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"Eleições afegãs interessam também ao Talibã", diz chefe da missão da ONU

10:30 | Abr. 03, 2014
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Em entrevista à DW, Jan Kubis, que lidera a missão de assistência das Nações Unidas no país, afirma que guerra se tornou insustentável e que sucesso do pleito é crucial para a transição política. Após mais de 12 anos de conflito, enquanto as tropas internacionais se preparam para uma retirada até o fim deste ano, o Afeganistão está diante de um ano crucial. Sem a presença das tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aumentam as preocupações de que a anarquia volte a se instalar no país, sobretudo depois que, nas últimas semanas, talibãs intensificaram os ataques. O Afeganistão se prepara para realizar eleições presidenciais neste sábado (05/04), num pleito que marca a primeira transferência de poder democrática na história do país. O atual presidente, Hamid Karzai, está constitucionalmente impedido de concorrer a um terceiro mandato, após ter governado o país desde a queda dos talibãs, em 2001. Em entrevista à DW, Jan Kubis, chefe da Missão de Assistência da ONU no Afeganistão (Unama), diz que as eleições não terão somente uma importância crucial no reforço da estabilidade política e institucional no Afeganistão, mas serão de interesse também dos próprios talibãs. DW: Quais os principais fatores que vão moldar o futuro próximo do Afeganistão? Jan Kubis: O Afeganistão já percorreu um longo caminho na jornada que iniciou há 12 anos. Tem havido progressos notáveis e uma dinâmica positiva, mas eu enfatizo que os ganhos são frágeis. O sucesso das eleições em 5 de abril terá importância fundamental no reforço da estabilidade institucional e política do país, como também em incutir confiança no futuro. A autoconfiança definitiva do Afeganistão requer uma atenção maior para um desenvolvimento econômico inclusivo, sustentável e de uma base mais ampla, especialmente em termos de redução da pobreza aliada à criação de empregos. Parte disso incluiu a disposição de enfrentar a economia ilícita e avançar para uma economia mais regular, na qual o setor privado pode complementar os esforços de ajuda da economia internacional. Como vê o papel do Talibã? Eu fiquei muito decepcionado com o recente anúncio do Talibã de que iria praticar atentados contra o processo eleitoral e seus participantes, o que foi seguido de ataques letais. Não importa o que o grupo pense dessas eleições, o pleito é um processo civil e miná-lo vai contra as leis humanitárias internacionais e prejudica as reivindicações de legitimidade política. Eleições são de interesse do próprio Talibã e oferecem ao Afeganistão uma liderança legitimada e um novo conjunto de interlocutores para avançar em direção a um processo de reconciliação mais amplo. Enquanto uma virada nas negociações de paz diretas um processo que deve acontecer entre os afegãos permanece indefinida no curto prazo, os esforços para construir um ambiente propício às negociações devem ter continuidade. No longo prazo, a guerra é insustentável, e a paz, uma necessidade. Temendo um agravamento da situação nos próximos anos, os Estados Unidos têm tentado assegurar um acordo de segurança bilateral de longo prazo com o governo afegão. Esse acordo permitiria a manutenção de uma força militar residual de 10 mil soldados no país. Qual é a importância da assinatura desse acordo para o futuro do Afeganistão? O Acordo Bilateral de Segurança faz parte do acordo estratégico já assinado entre o Afeganistão e os Estados Unidos e é uma questão entre os dois países. No entanto, eu diria que o endosso por parte da Loya Jirga [grande assembleia] no ano passado em prol da necessidade de finalização do acordo reflete que os afegãos compreendem a necessidade da continuação do apoio internacional nos próximos anos. O atraso contínuo adicionou uma camada de imprevisibilidade, mas permaneço confiante em resultados mutuamente satisfatórios. Será que uma tropa residual de 10 mil soldados será suficiente para contribuir para a estabilidade do país? É melhor perguntar isso a especialistas militares, mas o que posso dizer é que há desafios e que a transferência da responsabilidade de segurança no Afeganistão está ocorrendo como planejado: forças de segurança locais assumiram essa responsabilidade em junho passado, e a polícia e o Exército afegãos estão intensificando os esforços para enfrentar esse desafio. Alguns pessimistas previram um colapso das instituições de segurança, o que simplesmente não aconteceu. Mas a presença contínua de tropas estrangeiras no país seria um indício do comprometimento da comunidade internacional em ajudar o Afeganistão num médio prazo uma medida poderosa de confiança. Até que ponto a comunidade internacional vai apoiar o governo afegão e a sociedade civil após 2014? Primeiramente, as Nações Unidas já vêm trabalhando, de uma forma ou outra, há décadas no Afeganistão. Esse é um compromisso de longo prazo em que se pode confiar, enquanto os afegãos quiserem a presença da ONU em seu país. Quanto à comunidade internacional em geral, acho que esse compromisso com um Afeganistão próspero e pacífico pode ser visto no fato de o nível de assistência internacional prometido continuar verdadeiramente excepcional, o que também depende do êxito da transição política e do avanço comprovado do comprometimento do governo afegão com a administração, as reformas, a sustentabilidade econômica e uma agenda baseada em direitos. As decisões da Conferência de Tóquio sobre o Afeganistão continuam o instrumento aprovado de assistência ao desenvolvimento civil. Junto às promessas feitas na cúpula da Otan de 2012, em Chicago, isso forma o alicerce do envolvimento internacional no Afeganistão, garantindo a continuidade desse compromisso nos próximos anos. O que a comunidade internacional poderia ter feito de diferente para melhorar a situação no país? Neste estágio das coisas, ficar apontando falhas não vai levar a nada. A comunidade internacional e o governo afegão ainda têm lições a aprender dos últimos 12 anos. É hora de focar no futuro que os afegãos merecem após décadas de conflito. As Nações Unidas e a ampla comunidade internacional reconhecem a necessidade de uma maior coerência em seus esforços para apoiar o Afeganistão. Dentro das Nações Unidas, estou trabalhando para melhorar a consistência de foco, a unidade de esforços e para potencializar a expertise das diversas agências em prol de uma melhor coordenação das prioridades nacionais e iniciativas regionais para o apoio ao Afeganistão.

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