Mãe de vítima da chacina do Curió conta que ouviu ameaça antes do julgamento

A mulher que perdeu o filho na chacina de 2015 conta que ouviu, dias antes do julgamento, que "tem é que calar essas mães, elas estão falando muita besteira"

10:24 | Set. 24, 2025

Por: Jéssika Sisnando
FORTALEZA-CE, BRASIL, 31-08-2025: Reunião das mães do Curió em ato de vigília em frente ao Fórum Clóvis Beviláqua onde ocorre o julgamento dos responsáveis pelo que ficou conhecido como Chacina do Curió. (Foto: Júlio Caesar/O Povo) (foto: JÚLIO CAESAR)

Uma das mães de vítimas da chacina do Curió, em Fortaleza, relatou que precisou se mudar após ouvir ameaças no mês de agosto deste ano, período que acontecia o quarto júri do caso. O relato foi registrado nessa segunda-feira, 22, em depoimento durante o primeiro dia do quinto julgamento do crime. 

Catarina Ferreira Cavalcante é mãe de Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho, morto aos 18 anos de idade, no dia 11 de novembro de 2015. Além de "Pedrinho", como a mãe o chamava carinhosamente, outros 10 foram mortos, destes, oito jovens.

Mais sete pessoas ficaram feridas, muitas com sequelas físicas e psicológicas da trágica madrugada.

Catarina afirmou, durante o julgamento, que acabou se mudando neste ano por medo, antes que o julgamento começasse.

Ela descreve que foi a um mercadinho, no mês de agosto, quando acontecia o quarto julgamento dos agentes de segurança que eram acusados de omissão, e viu no notíciário da TV uma matéria sobre o caso. 

Um homem, então, teria afirmado que um dos réus era vizinho dele e que seria julgado no mês de setembro. O homem dizia que "tem é que calar essas mães, elas estão falando muita besteira", reproduziu Catarina. 

No julgamento dessa segunda-feira, 22, durante as perguntas realizadas pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), a mulher afirmou que tem medo de represálias, mas que precisa pedir Justiça pela morte do filho. 

Catarina conta quye a vida se dividiu quando o filho morreu. Ela há havia perdido outro filho seis meses antes, morto após um câncer. Depois que Pedrinho morreu, ela ainda precisou lidar com problemas de saúde do marido e da mãe, que também morreu. Além de toda a situação de medo que envolvia o caso da chacina. 

Durante o depoimento, ela descreveu ter visto o filho baleado. Ele os outros garotos estavam feridos e foram socorridos por um pastor evangélico, em um automóvel com carroceria. A mãe contou ainda que acompanhava o transporte das vítimas na carroceria quando eles foram perseguidos por um outro veículo.

O carro que realizava o socorro então parou e alguns homens encapuzados passaram a perguntar se os jovens possuíam antecedentes criminais. 

Catarina diz que um dos homens tentou puxar o filho dela e ainda desferiu um murro em outra vítima. 

Conforme o relato da mãe, depois que chegaram ao Frotinha de Messejana, as vítimas e ela foram cercadas por policiais fardados. Ela afirma que viaturas estavam dentro da unidade hospitalar e que os PMs acessavam o interior da área de atendimento médico. 

Catarina descreveu ainda que, ao chegar com o filho ferido, foi surpreendida por alguns agentes que filmavam ela e os feridos desembarcando da caminhonete. Ela escutou os filhos sendo chamados de vagabundos e foi chamada de chefe dos vagabundos.

Ainda contu que um dos policiais chamou a atenção de um dos filhos dela dizendo que aquilo que acontecia era "culpa dele". 

Julgamentos 

Os policiais que estão sendo julgados são Marcílio Costa de Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano. Ambos estavam de folga no dia do crime, à paisana.

Laudos periciais mostram que a arma de Marcílio teria sido utilizada em uma das mortes e o veículo particular de Luciano Breno teria passado pelos locais dos crimes durante a madrugada.

Dias antes da chacina, Marcílio Costa de Andrade foi apontado como autor de um homicídio e uma tentativa de homicídio.

De acordo com o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), os crimes teriam sido motivados por conflitos familiares envolvendo a irmã de Marcílio e a companheira do sobrevivente.

O pai da vítima fatal teria ameaçado Marcílio e também foi assassinado. O laudo pericial da Polícia Federal confirmou que a mesma arma utilizada no homicídio do pai, um cadeirante, foi empregada na morte de Marcelo da Silva Mendes, vítima da chacina.

O policial teria apresentado os fatos pessoais a outros policiais como se fossem de interesse institucional, o que teria contribuído para o clima de revolta entre os policiais.

Conforme o MPCE, Marcílio teria agido na articulação dos atos violentos que se seguiram. Após as mortes, a irmã de Marcílio deixou o bairro em uma mudança que, segundo testemunhas, contou com apoio de homens encapuzados e viaturas da PM. Os fatos ocorreram no fim de outubro de 2015, dias antes da chacina.