Adinkras, o código utilizado por escravizados que permanece em portões e construções históricas de Fortaleza
Ornamentais comumente encontrados em portões e estruturas de ferro são, na verdade, símbolos ancestrais; conheça história e significados
Você já viu corações ou outros símbolos em grades e portões? O que parece um simples ornamento é, na verdade, um código ancestral africano recheado de significados, inserido no Brasil por povos escravizados como forma de resistência e preservação da memória cultural de suas origens.
Os Adinkras são ideogramas, ou seja, representações visuais de ideias, que transmitem valores ancestrais do povo Ashanti. Originalmente integrados ao povo Akan, os Ashanti aprofundaram as possibilidades de comunicação com uso de Adinkras para expressões de sentimentos e conceitos complexos.
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Originários de países da África ocidental como Gana, Costa do Marfim e Togo, os símbolos traduzem ideais que vão de liderança aos mais variados sentimentos, passando mensagens de apoio, coragem e esperança.
Entre os mais conhecidos está a Sankofa, representada por um pássaro olhando para o próprio rabo ou, na sua forma mais forjada em portões, desenhado como duas metades de um coração que se encontram.
Seu significado transcende o tempo. A mensagem contida nas curvas desse Adinkra é: "Deve-se voltar ao passado para buscar sabedoria, transformar o presente e ir em direção ao futuro".
Adinkras são usados desde tecido até no ferro fundido
O termo Adinkra significa, na língua Twi dos Ashantis, “um adeus à alma”, servindo para deixar mensagens ao falecido.
Assim, originalmente o uso dos Adinkras se concentrava na tecelagem, em especial na criação de indumentárias fúnebres ou para atividades como características ritualísticas, como velórios e enterros.
A partir de 1550, porém, os primeiros africanos escravizados chegaram ao Brasil. Entre eles, membros e descendentes do povo Akan, trazendo consigo o conhecimento sobre os Adinkras, que ganharia novos significados e aplicações no Brasil.
Em tempos de trabalho exaustivo e violência que se estenderam por mais de 300 anos — período em que se estima que cerca de 4,8 milhões de africanos foram trazidos à força para o Brasil —, a resistência dos Adinkra foi um dos primeiros elementos culturais africanos a ter o uso ressignificado.
A história dos símbolos no Brasil finca raízes na metalurgia, área que, entre tantas outras, se beneficiou do conhecimento de africanos escravizados. Os escravos urbanos eram forçados a desempenhar inúmeras tarefas, entre elas, iam desde ações domésticas e vendas ambulantes até mecânicas e ferragem.
Na arte de moldar o ferro para ornamentação de casas, eles acabaram incorporando os símbolos, que à primeira vista pareciam adornos, mas funcionavam como uma forma de resistência, preservação de memória e por vezes para sinalizações entre os escravizados.
As figuras com o tempo se expandiram para arquitetura, moda, joias, tatuagens e design, mas sua carga histórica e emotiva, gradualmente, foi ficando para trás à medida que os Adinkras eram reproduzidos em larga escala.
Mesmo sua aplicação em portões, que preserva suas raízes, comumente corresponde somente a lógica comercial ou foi um ensinamento repassado de forma sistemática, sem grandes interpretações e, acima de tudo, descolado de seu sentido histórico.
Adinkras resistem em monumentos históricos, incorporados até mesmo em construções católicas em Fortaleza
Os símbolos também aparecem no contexto religioso. No centro de Fortaleza, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída por negros da Irmandade de Nossa Senhora dos Pretos por volta de 1730, guarda a ancestralidade na base de seu crucifixo, com a Sankofa.
Outras igrejas e edifícios tombados pela cidade guardam o mesmo segredo: os símbolos de um povo que lutou para que, mesmo privados de liberdade, sua cultura e tradições pudessem ser perpetuadas.
Com o passar dos anos, frente à modernidade, mesmo que protegidos nos prédios históricos por meio do tombamento, os Adinkras vão passando despercebidos pelos transeuntes. Mesmo aqueles que admiram suas formas e contornos, não sabem da mensagem de resistência e memória ancestral incrustada nas formas.
Confira Adinkras mais comuns e seus significados
Sankofa, Akoma, Asase ye duru, Nyame dua, Akoko Nan, Dwenini mmen e Nukurumah kese são os Adinkras mais comuns. Confira seus significados:
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