setor petroleiro se opõem e preveem perdas milionárias.

Petro pretende manter os quase 150 contratos vigentes para buscar novas reservas de petróleo. Contudo, no longo prazo, o desafio será substituir um setor que responde por um terço das exportações do país, com cerca de 13,5 bilhões de dólares em 2021.

Bloquear novas explorações implicaria "uma perda de 18 bilhões de pesos colombianos [cerca de 4,5 bilhões de dólares] de aportes fiscais entre 2022 e 2026", adverte a Associação Colombiana de Petróleo e Gás (ACP) em um relatório.

Além disso, a associação argumenta que a Colômbia perderia a capacidade de autossuficiência a partir de 2028, com custos adicionais milionários no serviço público.

A campanha de Petro defende sua proposta argumentando que o setor petroleiro já vive um declínio inevitável pelo esgotamento das reservas e que a emergência climática global exige ações urgentes.

"O que nós exportamos? Carvão, petróleo e cocaína. Os três produzem violência, não só a cocaína. Para extrair petróleo, matam comunidades", afirmou o candidato em meados de abril.

Álvaro Pardo, assessor de Petro para a transição energética, ameniza um pouco as palavras do candidato em conversa com a AFP: "Nunca dissemos que chegaríamos a zero hidrocarbonetos [...] A exploração de petróleo será reduzida gradualmente até o nível de um mínimo essencial".

O economista alega que a autossuficiência não está em risco, pois o país tem reservas comprovadas para os próximos oito anos e contratos que poderiam aumentar essas reservas "para, no mínimo, mais 15 anos".

"Há cinco anos chegamos a produzir um milhão de barris diários, hoje estamos na faixa entre 730.000 e 760.000 barris. Acredito que atingimos um pico e começamos a baixar", ressaltou Pardo.

Petro propõe incentivar o mercado de energias renováveis como a eólica e a solar, e "desacelerar" a extração de petróleo nos próximos 15 anos.

"É uma transição gradual, bem planejada", afirmou o assessor.

Contudo, substituir os rendimentos do petróleo na quarta maior economia da América Latina é uma façanha hercúlea.

A indústria e o agronegócio, dois setores apontados por Petro para compensar a perda de receitas do petróleo, teriam que duplicar sua capacidade de exportação para substituir os hidrocarbonetos na balança comercial, segundo o relatório mais recente do órgão oficial de estatísticas da Colômbia.

A proposta do candidato favorito nas pesquisas coincide com a concorrência para suprir a demanda em um mercado que vive momentos de tensão pela invasão russa da Ucrânia.

Na Argentina, o presidente de centro-esquerda Alberto Fernández previu um aumento na produção de petróleo de até 70% nos próximos cinco anos, e promoveu o país como um "futuro fornecedor estável de energia" durante uma viagem recente à Europa.

Por sua vez, o presidente em fim de mandato da Colômbia, Iván Duque, garante que a produção poderia aumentar para até dois milhões de barris diários em quatro anos.

Duque defendeu o polêmico "fracking" - que está suspenso por uma disputa judicial com ambientalistas - e a perfuração nos mares de seu litoral. Também tacha de "populista" a proposta energética de Petro, seu maior opositor.

Já o candidato de esquerda e ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, prefere se distanciar da proposta do candidato colombiano, embora faça parte do mesmo campo político.

"Veja, eu acho que o Petro tem o direito de fazer todas as propostas que ele quiser fazer. Mas no caso do Brasil é irreal. No caso do mundo é irreal. Você ainda precisa do petróleo por um tempo", disse Lula - favorito nas pesquisas para as eleições presidenciais de outubro - em entrevista à revista Time.

Na corrida presidencial colombiana, o candidato da direita, Federico Gutiérrez, e o empresário Rodolfo Hernández, dois adversários potenciais de Petro em um eventual segundo turno, possuem vínculos com a indústria do petróleo.

"Se há uma lição que a guerra na Ucrânia e a incerteza energética da Europa podem nos dar, é que o mundo vai continuar necessitando de petróleo e gás durante muitos anos", disse Francisco Lloreda, presidente da ACP, em entrevista ao jornal El Tiempo.

A campanha de Petro, no entanto, insiste: "Vamos desescalar [as explorações de petróleo e gás] porque é o mais razoável frente à crise climática, porque os recursos estão decaindo e, essencialmente, precisamos iniciar uma transição energética", enfatizou Álvaro Pardo.

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