Bairros de Fortaleza: Granja Lisboa nasceu de migrações e lutas comunitárias

Nascido de loteamentos agrários, a Granja Lisboa tem história pautada em valores comunitários; conheça a história do bairro

10:00 | Dez. 29, 2025

Por: Mariana Fernandes
Vista aérea da Granja Lisboa (foto: JÚLIO CAESAR)

Um bairro que surgiu de vendas de terra para pessoas que chegavam à cidade. Assim é a história da Granja Lisboa, localizada na Regional V de Fortaleza.

Frequentemente é conhecido como parte do Grande Bom Jardim, que também engloba os bairros Bom Jardim, Granja Portugal, Siqueira e Canindezinho

O nome “granja” remete à “sítio em que se explora uma atividade agrícola em pequena escala ou a criação de animais”, de acordo com o dicionário Michaelis.

E foi justamente um loteamento como esse que deu origem ao bairro. Leia abaixo a história do bairro Granja Lisboa.

Granja Lisboa: bairro de Fortaleza foi formada por imigrantes interioranos

A Granja Lisboa começou com a família de Maria Alves Carioca, que, em 1963, decidiu dividir sua fazenda em lotes e vender parte dos terrenos para pessoas que chegavam em Fortaleza. Assim, surgiu o Loteamento Granja Lisboa.

“Esse bairro surgiu a partir da venda de loteamentos que originalmente eram sítios e fazendas - propriedades familiares - que foram divididos em lotes e vendidos a preços acessíveis para a população”.

É o que explica Maria Isabele Farias, mestre em pesquisadora da área de História e Cidades.

Ela acrescenta que as terras da Granja Lisboa pertenciam a Família Gentil, grande proprietária de terras em Fortaleza. 

Entre os anos 1960 e 1970, houve um grande crescimento populacional na cidade, que tinha dificuldade em comportar o contingente que continuava chegando.

Portanto, o tipo de propriedade que existia na Granja Lisboa nesta época era o que eles podiam adquirir.

“A cidade não comporta essas pessoas, que são de origens humildes e não têm dinheiro para comprar propriedades no centro e as regiões de periferia já estão lotadas. Então os lotes vão para este público”, explica a especialista.

O rápido crescimento da área trouxe consigo uma urbanização desordenada.

Por ser uma região anteriormente formada por fazendas, não havia uma infraestrutura básica para atender a população, como escolas, hospitais e até transporte.

Em meio à presença no bairro, os habitantes construíram sua identidade como uma combinação dos hábitos e costumes de suas terras natais com os contextos da capital.

Igreja de Santa Cecília é símbolo comunitário do Granja Lisboa

Como bairro que manteve práticas das pessoas que vieram para a capital cearense, a Granja Lisboa também foi fundada com “hábitos comunitários”, que perpassam por gerações e se tornam parte de sua identidade.

Um exemplo é a igreja de Santa Cecília, cujo processo de construção remete à força da comunidade, desde sua idealização até a entrega do edifício.

“(...) A Igreja de Santa Cecília nasceu da periferia, cresceu com ela e segue sendo um símbolo de resistência, esperança e humanidade em meio às adversidades urbanas”, aponta o historiador Evaldo Lima.

Quando a Granja Lisboa crescia rapidamente, houve a necessidade de melhorias na região, entre elas, um ponto de encontro religioso, que acolhesse aquela população.

Antes de existir a Igreja de Santa Cecília, as celebrações católicas já ocorriam “de forma simples em salas de casas, em pequenos salões improvisados, onde a fé se expressava mais pela presença e pela partilha do que pela estrutura”.

A construção do pequeno templo já era desejo dos moradores e foi resultado de um esforço comunitário.

“Moradores saíam de casa em casa a pé, fazendo uso de carro de som, mobilizando famílias, comerciantes e depósitos do bairro, pedindo contribuições e oferecendo em troca o sonho de um lugar sagrado, que fosse também um espaço de convivência”, conta Evaldo.

A mobilização foi acompanhada de perto pelo padre Oscar Peixoto, na época, pároco do Mondubim, que buscou recursos vindos da Alemanha que foram fundamentais para a conclusão das obras da então capela Santa Cecília.

O templo foi inaugurado em 1972 numa missa presidida por Dom Raimundo e celebrada por Dom Oscar e também pelo Padre Felipe, marcando um momento histórico para o bairro. A sua elevação à paróquia ocorreu em 16 de abril de 1975, há 50 anos. 

A Igreja Matriz que leva o nome da padroeira dos músicos também revela o viés cultural do bairro Granja Lisboa.

Granja Lisboa como centro cultural

Não é novidade que Fortaleza é uma cidade que tem um cenário artístico pulsante, assim como a Barra do Ceará, a Granja Lisboa é cenário para que a comunidade se envolva com arte.

O bairro abriga o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), vinculado à Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult). Inaugurado em 2006, o equipamento tem quase duas décadas de atuação potente em prol da cidadania cultural no território da Grande Bom Jardim.

Na edição do O POVO de 7 de dezembro de 2006, o CCBJ é caracterizado como “uma possibilidade de os moradores do Bom Jardim poderem manifestar opiniões e visões de mundo pela arte”.

O Centro Cultural passou a dedicar sua programação à artes e à música, em meio a lutas para manter-se em funcionamento.

Em reportagem publicada em maio de 2014, a superintendente do local na época, Diana Pinheiro, aponta que o bairro é “privilegiado com criatividade” mas não consegue se livrar do estigma de “lugar ruim”.

Em 2016, o equipamento foi reaberto após um ano e um mês em que esteve fechado para reformas. Um cortejo percorreu as ruas do bairro para anunciar a reabertura.

Além do Centro, o Instituto Katiana Pena atende os jovens da Granja Lisboa e oferece aulas de dança, música e cinco modalidades esportivas.

O local ganhou mais visibilidade a partir de 2023, quando foi anunciado como uma das instituições beneficiadas pelo programa Criança Esperança. O gerou, por consequência, aumento na procura pelas atividades.