Libera a Margarida: moradores reclamam de rua fechada por motel em Fortaleza

Moradores argumentam que a abertura da via melhoraria o tráfego e a segurança na região. Um painel com QR code na av. Bezerra de Menezes convoca o público a assinar uma petição contra a suposta privatização

Moradores do bairro São Gerardo, em Fortaleza, denunciam o caso de uma rua que teria sido ilegalmente privatizada. A via, que inicia na av. Bezerra de Menezes e se localiza entre o North Shopping e o condomínio residencial Gomes de Freitas, foi ocupada pelo Chalex Motel. No local, o empreendimento construiu um muro, dividindo a rua ao meio.

Segundo moradores, a abertura da via facilitaria o tráfego, além de melhorar questões como segurança e realização de serviços públicos.

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Quem passa com olhos atentos aos letreiros dispostos na av. Bezerra de Menezes, uma das vias mais importantes da Capital, talvez já tenha se deparado com um curioso painel localizado bem ao lado do North Shopping. Com os dizeres “Rua Margarida Maria”, acompanhado de um QR Code, a sinalização chama a população para assinar uma petição pública contra uma suposta privatização ilegal da via.

Um muro de pedra ocupando o caminho em questão e divide o espaço em dois: de um lado, está o calçadão construído pelo shopping. Do outro, uma via de transição sem saída que finaliza na entrada do Chalex Motel Fortaleza. Com diversas árvores coladas ao muro, o local ainda recebeu pavimentação com piso intertravado.

Luiz Sérgio Nóbrega, 59, é síndico de alguns condomínios dispostos entre os bairros Parquelândia, Presidente Kennedy e São Gerardo. Um deles é o residencial Gomes de Freitas, que fica ao lado da rua ocupada. Morador desde muito jovem na região, Sérgio comenta que a suposta ocupação indevida do local ocorreu há décadas.

“Antigamente, essa área era composta de um único terreno [o antigo Sítio Palmeira]. Quando houve a delimitação dos lotes para a venda, o proprietário definiu o que seria vendido e o que seria concedido ao município para a construção de ruas projetadas. Essa rua ao lado seria justamente uma dessas vias”, explica o gestor.

“Como era uma região muito baixa e não havia drenagem, a via não foi finalizada e ficou esquecida ao longo do tempo. No final dos anos de 1980, o Chalex fez esse muro, pegando para si metade da rua, e fechou os fundos. Já o North Shopping ocupou a outra parte”, continua Sérgio Nóbrega.

O síndico explica que, ao longo dos anos, diversos moradores das redondezas já reclamaram da privatização. Contudo, com a modernização da Cidade, os problemas urbanos decorrentes da ocupação foram ressaltados.

“Aqui na frente nós temos um ponto muito complicado no trânsito. A av. Bezerra de Menezes tem quatro vias, duas separadas para ônibus e duas para trânsito geral e, mesmo assim, forma congestionamentos”, comenta Sérgio.

Ele aponta que a via ainda recebe fluxo constante que motoristas por aplicativo que, sem ter um local apropriado para estacionar, enfrentam lentidão para embarque e desembarque de passageiros no North Shopping. “Se nós tivéssemos essa rua liberada, todos esses transportes acessariam ela para fazer o retorno e desafogaria o trânsito da Bezerra de Menezes”, pontua o síndico.

Segurança e serviços públicos comprometidos

Outra preocupação relacionada à via ocupada é que, pelo local, perpassa uma instalação de gás combustível. “Essa instalação abastece o prédio e demais imóveis nesta região. Contudo, o caminho foi tomado pela administração do motel. Isso foi investimento público! Se você privatiza esse espaço, como é que fica o acesso a essa rede, ao medidor que está voltado para a rua?”, aponta Sérgio Nóbrega.

Segundo o síndico, houve momentos em que uma companhia de comercialização de gás combustível do Ceará necessitou realizar procedimentos na instalação do local. Nessas ocasiões, a via precisou ser bloqueada. O que causou reclamações pela administração do motel.

Moradora do condomínio Gomes de Freitas, Aurilene Pinho Gomes, 58, ainda comenta que o local representa insegurança para quem transita pela região. “Já houve assaltos aqui. De noite essa entrada fica escura, e os criminosos aproveitam para se esconder nas árvores. A gente evita até sair de noite”, comenta a executiva de conservação.

De acordo com ela, por não haver portões ou vigilância na entrada construída pelo motel, vândalos também utilizam o local. “Também vêm motoristas, taxistas e mototáxis que entram para urinar. O cheiro fica horrível, e tem dias que fica tão ruim que ninguém suporta. Precisamos pedir ao zelador para jogar sabão e água sanitária”, comenta.

Ela explica, no entanto, a maior reivindicação é em decorrência do trânsito. “Se tivesse a rua seria muito melhor. Tem dias, em horário de pico, que nós ficamos de 30 a 40 minutos para sair ou entrar na garagem. Além disso, na parte que foi pega pelo North Shopping, os táxis não deixam a gente entrar com nossos carros. Se a gente for, eles nos barram”, comenta a moradora.

