O que mudou no Brasil 5 anos após o afastamento de Dilma

Autor DW Tipo Notícia
PIB per capita é menor que antes do impeachment, desigualdade e pobreza estão em alta, e democracia se deteriorou, mostram índices. Bolsonaro e pandemia marcaram o período.Em 12 de maio de 2016, o Senado Federal afastava a então presidente Dilma Rousseff do cargo para dar continuidade ao seu processo de impeachment, concluído pouco mais de três meses depois.A petista caiu por liberar créditos suplementares sem o aval do Congresso e atrasar o repasse de verbas a bancos que executam políticas públicas, com o objetivo de melhorar artificialmente as contas do governo, as chamadas pedaladas fiscais. O impeachment, porém, teve como pano de fundo outros motivos: recessão econômica intensa, enorme escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras, protestos de rua embalados pela Operação Lava Jato e falta de apoio político no Congresso.Dilma recebeu a notificação da decisão do Senado pela manhã, fez um último discurso com ministros e aliados dentro Palácio do Planalto, recebeu flores e mensagens de apoiadores e seguiu para a residência oficial. Apesar da insistência da petista em dizer que reverteria a decisão, havia entre seus correligionários um ar de derrota e melancolia.Algumas horas depois, sem cruzar com Dilma, Michel Temer entrou no palácio e assumiu o cargo de presidente. No mesmo salão, agora repleto de políticos que não frequentavam o local desde o governo Fernando Henrique Cardoso, como líderes do DEM e do PSDB, e de outros que haviam mudado de lado, Temer deu posse ao seu novo ministério em clima de triunfo e excitação.Nesses cinco anos, que abrangem a eleição de um presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, e a eclosão de uma pandemia mundial, o Brasil ainda não retomou o nível econômico que tinha no início da década passada, viu a pobreza e a desigualdade aumentarem e seus fundamentos democráticos se erodirem. A seguir, alguns números e explicações sobre o que aconteceu no país nesse período:Economia fracaUm dos motivos da queda antecipada de Dilma foi a recessão iniciada em 2015, no primeiro ano de seu segundo mandato, quando o PIB encolheu 3,8% em relação ao ano anterior. Em 2016, houve nova retração na economia, de 3,6%.Foi a pior recessão da história do Brasil, provocada, entre outros motivos, por diminuição de investimentos, erosão dos fundamentos econômicos, crise de confiança, instabilidade política, escândalo da corrupção na Petrobras e fim do ciclo das commodities.De 2017 a 2019, houve leve recuperação, com crescimento anual próximo de 1%, insuficiente para recuperar o terreno perdido e não sustentada no longo prazo. No início de 2020, no governo Bolsonaro e antes da pandemia, o país já estava entrando em recessão novamente.O pânico global provocado pela covid-19 e restrições à movimentação de pessoas acentuaram a recessão em 2020, quando o PIB caiu 4,1%. O resultado só não foi pior devido a generosos gastos públicos com o auxílio emergencial e apoio a empresas e a estados.O desempenho pífio do PIB nos últimos anos fica mais evidente quando ele é dividido pelo número de habitantes do Brasil e atualizado pela inflação. O PIB per capita, atualizado para valores de 2020, foi de R$ 35,2 mil no ano passado, 11% menor do que o de 2012, quando era de R$ 39,6 mil.O economista Claudio Considera, pesquisador associado do FGV-IBRE e ex-secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda (1999-2002), vê nesse dado uma "nova década perdida" no país. "A economia vinha crescendo em torno de 1%, e em 2019 ainda não havia se recuperado da recessão. Ainda estávamos devendo, e quando veio a pandemia acabou de vez", diz.Ele avalia que a recessão de 2015-2016 se deveu majoritariamente a decisões econômicas erradas tomadas durante o governo Dilma, e que o governo Temer perdeu fôlego rapidamente para reverter o quadro após a divulgação de uma conversa do então presidente com o empresário Joesley Batista.A vitória de Bolsonaro, assessorado na área econômica por Paulo Guedes, pró-mercado e entusiasta de reformas, fez alguns analistas apostarem que o país seria beneficiado por um grande fluxo de investimentos, o que logo se mostrou uma ilusão. "As pessoas acham que as reformas virão e que o crescimento ocorrerá naturalmente, mas isso não acontecerá, ainda mais com confusão política todo dia, com um presidente ameaçando o Supremo", diz Considera.Ele afirma que o Brasil só conseguiria retomar um crescimento significativo e sustentável se houver maior intervenção do governo na economia, "não no estilo Dilma, criando empresas", mas com investimentos em obras de infraestrutura, que geram empregos, renda e criam um círculo virtuoso. Esse plano, porém, só seria viável quando for superada a "balbúrdia política" que ele identifica na atual gestão.Mais desigualdade e pobrezaA trajetória da desigualdade, medida pelo índice de Gini, também é de piora nos últimos anos. Quanto mais próximo de 1 estiver o índice, mais desigual é a distribuição da renda.O Gini atingiu sua mínima da série história em 2015, com 0,525. Em 2016, ano do afastamento