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Juan Carlos: popularidade e declínio de um rei democrático

14:15 | Jun. 02, 2014
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Após quase quatro décadas no trono, condutor da transição do franquismo à democracia na Espanha passa a coroa em momento de baixa. Admiração do povo vinha sendo consumida pela corrupção e outros escândalos na Casa Real. O rei Juan Carlos justificou diante de sua nação espanhola, nesta segunda-feira (02/06), a decisão de abdicar em favor do filho, príncipe Felipe. "Uma nova geração reclama com justa causa o papel de protagonista", declarou, duas horas e meia após o anúncio-surpresa feito pelo presidente do governo (primeiro-ministro) Mariano Rajoy. "Hoje merece passar à linha de frente uma geração mais jovem, com novas energias, decidida a empreender com determinação as transformações e reformas que a conjuntura está demandando", prosseguiu Juan Carlos. Ele confirmou ter tomado essa decisão em janeiro, ao completar 76 anos e após recuperar-se de sua mais recente operação "Quero o melhor para a Espanha, a que dediquei minha vida inteira", assegurou o monarca, emocionado, na mensagem transmitida pela televisão. Segundo ele, o futuro Felipe 6º, de 46 anos, "encarna a estabilidade", possuindo "a maturidade, o preparo e o sentido de responsabilidade necessário para assumir a chefia do Estado e abrir uma nova etapa de esperança". Entre Franco e a democracia Juan Carlos Alfonso Victor Maria de Bourbon e Bourbon-Duas Sicílias nasceu em 5 de janeiro de 1938 em Roma, onde sua família havia se exilado desde a proclamação da Segunda República Espanhola, em 1931. Somente aos dez anos de idade viajou pela primeira vez à Espanha, onde completou sua formação acadêmica e militar, sob a tutela do então ditador Francisco Franco. Em maio de 1962, casou-se com a princesa Sofia da Grécia. Sete anos mais tarde assumia a chefia de Estado, sucedendo a Franco e ultrapassando o pai, Juan de Bourbon, na linha sucessória. Foi proclamado rei em 22 de novembro de 1975, apenas dois dias após a morte do "Generalíssimo", embora só em 1977 seu pai tenha oficialmente renunciado em seu favor. Reina o consenso de que Juan Carlos 1º é aquele que guiou a Espanha na transição do franquismo ao retorno da democracia. Sua intervenção no golpe de Estado que vinha se desenrolando no Congresso dos Deputados, na década de 80, é considerada crucial. "A coroa, símbolo da permanência e da unidade da pátria, não pode tolerar, de forma alguma, ações ou atitudes de pessoas que queiram interromper pela força o processo democrático que determinou a Constituição votada pelo povo espanhol", disse, em discurso televisionado na noite de 23 de fevereiro de 1981. Com essa condenação pública, Juan Carlos garantiu o fracasso do levante dos militares. Contrários às rápidas mudanças que ocorriam na Espanha desde o fim da ditadura franquista, eles pensavam contar com o apoio real. Porém, de acordo com o ex-líder comunista Santiago Carrillo "se o rei não estivesse lá no 23 de Fevereiro, o golpe militar teria triunfado". Corrupção e escândalos na Casa Real A decidida defesa da jovem democracia espanhola granjeou para o monarca a gratidão do povo, mesmo entre os antimonarquistas, convertendo-o num dos reis mais queridos da Europa. Estabeleceu-se no país uma corrente de "juancarlismo", incluindo até políticos republicanos que valorizavam seu estilo aberto e próximo ao povo. No entanto, nos anos que se seguiram à crise global de 2008, Juan Carlos 1º vinha vendo sua popularidade ser gradualmente minada. À falta de sintonia entre ele e a rainha e às gafes públicas como a revelação, em 2012, de que caçava elefantes na África num momento de crise econômica e desemprego recorde na Espanha , juntaram-se acusações de corrupção envolvendo a Casa Real. O protagonista do mais grave desses escândalos é seu genro Iñaki Urdangarín, marido de Cristina, duquesa de Palma de Maiorca. Acusado de desviar verbas milionárias de uma fundação sem fins lucrativos, ele respondeu a processo em 2012 na primeira ação judicial contra um membro da família real espanhola. Investigações subsequentes sobre os gastos pessoais de sua esposa levaram a um processo por sonegação de impostos e lavagem de dinheiro a que a infanta Cristina responde desde o início deste ano. O rei reagiu à onda de publicidade negativa com contrição e gestos conciliatórios, como a divulgação do orçamento da Casa Real, cortes em seu próprio salário, maior transparência na instituição monárquica e delegação de diversas funções ao herdeiro, Felipe. Nada disso, porém, bastou para recuperar a antiga predileção popular. Segundo enquetes, em abril de 2013, 53% dos espanhóis desaprovavam a forma como Juan Carlos desempenhava suas funções. "O escudo protetor da família real simplesmente desapareceu", diagnosticou a escritora e apresentadora de TV Carmen Enríquez, especializada nos Bourbon da Espanha. A jornalista Pilar Urbano, autora de livros sobre o casal real, atribui a abdicação de Juan Carlos 1º a mais alguns fatores. Um é o seu estado de saúde, que o obriga, com cada vez mais frequência, a "passar pela oficina", como costuma dizer. Outro seriam os resultados das recentes eleições para o Parlamento Europeu, "que mostram um republicanismo ascendente, tanto entre a gente jovem e os novos partidos surgidos quanto entre os mais veteranos". Urbano confia que, apesar de muito diferente do pai, Felipe 6º será "o monarca mais bem preparado de todas as monarquias ocidentais e orientais". "Desde os 15 anos de idade ele está viajando e conhece o 'quem é quem' dos governos e das grandes empresas de todos os países do mundo além de conhecer as 'tripas institucionais' do Estado espanhol", diagnostica a especialista em realeza espanhola. AV/dw/rtr/dpa

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