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No México, homens se reabilitam do machismo para erradicar violência de gênero

No México, dez mulheres são mortas por dia em crimes de feminicídio. Entre 2015 e 2019, o crime aumentou em 136%
09:11 | Mar. 08, 2020
Autor AFP
Tipo Notícia

"Sou Jaime. Esta semana cometi violência verbal e emocional contra minha companheira. Estou aqui para apoiar e ser apoiado", diz este mexicano de meia idade, que ouve um uníssono "eu te apoio" após dar seu relato a uma dezena de homens reunidos na Cidade do México.

Em uma improvisada sala de terapia, em um casarão no bairro de Roma, centro da capital mexicana, Jaime e outros homens como ele, com idades entre 20 e 70 anos, fecham os olhos, inspiram e expiram. Em seguida, põem a mão sobre o coração enquanto, em um exercício de honestidade, refletem sobre as violências que praticam contra as mulheres e as consequências que acarretam.

A crise de feminicídios que vive o México, onde diariamente são assassinadas dez mulheres, choca a sociedade, levando cada vez mais homens a questionarem o machismo arraigado dominante e tentar erradicá-lo.

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"Nunca fui violento fisicamente com uma mulher, mas sim de outras formas: emocionalmente, verbalmente e sexualmente porque alguma vez fui infiel. Isso me fez me reconhecer e querer me transformar", diz à AFP este arquiteto de 63 anos, que esconde seu sobrenome para proteger sua família.

Jaime chegou à consultoria Gênero e Desenvolvimento (Gendes) há dois anos por recomendação de sua companheira após enfrentar uma crise conjugal. Fundada em 2009 - embora realizasse um trabalho prévio de seis anos -, a Gendes realiza pesquisas e ativismo com vistas a reabilitar homens machistas.

"O masculino sempre foi associado com a violência, o domínio e a força. Mas atualmente isto está mudando, as novas masculinidades propõem a ideia de promover o tratamento igualitário entre homens e mulheres", explica Mauro Vargas, diretor da Gendes.

O psicoterapeuta e palestrante tenta com que os homens que vão às suas reuniões - cerca de 1.200 por ano no México, segundo seus dados - compreendam e enfrentem os diferentes tipos de violência contra a mulher: sexual, física, econômica, verbal e cibernética, com perspectiva de gênero.

A causa feminista alcançou o topo da agenda no México depois de vários anos de negligência governamental e autoridades ineficazes, uma situação que persiste no governo de Andrés Manuel López Obrador.

Centenas de mulheres têm ido às ruas exigindo empatia e ações concretas para deter os feminicídios, que dispararam 136% entre 2015 e 2019, segundo cifras oficiais.

Entre os brutais crimes no mês passado, o cometido contra Ingrid Escamilla, de 25 anos, esfaqueada e degolada pelo companheiro, e o de uma menina de sete anos, sequestrada para a prática de abuso sexual e depois assassinada, foram a gota d'água. 

Para Vargas, condutas cotidianas como assobiar nas ruas, grupos de WhatsApp onde se compartilham fotos de mulheres nuas ou comentários sexistas sobre colegas de trabalho perpetuam esquemas de desigualdade que culminam na violência machista que as mexicanas enfrentam hoje.

Nas terapias, os homens "desaprendem o que a sociedade lhes ensinou, que estão dentro de um entorno machista e misógino", acrescenta o especialista. Embora não haja dados precisos de quantos são, este e outros grupos que exploram novas masculinidades se multiplicam no México tentando analisar o que significa ser homem atualmente e romper com a cultura patriarcal.

Em espaços pouco convencionais, como galerias de arte ou livrarias, homens, convocados em sua maioria pelas redes sociais, se reúnem espontaneamente para discutir seu papel diante do avanço do feminismo.

Mas os homens podem se dizer feministas?

Para Arturo Reyes, um psicólogo de 29 anos que atua como instrutor na Gendes, a resposta é não. "Há aliados do feminismo, mas não há homens feministas, a luta é só das mulheres", explica Reyes, para quem o machismo não é uma doença, mas "uma decisão cultural".

"Um macho em reabilitação é um homem em desconstrução", acrescenta. Os participantes sabem e lutam por reconhecer e modificar o machismo, um mal arraigado e até celebrado na sociedade mexicana.

No casarão de Roma, os homens que fazem terapia fixam o olhar no chão; depois levantam a cabeça, soltam o corpo e ganham força para compartilhar com outras experiências. Destaca um homem roliço que, nervoso, admite ter violentado seu filho.

Para Reyes, a maior satisfação de orientar estes homens reabilitados chega quando, ao final da terapia, alguns deles o abraçam e dizem: "Obrigada por essas sessões. Minha esposa e filhos hoje podem se aproximar sem medo."

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