Participamos do

Opinião: Dinheiro é liberdade impressa vamos defendê-lo

14:00 | Fev. 06, 2016
Autor O POVO
Foto do autor
O POVO Autor
Ver perfil do autor
Tipo Notícia
Sob o pretexto de combater terrorismo e corrupção, a Alemanha considera abolir o dinheiro em espécie. E assim criar cidadãos de vidro, alerta a jornalista Zhang Danhong, farejando uma conspiração em nível institucional. Dinheiro vivo favorece a criminalidade, já pregava o prestigiado economista americano Kenneth Rogoff durante um giro pela Alemanha. E o Ministério alemão das Finanças igualmente evoca o combate à lavagem de dinheiro e à sonegação de impostos para justificar seu recém-anunciado plano de limitar em 5 mil euros as transações em espécie dentro do país. Além disso, o numerário é também considerado um importante elemento no financiamento do terrorismo. Contudo é bem ingênuo quem acredite que um teto para pagamentos em moeda vá fazer os criminosos abandonarem seu negócio, de pura frustração, e virarem gente honesta. As energias criminosas vão explorar outros canais por exemplo, na internet. Prova é que a lavagem de dinheiro já aumentou fortemente com a ajuda da ciber-moeda bitcoin. Como exemplo positivo, os partidários da eliminação do numerário citam os países escandinavos; na Suécia, dizem, em breve ele terá sido inteiramente abolido. Em 12 países da União Europeia já vigora o teto para pagamentos em moeda, e em nenhum deles isso foi motivo para que irrompesse uma revolução. Em outras palavras: os alemães que deixem de melindres. Contudo esse argumento não é totalmente sólido: 12 são menos da metade dos 28 Estados-membros da UE. Além disso, os alemães partilham a preferência por cédulas e moedas com a maioria dos povos deste mundo por exemplo, com os chineses. Seria inimaginável uma Festa da Primavera sem os envelopes vermelhos com notas dentro, como presente obrigatório para as crianças. Certo: presentes em dinheiro também abrem as portas à corrupção. E onde não existe mais dinheiro, também não há mais assaltos a bancos nem furtos é um outro argumento comum. Em contrapartida, também é fato que nenhuma infraestrutura eletrônica está vacinada contra falhas, e que a perda do cartão de crédito pode ser bem mais dolorosa do que a de algumas cédulas. Porém isso não é tudo: dinheiro é horrivelmente sujo, praticamente a coisa mais anti-higiênica que existe. Segundo se afirma, sobre cada cédula de euro abundam, em média, 11 mil bactérias. Foi a MasterCard quem chamou nossa atenção para esse insustentável estado de coisas. E a operadora de cartões de crédito se coloca plenamente à disposição para nos livrar desse mal. Este e outros estudos, contudo, não conseguiram estragar o apetite dos alemães pelo contante. O que não mata, engorda. Como divulgou recentemente o banco central alemão Bundesbank, 79% de todas as transações no país seguem sendo fechadas em espécie. Isso talvez se deva ao fato de que depois de duas desapropriações totais no século passado os alemães se apeguem de forma especial a um dinheiro que funcione, e por isso ainda estão um tanto atrasados em termos de comércio eletrônico. Entretanto um outro fato é que muitos simplesmente se sentem bem comprando anonimamente. Quando pago em dinheiro no supermercado, ninguém, além da minha família, sabe o que eu tinha no carrinho de compras. Num mundo sem cédulas e moedas, nós nos tornaríamos totalmente clientes de vidro, com contas de vidro. George Orwell e o "Big Brother" mandam lembranças. Mas talvez seja exatamente essa a meta do governo: primeiro se estipula um teto máximo. Depois ele é abaixado cada vez mais, até que nós, consumidores, nos sintamos como semicriminosos pelo simples fato de tocar o vil e imundo metal. Será que o alvo do governo alemão não são os grupos terroristas ou os sonegadores de impostos, mas sim, desde o início, nós, cidadãos normais? Só que os políticos não podem e não querem comunicar isso tão abertamente? Os economistas são mais diretos: sem o fator desagregador do dinheiro em espécie, "seria mais fácil os bancos centrais imporem taxas negativas de juros, para assim impulsionar a economia", revela um ex-economista-chefe do FMI, o supracitado Kenneth Rogoff. Por enquanto, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, ainda se contém. Pois os clientes bancários poderiam recorrer ao dinheiro em espécie, causando, assim, o colapso do sistema financeiro. Se essa saída de emergência estivesse fechada, os juros negativos seriam coletados no momento em que o BCE os anunciasse. No admirável mundo novo sem dinheiro vivo, teríamos, então, um poderoso Banco Central e um Estado capaz de exercer controle total sobre seus súditos, livrando-se, de quebra, de todo tipo de dívidas. A coisa não pode chegar tão longe. "Dinheiro é liberdade impressa", já dizia o autor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881). Não devemos abrir mão dela tão levianamente assim. Autor: Zhang Danhong

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente