O que é manejo de fauna e como é aplicado em florestas como a do aeroporto?

Semace investiga possíveis erros no manejo de animais silvestres durante a derrubada de 32 hectares da Floresta do Aeroporto; órgãos investigam eventuais erros

08:00 | Set. 27, 2025

Por: Kleber Carvalho
Área desmatada no entorno do Aeroporto de Fortaleza (foto: AURÉLIO ALVES)

A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) está investigando possíveis falhas no manejo da fauna da floresta do aeroporto, em Fortaleza, que teve 32 hectares desmatados para a construção de um centro logístico pela empresa Aerotrópolis Empreendimentos.

A apuração surge após denúncias de animais oriundos da área verde, que estariam fugindo após a perda dos seus habitats.

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Em casos como este, onde uma área florestal com presença de vida silvestre será desmatada para edificações, é necessário que a empresa responsável pela obra apresente o plano de manejo, documento que detalha como os animais ali presentes serão preservados.

O plano lista detalhadamente quais espécies vivem no local, estimativa de quantos exemplares cada uma possui ali, como e para onde serão deslocadas. Com esse plano em mãos, um biólogo deve acompanhar a execução da supressão vegetal e garantir o resgate e transporte adequados dos animais para o novo habitat.

“Esse local deve ser o mais parecido com o local em que ele estava na área que foi desmatada. E o mais próximo possível. Se foi no aeroporto, vamos ver se o mais perto é a Lagoa do Opaia, se é o Parque do Cocó… onde seria o local mais fácil para deslocar um camaleão, uma cobra, um tejo, uma raposa que pegar ou que for afugentado”, explica o biólogo e docente da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Luís Gonzaga Sales.

Esse plano é submetido ao órgão competente, no caso a Semace, e caso aprovado (como foi), segue para implementação em campo. Esta etapa pode ocorrer alguns dias antes, com a alocação de armadilhas e outras estratégias para capturar os animais, ou durante a supressão, resgatando os espécimes de forma paralela.

Todo o processo é acompanhado pela equipe de biólogos presentes no local da supressão, que além do resgate devem atuar no atendimento a eventuais animais feridos e encaminhamento de mortos para universidades previamente cadastradas, que utilizarão os bichos para estudo.

Os riscos iniciais são com os animais de locomoção lenta, que podem morrer atropelados, atingidos pelos troncos das árvores ou em choque com as máquinas. No caso dos mais rápidos, como mamíferos e cobras, o temor é pela fuga para locais não adequados como terrenos urbanos e áreas de predadores.

“Eles vão começar a tentar sair daquela área, fugindo para onde eles conseguirem. Sem alguém para resgatar eles vão fugir para pista, vão fugir para dentro de casas que estejam ao redor ou vão fugir para áreas que já estão limpas correndo o risco de serem predados por outros animais ou ficar lá isolados e morrem de sede e fome”, destaca a doutora em sistemática e taxonomia, e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Tatiana Feitosa.

Animais estão fugindo para áreas urbanas próximas ao aeroporto

Desde o flagrante do desmatamento de 32 hectares da Floresta do Aeroporto, na última segunda-feira, 22, imagens de animais, que seriam oriundos da mata, invadindo casas e outros espaços urbanos têm circulado nas redes sociais.

Quem vive nos arredores do Aeroporto Internacional Pinto Martins, entretanto, conta que essa já é a rotina há alguns meses no local, indicando que a derrubada do habitat dos animais teria começado por volta do mês de maio.

A pedagoga Jamile Cavalcante, por exemplo, conta já ter visto cobras, camaleões, iguanas e outras espécies nas ruas do bairro Aerolândia, onde mora. Segundo ela, o fato não era comum, já que os animais permaneciam dentro dos muros da floresta.

A descrição feita pela moradora é de animais assustados, que ainda evitam o contato com humanos e buscam alimento em alguns frutos dados pelas árvores da região. Alguns moradores do bairro têm se mobilizado para colocar frutas e água nas ruas para que os bichos possam se alimentar.

“Eles têm medo. Não tem aproximação com eles. Às vezes até quando a gente quer oferecer um alimento eles correm, mesmo estando com fome. Depois você deixa em um canto e eles voltam para comer. Mas não chegam perto da gente, por enquanto”, cita Jamile.

Moradores têm colocado água e alimentos para os animais no bairro

Especialistas destacam que esse contato mais próximo pode gerar riscos tanto para os humanos, que podem sofrer contaminações, quanto para os animais, que podem morrer atropelados ou de fome, conforme publicado pelo O POVO anteriormente.

Caso está sendo acompanhado pelos órgãos competentes

Além da Semace, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), também está investigando eventuais irregularidades no licenciamento e no manejo da fauna do local.

Em entrevista ao O POVO, o superintendente do órgão federal no Ceará, Deodato Ramalho, afirmou que poderá embargar a obra, caso sejam identificadas falhas em quaisquer etapas do processo de autorização da supressão vegetal.

De acordo com o superintendente da Semace, João Gabriel Rocha, a pasta irá concluir a investigação até semana que vem. Caso seja comprovada a existência de erros no licenciamento, a obra poderá ser embargada e a empresa multada financeiramente.

“Podem ser aplicadas multas, que variam entre R$ 500 a R$ 3 mil [reais] por animal; embargo das atividades. Há uma série de sanções que podem ser aplicadas”, disse João Gabriel também em entrevista ao O POVO.

O superintendente também pontuou que a Aerotrópolis tem até dois anos para realizar a compensação ambiental prevista por lei, que consiste na preservação ou plantio de área verde de tamanho e características iguais à desmatada, em Fortaleza.

Todos os os 46 hectares disponibilizados na autorização de supressão vegetal emitida pela Semace para a Aerotrópolis já foram desmatados. A licença, que vence no próximo dia 23 de outubro, não será renovada e a empresa não poderá fazer novos desmatamentos na região.

Durante a última quarta-feira, 24, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) realizou uma vistoria no local da obra do centro logístico. O órgão solicitou a entrega de documentos como Licença Ambiental para efetivação da obra, Estudo de Viabilidade Ambiental (EVA), o Inventário da Vegetação e o Plano de Afugentamento de Fauna.

Após a análise dos documentos, o MPCE irá definir a adoção ou não de medida judicial para coibir maiores danos ou reparação da empresa e da responsável pelo empreendimento à sociedade e ao meio ambiente.

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