Centro de distribuição de empresa causa transtornos a moradores do Mondubim

Centro de distribuição de empresa causa transtornos a moradores do Mondubim

Moradores denunciam barulho, sujeira, insegurança e danos estruturais causados por caminhões da Carajás Homer Center
Atualizado às Autor Carlos Daniel Tipo Notícia

Há quase sete anos, o centro de distribuição da Carajás (CD) estaria provocando transtornos aos moradores da rua Castro Meireles, no bairro Mondubim, em Fortaleza. Segundo fontes ouvidas pelo O POVO, a via se transformou em pátio de operações da loja, com fluxo intenso de caminhões causando poluição sonora, danos estruturais nas casas e sujeira deixada pelos caminhoneiros.

LEIA TAMBÉM | A Dessal na infraestrutura hídrica do Ceará: entre avanços estruturais e desafios na gestão da água

Além disso, há relatos de insegurança, brigas e ameaças por parte de motoristas. A administração da loja, segundo os moradores, se mostra negligente diante das reclamações. Mais de dez boletins de ocorrência já foram registrados, e um processo foi aberto pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) para acompanhar o caso.

Com 290 metros de extensão, o trecho afetado fica entre a avenida Godofredo Maciel e os trilhos da Linha Sul do Metrô de Fortaleza. Nele vivem 18 famílias, a maioria no local há décadas. Desde a construção da unidade da Carajás, em 2018, a rotina dos moradores mudou completamente.

Tráfego perigoso e estacionamento irregular

Moradores relatam que os caminhoneiros trafegam na contramão, estacionam de forma irregular e, muitas vezes, bloqueiam as garagens das casas.

“Já teve caminhão parado na minha porta, e eu precisei pedir para retirar porque não conseguia sair com o carro”, conta a professora Adriana Antônio de Araújo, de 53 anos, que mora no local desde a infância.

Situação semelhante vive Wagner Martins, de 56 anos, quejá teve que discutir com motoristas para poder estacionar.“Outro dia, um deles colocou a traseira [do caminhão] na frente da minha casa. Fui pedir para ele afastar o veículo, e ele ainda reclamou e virou as costas”, conta.

CONFIRA| Ibama autua empresa do Fortal e embarga obra por desmatamento irregular

Durante a construção do centro de distribuição, a rua foi alargada, mas continua estreita para comportar o tráfego intenso de veículos pesados. Com isso, os caminhoneiros realizam manobras arriscadas resultando em prejuízo aos moradores, como o carro de Francisco Joinville, atingido duas vezes por caminhões.

Poluição sonora 

O barulho causado pelos motores e alarmes de ré, inclusive durante a madrugada, tem afetado diretamente a saúde de todos — especialmente dos 13 idosos que vivem na rua.

Um deles é a aposentada Francisca Maria, 76, que já passou por cirurgia de aneurisma cerebral. Hoje, além das molas de platina no cérebro, ela tem que conviver diariamente com o barulho vindo da rua.

“Já pensou, você tá deitado querendo descansar e levar um susto desses? A gente vive nas mãos de Deus, porque já tentamos de tudo, mas nada resolve”, desabafa.

Para Clenilton Melo, de 66 anos, que cuida do irmão com sequelas de AVC, a movimentação tornou a rotina insustentável. “Levar meu irmão para tomar sol na calçada é um desafio, porque ele se altera com o barulho dos caminhões”, afirma.

Sujeira e lixo deixados na via

Além do barulho, moradores da região reclamam da sujeira deixada pelos caminhoneiros. “É marmita, garrafa, sacola de lixo. Parece um lixão. Sem falar na catinga de urina que fica na rua”, denuncia Adriana.

Wagner reforça que o problema é cotidiano: “Um caminhoneiro já deixou até uma sacola com papel higiênico sujo na frente da minha garagem. Levei para mostrar ao gerente, mas ele não fez nada. Sempre dão uma desculpa".

Estruturas danificadas

O tráfego diário dos caminhões também tem causado trepidação nas casas, provocando rachaduras e problemas estruturais. Clenilton precisou reforçar a estrutura da própria residência. Dona Francisca vive situação parecida: da escada até a lavanderia a casa está cheia de rachaduras. 

Já Anne Rose Dantas, de 51 anos, afirma que o peso dos veículos danificou a tubulação subterrânea:
“Depois da construção da Carajás tivemos vários vazamentos. Quando chove, esse pedaço da rua alaga”.

Ameaças e insegurança

Alguns moradores relatam terem sido ameaçados ao tentar reclamar. Anne Rose acumula 13 boletins de ocorrência por injúria, ameaça e crime contra idoso. “Já juraram me matar, quebrar minha cara... É nesse nível”, conta.

Em um dos boletins, consta que durante uma discussão um dos caminhoneiros falou: “Eu sei o seu endereço”. Em outro consta que as intimidações vieram até da gerência da loja: “Não queira me ver com raiva” afirmou um dos gerentes.

“Virou a casa da mãe Joana. Fazem o que querem, e a gente que mora aqui não tem paz”, critica Adriana.

