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Cinco vezes vítima, um só perdão: o encontro de Francisco com a dor na Colômbia

21:30 | Set. 08, 2017
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"Sou Birleyda Ballesteros (...). Sou vítima de cinco crimes e isso para mim não é nenhum orgulho, só posso dizer que me dá tristeza e dor".
Vestida de branco e usando maquiagem, esta mulher de 39 anos viajou 500 km para se encontrar com Francisco em Villavicencio, onde compartilhou sua história com a AFP.
"Não gosto de falar de 22 de dezembro de 1992, quando três guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) entraram no salão de cabeleireiro".
Ballesteros estava em Turbo, município localizado em uma das regiões mais violentas do noroeste do país.
"Pensei que queriam cortar o cabelo", continua, "mas um deles fechou a porta e me levaram para um quarto atrás. Os três fizeram o que fizeram. Me disseram que fizeram como piada porque eu era muito orgulhosa".
Fiquei tensa, mexi as mãos e me perguntei: "por que fizeram isso? Não havia me recuperado quando um mês mais tarde tive que deixar o povoado".
"Sou a segunda de cinco filhos e um comandante das Farc, a quem chamavam de 'Cola' e 'rato', queria recrutar o mais novo dos meus irmãos, que tinha uns 10 anos. Me opus e o enfrentei. Ou vai embora ou já sabe o que vai te acontecer".
"Tiraram tudo de nós. Meu marido, William Molina, e eu fugimos para Medellín. Mas correr não é sinônimo de tranquilidade. Em setembro de 2005 meu irmão Veimar desapareceu.
Tinha 25 anos e havia ido trabalhar em Necoclí (uma zona bananeira). Nos falamos em 15 de setembro e não voltei a ouvir a sua voz. Um parente nos disse que paramilitares o haviam assassinado.
Às vezes minha mãe, que há 11 anos foi para o Panamá fugindo da guerra, me pergunta se sei algo dele. Em algumas ocasiões vou para a rua e vejo o seu rosto nos rostos de outras pessoas".
Ballesteros diz que depois foi para Urabá, próximo a Turbo, um município de Apartadó, para liderar organizações de vítimas do conflito armado de mais de meio século.
Então voltou a violência. "Meu marido ficou em Medellín. Nos bairros da cidade viviam muitos dos ex-guerrilheiros do EPL (Exército Popular de Libertação). William, o pais de meus três filhos, Ferney (23), Eva (20) e Nicole (12), foi forçado a trabalhar com eles. Ele se negou. Eu dizia para vir para Apartadó, mas as balas não lhe deixaram. Foi em 1º de abril".
Tinha 39 anos. Foi morto por ex-combatentes do Exército Popular de Libertação, guerrilha maoísta que operou na zona bananeira de Urabá antes de sua desmobilização em 1991. Muitos deles acabaram nas fileiras dos grupos de extrema direita.
"Há dias que não posso ficar sozinha em casa porque as lembranças começam a me torturar. Por noites durmo com a televisão ligada".
Ballesteros agora é coordenadora departamental de vítimas de Antioquia, onde fica Urabá.
"Apoiei o acordo de paz entre o governo e as Farc. Não quero que os outros vivam o que eu vivi".
A agora ativista de direitos humanos foca no futuro. "Temos que pensar em nossos filhos, que estão nascendo violentos. Em Urabá há um banditismo impressionante, são meninos que têm facões, não sentem amor uns pelos outros".
Ballesteros recebeu a bênção do papa. Mas inclusive antes já estava disposta a falar com "os que nos causaram danos, para que falem de verdade e nos peçam perdão de coração. Há alguns que escrevem coisas e sei que não sai do coração.
Eu estaria disposta a trabalhar com os que alguma vez foram violentos, que são os donos deste desarranjo, mas que saibam que se eles nos prejudicaram, eles terão que reconstruir".

AFP

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