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David Bowie, um enigma que redefiniu a cultura pop

14:11 | Jan. 11, 2016
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Morte aos 69 anos deixa lacuna na história da música. Por trás do vários alter egos, dos figurinos excêntricos e maquiagem, o artista britânico tratou sempre dos mesmos temas: isolamento, abandono, medo, ansiedade. "David Bowie morreu pacificamente, cercado por sua família, após uma corajosa batalha de 18 meses contra o câncer", escreveu nesta segunda-feira (11/01) o relações públicas Steve Martin na página oficial do astro pop britânico no Facebook. Os fãs reagiram com choque, incredulidade e condolências. O representante de Bowie pediu respeito à "privacidade da família durante seu período de luto", não fornecendo mais detalhes. Além da esposa, a supermodelo Iman, o músico deixa dois filhos, Alexandria e Duncan Jones. Este confirmou a morte no Twitter. Homem de muitas faces O primeiro grande sucesso do artista, nascido em 8 de janeiro de 1947, no bairro londrino de Brixton, foi Space Oddity, em 1969. Depois de cultivar a aparência andrógina no início da carreira, uma de suas marcas registradas era a capacidade mudar frequentemente de aparência e de estilo musical. Durante a era do glam rock, na primeira metade da década de 70, Bowie, cujo nome verdadeiro era David Jones, adotou como seu alter ego um astro de rock extraterrestre, o bissexual Ziggy Stardust. A sexualidade do próprio músico permaneceu tema de especulações, que variavam de gay e bissexual a "hétero enrustido", nas diferentes fases de sua vida. De 1976 a 1978, ele viveu em Berlim. Nessa época de dificuldades pessoais e artísticas, em que lutava contra a dependência das drogas, Bowie produziu três álbuns. Uma das principais canções foi uma colaboração com Brian Eno, a icônica Heroes. Os primeiros anos da década de 1980, marcados pelo hit Let's dance e uma grande turnê pelos Estados Unidos, foram uma fase áurea para Bowie. Calcula-se que, ao longo de mais de meio século de trajetória, ele tenha superado os 140 milhões de discos vendidos em todo o mundo. "Isolamento, abandono, medo, ansiedade" Criador polivalente e irrequieto, Bowie também foi produtor, arranjador e pintor. Como ator cinematográfico, o alienígena de O homem que caiu do céu (1976), o vampiro de Fome de viver (1983), o oficial britânico transgressor de Furyo Em nome da honra (1983) ou o inventor Nikola Tesla em O grande truque (2006) contam entre suas atuações notáveis. Depois de Ziggy, ele também assumiu as personalidades fictícias do Major Tom e The Thin White Duke. Apesar de suas permanentes metamorfoses, em 2002 o londrino comentava, em entrevista à agência Associated Press, que na verdade só teria "trabalhado com a mesma temática", ao longo de toda a carreira. "As calças podem mudar, mas as palavras e temas em si, sobre que decidi escrever, têm a ver com isolamento, abandono, medo e ansiedade todos os pontos altos da vida de uma pessoa." Na ocasião, ele também revelou que não sentia ser um intérprete por natureza. No entanto: "O que me deixa mais orgulhoso é que não consigo deixar de notar que influenciei o vocabulário da música pop." Despedida futurista O 25º e último disco de David Bowie em estúdio, Blackstar, foi lançado em 8 de janeiro de 2016 seu 69º aniversário e apenas dois dias antes de sua morte. Em vez do título, a capa traz apenas uma estrela negra sobre fundo branco. Como já se esperava, aqui o músico inglês dá mais uma guinada estilística. O álbum anterior, The Next Day, de 2013, foi percebido pela crítica como uma retrospectiva de toda a sua obra. O single Where are we now (Onde estamos agora), em especial, refletia sobre o período berlinense. Em Blackstar, em contrapartida, ouve-se uma música futurista que se recusa a se curvar às leis do pop comercial. O jazz está no centro desse novo som, associado a elementos eletrônicos, batidas hip hop e muitos outros componentes do cosmo musical. Em parte, as sete canções contidas evitam o clássico esquema "verso e refrão", algumas são muito mais longas do que um típico número pop. Exemplo disso é a faixa-título, lançada já em novembro 2015. Com mais de dez minutos de duração, ela é tudo, menos easy listening. Uma melodia monótona sobre harmonias inusitadas cria um ambiente sombrio, quase místico. A certa altura, o ciclo claustrofóbico é rompido por um liberador interlúdio para retornar, ainda mais desolador e estranhado, minutos depois. Essa concepção ganha significação especial ao se considerar que, durante a produção de Blackstar, o artista se encontrava em meio à batalha contra o câncer. Como o produtor Tony Visconti contou à revista Rolling Stone, inspirado pelo álbum jazzístico To Pimp a Butterfly, do rapper Kendrick Lamar, Bowie queria evitar, a todo custo, fazer um disco de rock. Então contatou o saxofonista Donny McCaslin, que influenciaria de forma definitiva a sonoridade do novo álbum. Um saxofone de plástico foi, aliás, o primeiro instrumento que o músico tocou, aos 13 anos de idade. Quem era David Bowie? Antes de ser acometido pelo câncer, Bowie apresentara outros problemas sérios de saúde. Ao que tudo indica, a vida excessiva de ídolo do rock, inclusive o abuso de drogas, começava a cobrar seus efeitos. Em 2004, ele sofreu um ataque cardíaco, tendo que ser submetido a uma cirurgia. A isso se atribuem, pelo menos em parte, os dez anos de silêncio fonográfico entre Realitye The Next Day. Mesmo assim, ele nunca esteve ausente do imaginário pop universal. Seu nome "está consagrado na história da música pop, e ele está sempre presente, pois as bandas jovens citam ou se referem à sua música", afirmava à DW o teórico de música popular Christoph Jacke, ainda antes da morte do cantor e compositor. "Quem era David Bowie?" é uma questão que seguirá ocupando os fãs e estudiosos da cultura pop. Segundo Jacke, Bowie habilmente evitou responder a essa pergunta, durante décadas. Certa vez ele afirmou que Ziggy Stardust, Major Tom e The Thin White Duke haviam preenchido sua finalidade e podiam agora se aposentar. O especialista alemão concorda que o astro não mais precisava dessas máscaras: ele criara David Bowie, uma personagem artificial forte, que funcionava excepcionalmente bem, e atrás da qual ele podia "se esconder". Desse modo, consagrou-se como ícone da cultura pop contemporânea. E qualquer definição de sua identidade nunca passará do instantâneo de um determinado momento. Autor: Ruben Kalus / Kate Müser / Augusto ValenteEdição: Rafael Plaisant

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