Ano Novo tranquilo na Inglaterra dá espaço para respirar depois do Brexit

Um fluxo constante de caminhões saiu de balsas e trens nos dois lados do Canal da Mancha na sexta-feira, um dia tranquilo de Ano Novo após uma mudança sísmica nas relações entre a União Europeia e a Inglaterra. A movimentada rota de mercadorias entre o sudeste do país e o noroeste da França está na linha de frente das mudanças, agora que o Reino Unido deixou totalmente o abraço econômico do bloco de 27 países, o estágio final do Brexit.

"Para a maioria dos caminhões, eles nem notam a diferença", disse o porta-voz do Eurotúnel, o túnel ferroviário que transporta veículos sob o Canal da Mancha, John Keefe. "Sempre houve o risco de que, se isso acontecesse em um momento movimentado, pudéssemos encontrar algumas dificuldades, mas está acontecendo durante a noite, em um feriado bancário e em um fim de semana prolongado."

A Inglaterra deixou o vasto mercado único do bloco europeu para pessoas, bens e serviços às 23h de Londres, meia-noite em Bruxelas (21h de Brasília) nesta quinta-feira, 31, na maior mudança econômica que o país experimentou desde a Segunda Guerra Mundial. Um novo acordo comercial entre Reino Unido e União Europeia trará novas restrições e burocracia, mas, para os defensores britânicos do Brexit, significa retomar a independência do bloco europeu e da sua teia de regras.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, cujo suporte ao Brexit ajudou a empurrar o país para fora da União Europeia, afirmou que foi um "momento incrível para o país". "Temos a nossa liberdade em nossas mãos, e depende de nós aproveitá-la ao máximo", disse, em uma mensagem de vídeo de Ano Novo.

A ruptura ocorreu 11 meses depois de um Brexit político que deixou ambos os lados no limbo de um "período de transição" no qual as regras da União Europeia continuaram a se aplicar ao Reino Unido. O acordo comercial selado na véspera do Natal, após meses de negociações tensas, garante que a Inglaterra e a União Europeia possam continuar a comprar e vender produtos sem tarifas ou cotas. Mas as empresas enfrentam uma série de novos custos e papelada, incluindo declarações alfandegárias e verificações de fronteira.

O Porto de Dover, no Canal da Mancha, e o Eurotúnel enfrentaram atrasos quando as novas medidas passaram a valer. A rota de abastecimento vital ficou bloqueada por dias depois que a França fechou sua fronteira para caminhoneiros do Reino Unido por 48 horas na semana passada, em resposta a uma variante de rápida disseminação do coronavírus identificada na Inglaterra.

A pandemia e um fim de semana com feriado significaram trânsito fraco através do Canal na sexta-feira. A Inglaterra também adiou por vários meses a imposição de controles alfandegários completos para que as empresas possam se ajustar. "Os sistemas de fronteira e a infraestrutura de que precisamos estão em vigor e estamos prontos para o novo começo do Reino Unido", afirmou o governo britânico.

Novos controles também foram implementados em todo o Mar da Irlanda. Uma dúzia de caminhões saiu da primeira balsa para chegar ao Porto de Dublin do País de Gales antes do amanhecer, liberando as novas inspeções alfandegárias em atrasos.

"Evitamos o tipo de ruptura dramática de um Brexit sem acordo comercial, mas isso não significa que as coisas não estão mudando de um jeito muito fundamental, porque estão", disse o ministro do Exterior da Irlanda, Simon Coveney. "Agora, veremos os 80 bilhões de Euros (US$ 97 bilhões) em comércio entre a Inglaterra e a Irlanda interrompidos por muito mais inspeções alfandegárias e declarações, burocracia e papelada, além de custos e atrasos."

O Brexit também pode ter grandes repercussões constitucionais para o Reino Unido. A Irlanda do Norte, que faz fronteira com a Irlanda, país membro da União Europeia, continua mais intimamente ligada à economia do bloco europeu sob os termos do divórcio. Enquanto as mercadorias vão continuar a fluir livremente através da fronteira terrestre da irlandesa, haverá novos procedimentos para o comércio entre Irlanda do Norte e o restante do Reino Unido. A longo prazo, isso pode afastar a Irlanda do Norte do resto do Reino Unido, rumo ao seu vizinho do Sul.

Na Escócia, que votou fortemente pela permanência na União Europeia em 2016, o Brexit reforçou o apoio à separação do Reino Unido. A primeira-ministra pró-independência do país, Nicola Sturgeon, tuitou: "A Escócia em breve estará de volta, Europa. Mantenha a luz acesa."

Líderes europeus também lamentaram a saída da Inglaterra do bloco. "O Reino Unido continua sendo nosso vizinho, mas também nosso amigo e aliado", disse o presidente da França, Emmanuel Macron, no seu discurso de Ano Novo. "Essa escolha de deixar a Europa, esse Brexit, foi fruto do mal-estar europeu e de muitas mentiras e falsas promessas."

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