Como sobreviver à mercantilização do futebol?
O St. Pauli, do norte da Alemanha, é o clube que mais bem representa o dilema entre engajamento social e futebol competitivo. Sua torcida teme que, com eventual subida à primeira divisão, perca-se a identidade popular.De todos os clubes que atualmente disputam a segunda divisão da Bundesliga, o FC St. Pauli provavelmente é aquele que mais bem representa o dilema entre engajamento social e futebol competitivo, talvez só comparável, com ressalvas, ao Union Berlin.Acontece que o ativismo do clube berlinense é mais domesticado, familiar até, do que aquele praticado pelo seu rival da cidade de Hamburgo. Já no que diz respeito à sua competitividade futebolística, parte da torcida do St. Pauli, assim como a do Union Berlin, teme que, com uma eventual subida à primeira divisão, os clubes percam sua identidade popular em favor do sucesso comercial a qualquer custo.Boa parte de sua história das últimas décadas o St. Pauli passou na segunda divisão. Marcou presença na divisão de elite em apenas oito temporadas. A primeira vez foi em 77/78. Não aguentou o tranco, ficou em último lugar e foi rebaixado para a "segundona" novamente.Seguiram-se mais quatro rebaixamentos, em média um por década. Sua presença mais longeva no futebol de elite foi de 1988 a 1991, sendo que em 1989 terminou o campeonato em décimo lugar. Até hoje sua melhor colocação na tabela da Bundesliga.Seu último rebaixamento foi em 2011 e, desde então, vagueia com altos e baixos na segunda classe do futebol alemão e fica oscilando nas posições intermediárias da tabela.Em compensação, se faltou competência para ocupar uma cadeira cativa na Bundesliga, sobrou consciência política e social.Como escreve o jornalista Leandro Vignoli no seu livro À sombra de gigantes, enquanto a torcida do arquirrival Hamburgo era infiltrada por hooligans neonazistas na década de 80, muitos torcedores do St. Pauli se engajavam na luta dos sem teto contra as arbitrariedades da polícia.Graças à forte atuação de grupos de torcidas organizadas desde os anos 90, como por exemplo o Pro Fans, manifestações racistas e sexistas foram banidas do seu lendário estádio Millerntor. Deste modo, o St. Pauli se tornou o primeiro clube na Alemanha a proibir gritos de guerra, cânticos, faixas e banners que tenham viés preconceituoso. Está registrado oficialmente nos estatutos do clube. Outra expressão desta "Fankultur" progressista é a caveira, emblema tradicional e secular da pirataria que a torcida utiliza como símbolo do "pobre contra o rico". No caso, o pobre seria o St. Pauli que ano após ano luta com problemas financeiros, e o rico sendo representado pelos clubes todo-poderosos e multimilionários como Bayern Munique, Borussia Dortmund e Hamburgo. Andreas Rettig, o principal executivo do clube, reconhece a importância dos valores que marcaram a história recente do clube e dos quais não se pretende abrir mão."Os valores do clube são muito importantes. Não aceitamos propostas de patrocínio de empresas cujos valores não coincidem com os nossos".De outro lado, o dirigente sabe que um clube de futebol não funciona nem sobrevive em nível profissional sem comercialização.Poderia se pensar que a torcida do St. Pauli é homogênea, descendente direta do cenário "punk" dos anos 80 com sua militância contra homofobia, racismo, capitalismo selvagem e neonazismo. Essa turma subsiste firme e forte, mas em número menor. Calcula-se que represente não mais do que 25% da torcida que costumar lotar o Millerntor-Stadion, com capacidade para quase 30 mil espectadores.Esses torcedores ocupam a famosa "Südkurve" (curva sul) do estádio com inscrições, faixas e banners repletos de alusões ao seu ativismo. Uma delas diz "Nenhum homem é ilegal", clara demonstração política a favor dos refugiados.Atualmente, porém, a maioria da torcida é composta por pessoas comuns que vão ao estádio com seus familiares e amigos. São da classe média e ganham um salário líquido mensal de 2 mil euros (aproximadamente 8 mil reais), bem acima da média do bairro.É nesse segmento que a atual diretoria do St. Pauli está de olho. Sabe que, mais cedo ou mais tarde, será preciso entregar resultados. O principal objetivo é voltar à primeira divisão e tentar se estabelecer por lá de forma perene e isto sem perder a identidade.O próprio diretor Andreas Rettig brinca: "Como principal executivo posso garantir que administrar e superar o dilema militância x mercantilização do nosso clube não será fácil, mas juntos, vamos conseguir". Missão difícil, mas não impossível.--Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. 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