e posterior impeachment de Dilma, e sob efeito da recessão econômica, acelerou para 0,538 e seguiu crescendo até 2018, quando atingiu 0,545. Em 2019, oscilou para 0,543. O dado para 2020 ainda não está disponível.Bruno Lazzarotti, pesquisador da Fundação João Pinheiro e coordenador do Observatório das Desigualdades, afirma que o Gini caiu até 2015 por uma combinação de fatores, entre eles os aumentos reais do salário mínimo, que funciona também como referência para outras rendas como aposentadoria e Benefício de Prestação Continuada, e a expansão do mercado de trabalho em setores intensivos em mão de obra, como construção civil."Isso não transferiu renda do topo, mas aumentou a renda relativa da base da distribuição. Você eleva a renda dos mais pobres, ainda que não tenha retirado renda dos mais ricos", diz. A trajetória foi também favorecida por políticas de proteção do mercado de trabalho, como a PEC das Domésticas, que entrou em vigor em 2013.A tendência de queda do Gini se inverte na recessão de 2015-2016, que é regressiva. "Os setores mais ricos têm melhores meios de proteger sua renda", afirma. A piora foi acentuada pela alta da inflação no início do segundo mandato Dilma, que afeta com mais severidade os mais pobres.A desigualdade seguiu em alta nos anos seguintes, como resultado de crescimento fraco, redução dos investimentos públicos, flexibilização do mercado de trabalho, redução dos gastos com o Bolsa Família e outras políticas sociais e turbulência política, diz Lazzarotti. A leve queda do Gini em 2019, segundo ele, pode ser consequência de um breve reativamento do mercado do trabalho ou apenas uma estabilização nesse patamar mais alto de desigualdade.A projeção do Gini para 2020, antes que os dados sejam divulgados, é uma tarefa difícil. Se por um lado a pandemia derrubou a economia e a renda das famílias, o auxílio emergencial reduziu a pobreza e a desigualdade. "Será um ano ruim para avaliar a média", afirma. A ausência do auxílio emergencial nos três primeiros meses de 2021 e a sua retomada com um valor bem inferior apontam para uma alta da desigualdade neste ano, diz Lazzarotti.Por motivos semelhantes, a pobreza também apresenta trajetória de alta a partir de 2015, e cai de forma abrupta durante a pandemia por causa do auxílio emergencial. Mas a redução à metade do valor do benefício nos últimos quatro meses de 2020, seguida pela sua interrupção por três meses em 2021 e a retomada com um valor ainda mais baixo, em um momento em que o mercado de trabalho e a economia ainda estão frágeis, deve levar a uma alta considerável da pobreza neste ano, segundo o pesquisador. "É um choque terrível, e de uma hora para outra a realidade mais cruel se impõe", diz.Democracia deterioradaOutro aspecto no qual o Brasil experienciou muitas mudanças nesses últimos cinco anos foi a qualidade de sua democracia, que já vinha se deteriorando desde 2015 e piorou com a eleição de Bolsonaro, segundo índices elaborados por pesquisadores.O instituto V-Dem, sediado na Suécia, produz indicadores relacionados à qualidade da democracia e da liberdade para cada país. Um deles é o índice de democracia liberal, que combina aspectos como qualidade das eleições, direitos individuais, liberdade de imprensa e de associação, capacidade de instituições controlarem o governo, respeito à lei e independência do Judiciário. Quanto mais próximo de 1, melhor a condição da democracia no país.O Brasil tinha uma pontuação de 0,789 em 2012, começou a cair em 2013, para 0,795, desceu a 0,626 em 2017 e em 2020 pontuou 0,511. No seu relatório do ano passado, o V-Dem destacou que o Brasil estava entre os dez países com com a maior piora nesse índice, acompanhado da Índia e da Turquia.O padrão é semelhante nessas nações, segundo o instituto: "O governante no poder primeiro ataca a mídia e a sociedade civil, polariza as sociedades desrespeitando oponentes e espalhando informações falsas, e aí então passa a enfraquecer as instituições formais."O índice de liberdade acadêmica, que mede a liberdade para professores e pesquisadores desenvolverem seu trabalho sem ameaças ou restrições, também caiu drasticamente nesse período no Brasil: de 0,929 em 2013, para 0,442 em 2020.O professor José Álvaro Moisés, coordenador do Grupo de Pesquisa Qualidade da Democracia do IEA-USP, afirma que a crise na democracia brasileira relaciona-se a problemas estruturais de representatividade no seu sistema político. Para piorar, o impeachment de Dilma, apesar de "baseado em decisões legais e do Congresso", "dividiu completamente o país". Essa polarização foi explorada nas eleições de 2018, vencidas por um presidente de extrema direita "que é uma ameaça permanente à democracia" e vem agindo para tentar coibir a liberdade de expressão, segundo ele."É um governo autoritário, distante da ciência e do pensamento crítico", afirma Moisés, com reflexos também no ambiente acadêmico, como redução da autonomia das universidades federais na escolha de reitores e pressões contra pesquisadores e professores críticos ao governo.Autor: Bruno Lupion

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