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Plataforma online mapeia registros de assédio sexual

12:54 | Mai. 05, 2014
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"Chega de Fiu Fiu" pretende levantar dados sobre diversos tipos de violência contra a mulher com a ajuda de depoimentos de vítimas e testemunhas. "Inúmeros mototaxistas estacionam suas motos no meio-fio da calçada e encostam-se às grades do Shopping Eldorado, formando um verdadeiro corredor polonês do assédio verbal. Muitas mulheres preferem atravessar a rua para não ouvir o que eles dizem sobre elas." Essa declaração foi deixada por uma paulistana no mapa Chega de Fiu Fiu, uma plataforma online lançada há pouco mais de uma semana que pretende identificar os lugares das cidades brasileiras onde o assédio público acontece com mais frequência. O banco de dados está sendo montado com depoimentos voluntários de vítimas e testemunhas. A iniciativa é uma continuação da campanha Chega de Fiu Fiu, realizada em setembro do ano passado. As duas iniciativas estão hospedadas no site Olga, que discute temas relacionados ao feminismo. A jornalista Juliana de Faria e a socióloga Bárbara Castro perceberam a dificuldade de levantar dados sobre o assunto quando decidiram colocar alguns cartazes contra o assédio nos pontos mais críticos da cidade. "Resolvemos levantar os números nós mesmas com um mapa colaborativo", diz Juliana. Para as fundadoras do projeto, com esses dados em mãos ficará mais fácil "bater na porta, principalmente do setor público" para pedir mudanças. "Se nós chegássemos somente com uma denúncia, não teria o mesmo impacto do que um mapa com um grande número de queixas." Além disso, elas pretendem criar parcerias com ONGs em outros estados para elaborar campanhas contra o assédio. Segundo Bárbara, muitas pessoas imaginam que a agressão só ocorre em terrenos baldios ou lugares sem iluminação pública. Mas, como já mostra a plataforma, "a violência acontece em todo e qualquer espaço da cidade". O mapa da agressão Os registros são classificados por cidades e tipos de assédio: verbal, físico, ameaças, intimidação, atentado ao pudor, estupro, violência doméstica e exploração sexual. Três dias após o lançamento da plataforma, o banco de dados já tinha cerca de 350 depoimentos. Entre as cidades no topo da lista estão São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Assédios verbais e físicos lideram a lista de reclamações, seguidos por atentado ao pudor. Para as criadoras do projeto, com uma boa base de dados em mãos é possível exercer pressão social. "Podemos ir a uma casa noturna e falar: como assim no último mês temos denúncias de 500 mulheres que foram encoxadas' dentro do estabelecimento? Os seguranças não estão atentos?" Para Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, plataformas como esta são importantes para chamar a atenção e dar visibilidade ao assunto. "A iniciativa ajuda a gerar reflexão entre as mulheres que já foram vítimas de assédio e entre os homens que já praticaram assédio sem ao menos se dar conta de que esta era uma violação do espaço de outra pessoa", diz. "Cantadas" no Código Penal A plataforma pede que as pessoas descrevam o ocorrido em detalhes, inclusive se alguém se recusou a aceitar uma possível denúncia. Juliana de Faria recebe um grande número de emails com relatos de mulheres que foram às delegacias, mas não conseguiram fazer o boletim de ocorrência. Para a representante da ONU Mulheres, um dos problemas é que o assédio moral não está previsto no Código Penal brasileiro, o que dificulta o registro da ocorrência. "No entanto, a Lei Maria da Penha prevê a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, os chamados crimes contra a honra", diz. O professor de Direito Marco Aurélio Florêncio Filho, da Universidade Mackenzie, explica que há respaldo do Código Penal, mas é preciso definir o que é assédio verbal. "Às vezes, a pessoa diz que foi assediada verbalmente, ela muda a nomenclatura, mas o fato em si se reveste de característica criminosa", diz. "No caso, a injúria, que está prevista no artigo 140 do Código Penal desde 1940." No entanto, o jurista alerta para a subjetividade da discussão processual: "Um fiu fiu pode ser um elogio ou uma ofensa." De qualquer maneira, um policial não pode deixar de instaurar o procedimento porque não é ele quem faz a interpretação. "Se houve crime ou não, cabe ao juiz decidir", pondera. Nesses casos, se a vítima alegar que sofreu injúria, não será aberto um inquérito porque se trata de "um crime de menor potencial ofensivo". No entanto, é feito um termo circunstancial de ocorrência, e o fato é encaminhado ao juizado especial criminal. A cantada em si, explica o professor, não é um crime. "O problema é a importunação ou o palavreado utilizado." Para ele, a questão não é criminal, mas cultural. Além disso, o Direito Penal tem que ser o último recurso. Segundo ele, há meios mais eficazes para resolver essa questão, como ações cíveis de danos morais. "Porque eu entendo que o excesso da cantada já é criminalizado", explica. Na visão do professor de direito, mudanças sociais são necessárias. Criminalizar a cantada só dobraria o número de inquéritos, criaria criminosos e o problema, de cunho social, continuaria a existir. Como muitas mulheres sofrem agressões no dia a dia e não registram queixa por todas essas questões apresentadas, o jurista acha que a plataforma serve para mostrar uma "radiografia da violência contra a mulher em todos os níveis". A socióloga especializada em assuntos de gênero Carla Garcia, da PUC-SP, acredita que inúmeras campanhas de longo prazo são necessárias para mudar a mentalidade da população. "O que tem chamar de linda?", diz, ironicamente. "Um monte de gente acha que isso não tem problema." Para ela, há muitos aspectos sociais em questão, como a educação de gêneros nas escolas, matérias de diversidade sexual e gênero nas licenciaturas ou a redução de programas machistas e estereotipados na televisão. Problemas e Limitações O grande desafio, na perspectiva de Nadine Gasman, é fazer com que tais mecanismos alcancem um número ainda maior de mulheres. Principalmente aquelas que "ainda não estão tão engajadas na luta por seus próprios direitos". Muitas, afirma, sequer percebem que elas não precisam ser diariamente constrangidas ao andarem pelas ruas. Além disso, o componente tecnológico é um fator a ser levado em consideração. A necessidade de acesso à internet restringe o uso da ferramenta. O grande número de registros em São Paulo e no Rio de Janeiro não significa necessariamente que o assédio sexual em outras regiões do país seja mais ameno. "A gente está ciente dessas limitações, mas, ao mesmo tempo, é muito importante tentar construir alguma coisa", diz Barbara Castro. "Precisamos de mais gente pressionando para mostrar essa assimetria de poderes na nossa sociedade."

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