Colégio francês não receberá nome de professor decapitado

Autor DW Tipo Notícia
Docente de história Samuel Paty foi assassinado por um islamista em outubro de 2020. Diversas escolas da França estão sendo rebatizadas com seu nome. Mas há também resistência, revelando divisão na sociedade francesa.Ninguém quer mais falar à imprensa no Collège des Eucalyptus, na cidadezinha de Ollioules, no sul da França, próximo à costa do Mediterrâneo. Sandra Olivier, professora de matemática e membro do sindicato dos docentes SNES-FSU rejeitou a consulta da DW para uma entrevista, com uma mensagem de texto: "Gostaríamos de recuperar a atmosfera pacífica".O prefeito local, Robert Beneventi, do partido de centro-direita Os Republicanos (LR), também recusou o pedido. Dele fora a ideia de rebatizar a escola de nível médio com o nome de Samuel Paty, professor de história decapitado por um radical islâmico perto de Paris, em outubro de 2020. Porém ele teve que desistir dos planos diante da resistência de professores, pais e alunos.O caso tem gerado debate acalorado e mostra como a sociedade francesa está dividida, no que diz respeito ao secularismo. "Eu queria homenagear esse professor, morto de maneira tão atroz", declarou Beneventi recentemente no canal de TV regional France 3. "Teria sido um símbolo importante para a nossa república."O assassino, identificado como de origem tchetchena, decapitou Paty, de 47 anos, depois de este ter mostrado uma caricatura do profeta Maomé em classe. O desenho era da revista satírica Charlie Hebdo, atacada em janeiro de 2015 por atiradores, que deixaram 12 mortos na redação e proximidades."Não queremos virar alvo"Mas para que o Collège des Eucalyptus troque de nome, o conselho escolar tem que concordar. E, depois que uma enquete online revelou que a maioria do grêmio formado por professores, pais e alunos era contra a iniciativa, o prefeito teve que desistir de seus planos.Numa entrevista à France 3, a professora Olivier justificou a recusa: "Claro que queremos honrar o nosso colega, mas não assim. Isso nos transformaria em alvo. E devemos evitar tal coisa."A docente acrescentou que Paty não tinha qualquer conexão com o lugarejo de 13 mil habitantes. Além disso, a rua do colégio já fora rebatizada como "Arnaud Beltrame", policial morto por um atirador extremista após tomar o lugar de um refém num ataque a um supermercado de Trebes, em 2018."Dar à nossa escola o nome de Paty acrescentaria outro tributo em cima desse, e conferiria a este local uma conotação muito triste, embora crianças venham aqui todos os dias", argumentou."Escolha entre a guerra e a desonra"A notícia da recusa, contudo, desencadeou reações iradas. Alguns a classificaram como uma "rendição voluntária diante do perigo" e "uma desgraça". Iannis Roder, diretor do observatório de educação da Fundação Jean Jaurès, de tendência esquerdista, critica os professores por cederem ao medo. "Os islamistas estão vencendo a batalha pelas ideias, já que os professores sequer estão se apresentando para a luta", disse à DW.Uma consulta recente do instituto de pesquisas Ifop, encomendada pela Fundação Jaurès e o Charlie Hebdo, registra um certo grau de apreensão entre os professores: 42% dos entrevistados admitiu ter-se autocensurado pelo menos uma vez em classe ao falar de religião, a fim de evitar problemas."Entendo que as pessoas não queiram arriscar suas vidas, mas desde os atentados de 2015 nós não vivemos na bolha de segurança em que estivemos por 70 anos", comentou Roder, que ensina história na comuna de Saint-Denis, ao norte de Paris, acrescentando: "E funcionários públicos têm o dever de defender os valores da república."Para reforçar, o docente citou um discurso de Winston Churchill no Parlamento britânico, em 1938: "Vocês tiveram a escolha entre guerra e desonra. Vocês escolheram a desonra, e vão ter guerra."O futuro primeiro-ministro se referia ao Tratado de Munique, através do qual o Reino Unido, França e Itália cederam o território dos Sudetos à Alemanha de Adolf Hitler. Porém o acordo não impediu que o regime nazista iniciasse a Segunda Guerra Mundial.Do secularismo à estigmatização do islãPor sua vez, Mihaela Alexandra Tudor, que ensina sociologia da mídia na Universidade Paul Valéry Montpellier 3, no sul da França, vê na recusa dos professores e pais um sintoma do cisma crescente dentro da sociedade francesa."A população está perdendo a fé nos políticos e acha que eles estão usando símbolos, como rebatizar escolas, para promover suas próprias carreiras, mesmo que isso exponha professores e alunos a perigos. Além disso, ninguém mais parece concordar com a definição ultraestrita de secularismo da França, alguns acham que seu único objetivo é estigmatizar o islã. Precisamos urgentemente atualizar essa definição."Tudor crê que um projeto de lei sobre os valores republicanos, atualmente em trâmite no Parlamento, pode ser pelo menos o começo de uma discussão nacional sobre o tópico.No entanto, há quem objete que a legislação vai estigmatizar ainda mais os muçulmanos: a lei prevê endurecer o controle sobre mesquitas e imãs; além disso, ameaçar ou intimidar funcionários públicos poderá acarretar multa e pena de prisão.Diferença crucialPelo menos por enquanto, contudo, Ollioules aparentemente é uma exceção. A cidade de Béziers, 300 quilômetros mais a oeste, reformará uma escola primária para reabri-la no fim de 2022 sob o nome de Samuel Paty. Cap d'Ail, cerca de 180 quilômetros a leste de Ollioules, também rebatizou a Escola Primária Saint Antoine em homenagem ao professor assassinado, apenas alguns dias após o atentado.A placa com o novo nome será inaugurada em junho. Segundo o prefeito local, Xavier Beck, tratou-se de uma decisão óbvia – apesar de uma petição online contrária, com mais de 300 assinaturas. Entretanto, "temos que defender a nossa civilização e democracia, proclamando alto nossos ideais. Precisamos defender nosso terreno diante do terrorismo", afirmou.Do ponto de vista burocrático, contudo, há uma diferença crucial em relação a Ollioules: no caso de escolas primárias, as prefeituras não necessitam do aval dos conselhos escolares para uma mudança de nome.Nesse ínterim, o prefeito Beneventi anunciou que ainda pretende prestar tributo a Samuel Paty em sua cidade, conferindo o nome do professor vítima de atentado a uma outra localidade – só que não será uma escola de ensino médio.Autor: Lisa Louis

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