Processo judicial e irregularidades

Diante dos transtornos, Anne Rose Dantas ingressou com um processo judicial apresentando provas documentais e testemunhais contra a Carajás. O caso é acompanhado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), por meio do Inquérito Civil nº 01.2024.00002311-7.

Durante vistoria realizada pela Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) em novembro de 2024, foram encontradas irregularidades como a falta de licença ambiental e a ausência do Relatório de Impacto sobre o Sistema de Trânsito (Rist), documento obrigatório para empreendimentos classificados como Polo Gerador de Viagens (PGV). Em 2023 a empresa já tinha sido autuada pela falta de licença ambiental

Entretanto, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), informou que a empresa possuia um Rist aprovado pela Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC).

Em uma terceira vistoria, realizada em agosto de 2025, a Agefis constatou que a empresa continuava sem a Licença Ambiental. Diante disso, o MPCE entrou com uma ação na Justiça pedindo a interdição do estabelecimento. No entanto, uma decisão liminar do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), de 15 de setembro, determinou a desinterdição do estabelecimento.

No documento, Carajás admitiu não possuir licença ambiental, mas afirmou que o processo encontra-se em fase final de tramitação, porém, sem detalhar o status de apresentação ou aprovação do Rist.

CONFIRA| Aerotrópolis tem licença ambiental suspensa após constatação de irregularidades

O MPCE confirmou, em nota, que acompanha o caso e segue cobrando a regularização ambiental da empresa, tendo oficiado a Agefis para realizar nova vistoria.

A necessidade do Rist

O professor José Ademar Gondim Vasconcelos, do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC) e ex-gestor da AMC, explica que o Rist é essencial para avaliar se a infraestrutura viária comporta o impacto gerado por um empreendimento.

“Qualquer estabelecimento precisa ter um alvará emitido pela Prefeitura, e esse alvará depende da atividade informada. Se a atividade tem potencial de gerar grande movimentação de veículos, é obrigatório apresentar o Relatório de Impacto sobre o Sistema de Trânsito”, explica.

O documento, segundo ele, analisa fatores como largura da via, frequência de veículos, circulação de ônibus e segurança para pedestres. “Sem esse estudo, há risco de congestionamentos, acidentes e comprometimento da mobilidade urbana. No caso de centros de distribuição, o Rist deveria ser analisado com muito rigor”, alerta.

Ademar reforça que a AMC é o órgão responsável por analisar e aprovar o relatório: “O engenheiro elabora o Rist, entrega à AMC e ela decide se aprova ou não. Se a atividade exercida divergir do que foi declarado, cabe ao poder público intervir”, afirma.

O que dizem os órgãos públicos

Nota da Agefis

A Agefis informou que a empresa possui alvará de funcionamento vigente, com validade até agosto de 2026. Com relação ao Rist, dessa vez, o órgão afirma que a empresa apresentou o certificado de aprovação emitido pela AMC, referente ao Rist, e não se enquadra na exigência de apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)

Sobre a trepidação nas casas, o órgão orientou que se há risco de desabamento, os moradores devem solicitar um parecer da Defesa Civil, "para verificar se há relação entre as rachaduras e o trânsito de caminhões". 

Em relação ao barulho, a Agefis informou que foram realizadas medições com sonômetro no local em diferentes ocasiões, mas não constatou níveis de ruído acima dos limites legais.

Nota do MPCE

O MPCE, por meio da 133ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, informou que acompanha o caso via Inquérito Civil, instaurado após denúncia dos moradores. O órgão solicitou nova fiscalização da Agefis para verificar se a irregularidade já foi sanada e orientou os moradores a procurar a Defensoria Pública do Estado, que também acompanha a situação.

O que diz a Carajás

Procurada por O POVO, a Carajás Home Center informou que possui todas as licenças e autorizações exigidas pelos órgãos competentes para o funcionamento da filial em Fortaleza. Segundo a empresa, isso inclui o alvará de funcionamento, válido até agosto de 2026, e o Relatório de Impacto sobre o Sistema de Trânsito (RIST), aprovado pela AMC.

Em relação à licença ambiental, a Carajás afirmou que o processo está em fase final de atualização e revalidação, “conforme procedimentos administrativos regulares” junto à Seuma e à Agefis.

Sobre os impactos causados pelo trânsito de caminhões, a empresa declarou que vem adotando medidas de melhoria contínua em sua operação logística, entre elas:

  • ajuste dos horários de carga e descarga, priorizando períodos de menor circulação local;
  • orientação constante a motoristas e prestadores de serviço sobre conduta, tráfego e descarte adequado de resíduos;
  • implementação de um programa de limpeza e monitoramento das vias do entorno.

“A Carajás reitera que mantém diálogo aberto e permanente com as autoridades municipais e tem colaborado com todas as vistorias e fiscalizações, reforçando seu compromisso com a sustentabilidade, a segurança e o bem-estar da comunidade”, conclui a nota.

Contudo, a empresa não se manifestou sobre os boletins de ocorrência registrados contra a gerência e os caminhoneiros, nem sobre os possíveis danos estruturais nas residências atribuídos à trepidação causada pelos veículos pesados.

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar