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Vinte anos após o genocídio, os sinais da reconciliação em Ruanda

06:02 | Abr. 07, 2014
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Tipo Notícia
Em 7 de abril de 1994 teve início o genocídio contra a minoria tutsi e moderados da etnia hutu. Passados 20 anos, os ruandeses percorreram um longo caminho de reconciliação, apostando no progresso econômico. "Vi pessoas incendiando casas e matando. É muito difícil esquecer essas imagens." D'Artagnan Habintwali tinha somente 5 anos quando tiveram início os assassinatos em Butare, sua cidade natal, no sul de Ruanda. O que ele viu naquela época nunca mais o deixou em paz. Durante três meses, entre abril e julho de 1994, o belo país, com suas milhares de colinas, foi palco de massacres hediondos. O governo havia planejado o extermínio da minoria tutsi e incitou a maioria hutu a acabar com os inyenzi, as "baratas". O massacre aconteceu sob os olhares de uma comunidade internacional paralisada. As Nações Unidas estimam que 800 mil pessoas tenham sido assassinadas. Todos são ruandeses Nas últimas décadas, os ruandeses percorreram um longo caminho de reconciliação. Uma das primeiras medidas do novo governo foi retirar a indicação de etnia dos documentos de identidade. A partir daquele momento, todos os habitantes do país eram ruandeses, e não mais hutus ou tutsis. A reintrodução de trabalhos comunitários regulares, dos chamados Umuganda, também deveria servir para a promoção de um sentimento de comunidade. Todos os ruandeses são convocados, uma vez por mês, a construir uma casa para os necessitados, a construir estradas, a limpar uma praça. A elaboração legal do genocídio foi um dos maiores obstáculos. Ainda em 1994 foi criado o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR). Com sede em Arusha, na vizinha Tanzânia, ele tinha como objetivo julgar os principais responsáveis pelo genocídio. No total, 65 pessoas foram levadas ao TPIR, e 38 foram condenadas a longas penas de prisão. Em nível nacional, os tradicionais tribunais Gacaca foram relançados em 2001. Entre 2005 e 2012, quase 2 milhões de pessoas foram interrogadas em todo o país, mais da metade delas foi condenada a penas de prisão ou a prestar serviços comunitários. Nesse contexto, organizações internacionais de direitos humanos condenaram muitos erros judiciários. "Os Gacacas existiam para que as pessoas dissessem a verdade. Mas também para proporcionar a elas tempo e espaço para dialogar", afirmou Damascène Gasanabo, alto funcionário da Comissão Nacional de Luta contra o Genocídio (CNLG). "Não se pode simplesmente pedir aos vizinhos que se reconciliem, nós tivemos que iniciar esse processo." Um vilarejo se reconcilia Em Simbi, um vilarejo no sul do país, perto da fronteira com Burundi, mais de 5 mil pessoas foram vítimas do genocídio. Hoje, a comunidade vive novamente de forma pacífica. Uma ONG local denominada Associação Modesta e Inocente, cuja sigla "AMI" significa "amigo" em francês, apoiou a reconciliação. Jean-Pierre Karenzi participou do genocídio. Ele passou vários anos na prisão por causa de seus crimes. Desde que foi libertado, em 2005, trabalha para a comunidade em Simbi. Hoje, ele olha envergonhado para o seu passado: "Eu tomei parte no genocídio porque o governo de então nos instigou a isso." Em Simbi também vive Jean-Baptiste Kanobayire. O sobrevivente de 70 anos foi um dos primeiros a participar dos seminários da AMI. Ele conta que sofreu muito. "Mas, pouco a pouco, decidi que a vida continua. Nós nos aproximamos para que, juntos, pudéssemos trabalhar pelo progresso e harmonia." Já há alguns anos, os membros da comunidade de Simbi estão organizados numa cooperativa agrícola. Seu nome: Duharanire Ubumwe N'Ubwiyunge Trabalho pela Unidade e Reconciliação. Juntos, os cooperativistas querem expandir a produção agrícola. Para eles, um sinal de desenvolvimento. Progressos econômicos O governo em Kigali também aposta no progresso econômico a fim de reconciliar o país de forma duradoura. Um programa para a redução da pobreza com medidas como a implementação de um plano de saúde para todos, a melhoria direcionada das oportunidades educacionais como também a promoção da economia privada já mostrou os primeiros êxitos, confirma Daniela Beckmann, chefe do escritório do Banco Alemão de Desenvolvimento (KFW) em Kigali. Segundo Beckmann, em apenas cinco anos, Ruanda reduziu a sua taxa de pobreza em 12 pontos percentuais, para 45% da população. "Em comparação com outros países africanos, isso é muito bom." Isso não significa, no entanto, que não haja mais desafios, afirmou. Hoje, metade do orçamento de Ruanda vem da ajuda estrangeira. Apelo por abertura política Como um dos poucos representantes de uma oposição política interna, Frank Habineza, presidente do Partido Verde Democrático de Ruanda (DGPR, na sigla em inglês), critica que seu país possui a maior desigualdade de renda na África Oriental. "Acreditamos que a justiça social é possível. No entanto, isso requer mais espaço político e o fortalecimento da democracia para que os investidores estrangeiros possam ter confiança e invistam o seu dinheiro em Ruanda." Nas próximas eleições presidenciais, em 2017, o Partido Verde quer lançar um candidato, oferecendo à população uma alternativa a Paul Kagame. Pois, desde o fim do genocídio, a Frente Patriótica de Ruanda (FPR), do ex-líder rebelde Kagame, está à frente do governo quase de forma autocrática. A FPR venceu as últimas eleições parlamentares, em setembro de 2013, com mais de 75% dos votos. Confiança no futuro A capital Kigale possui 1,2 milhão de habitantes. Ela é considerada um símbolo do progresso ruandês. No centro, surge um arranha-céu comercial após o outro. O prefeito Fidèle Ndayisiba diz estar certo de que, "se o desenvolvimento continuar, em dez anos Kigali será uma cidade moderna e próspera." Mesmo que, longe da capital, as pessoas ainda tenham que esperar pela modernidade os ruandeses são pacientes e olham otimistas para o futuro. D'Artagnan Habintwali, o menino traumatizado de Butare, tem hoje 25 anos. Ele está terminando os seus estudos e quer ser escritor. "Haverá um tempo em que tudo estará bem", profetizou.

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