Imbróglio da rua Margarida Maria: processo judicial

O POVO entrou em contato com a gerente do Chalex Motel, Mazé Valcacio. Segundo a representante, o terreno onde o muro foi construído faz parte da empresa e foi comprado em 1984. “Há 39 anos que estamos no mesmo endereço, não foi feito nenhuma mudança no local”, declarou a gerente do empreendimento, sem dar detalhes à reportagem.

A reportagem teve acesso aos documentos, disponibilizados pelo representante do Condomínio Gomes de Freitas, referentes ao histórico de processos judiciais da disputa pela propriedade do terreno onde a rua Margarida Maria, supostamente, deveria se localizar.

Imbróglio da rua Margarida Maria: linha do tempo

27/01/1998: O Motel Chalex entrou com uma ação de usucapião, que é uma forma de adquirir o direito de propriedade sobre um imóvel por meio do uso contínuo ao longo do tempo. Eles alegaram que tinham direitos sobre o terreno onde o motel estava localizado.
(Fls. 103-104 do Processo 0397790-66.2000.8.06.0001 interdito)

02/10/1998: A Prefeitura notificou o Motel Chalex para desocupar a área devido a obras planejadas para abrir a rua Margarida Maria. Deram ao motel um prazo de dez dias para sair. (Fls. 101-102 do Processo 0397790-66.2000.8.06.0001 interdito)

23/10/1998: O Motel Chalex entrou com uma ação de Interdito Proibitório para impedir a Prefeitura Municipal de Fortaleza de agir contra eles. (Fls. 17 do Processo 0397790-66.2000.8.06.0001 interdito)

07/06/1999: A prefeitura apresentou sua defesa na ação, explicando os motivos para a desocupação da área. (Fls. 117-119 do Processo 0397790-66.2000.8.06.0001 interdito)

23/10/2000: O juiz solicitou uma perícia, pois o Motel Chalex afirmava ser proprietário da área e já havia tentado uma ação de usucapião no passado. (Fls. 151-152 do Processo 0397790-66.2000.8.06.0001 interdito)

02/03/2015: Após cinco anos de atraso, o Motel Chalex pagou pela perícia. (Fls. 273 do Processo 0397790-66.2000.8.06.0001 interdito)

08/10/2016: O perito apresentou um laudo técnico que favoreceu a Prefeitura, afirmando que a entrada do motel prejudicava a mobilidade urbana e ocupava uma área de preservação ambiental. (Fls. 343 - 359 do Processo 0397790-66.2000.8.06.0001 interdito)

10/01/2020: O juiz deu ganho de causa à Prefeitura Municipal de Fortaleza, suspendendo a proibição que impedia a Prefeitura de agir contra o motel desde 1998. O Motel Chalex foi condenado a pagar custas e honorários no valor de R$ 10.046,82. (Fls. 443 - 451 do Processo 0397790-66.2000.8.06.0001 interdito)

21/08/2020: A Prefeitura notificou novamente o Motel Chalex sobre a invasão da rua. (Fls. 03 do Processo Administrativo P 271750/2020)

07/10/2020: O Motel Chalex iniciou um novo processo administrativo solicitando a desafetação da rua Margarida Morais, alegando que a demolição do muro seria o fechamento da entrada do Motel. (Fls. 1-21 do Processo 271750/2020)

20/11/2020: Após 43 dias, a Coordenadoria de Gestão do Patrimônio (Cogepat) encaminhou o novo processo para a elaboração do Laudo de Avaliação. (Fls. 23 do Processo 271750/2020)

25/11/2020: Após cinco dias, o Laudo de Avaliação já está concluído. O terreno com 892,65 m² (localizado na av. Bezerra de Menezes e vizinho ao North Shopping) estava avaliado em R$ 1.017.808,46. O processo foi remetido à Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Sepog).
(Fls. 28 do Processo 271750/2020)

08/12/2020: A Sepog/Cogepat encaminhou o processo à Procuradoria Geral do Município (PGM) com um despacho favorável à venda da rua. (Fls. 32)

28/01/2021: A PGM emitiu um parecer favorável à venda da rua Margarida Maria, fazendo referência ao despacho anterior favorável. (Fls. 51 a 53)

11/08/2022: O prefeito encaminhou uma mensagem à Câmara, apresentando um Projeto de Lei solicitando a desafetação da rua Margarida Maria.

O que diz a Prefeitura de Fortaleza

Em nota, a Prefeitura de Fortaleza declarou que autorizou a regularização da área de mais de 800 metros quadrados ocupada pela empresa Ocean Turismo Ltda, no bairro São Gerardo, há mais de 20 anos.

“Como contrapartida ao Município, o empreendedor deverá pagar um valor que será estabelecido por laudo técnico da Secretaria Municipal de Infraestrutura - Seinf. O montante negociado será destinado ao Fundo Municipal Imobiliário (Fimob), cujo papel é a aplicação na aquisição, ampliação ou melhoramento de equipamentos que atendam o interesse público”, declarou a gestão pública.

Segundo a Prefeitura, o processo é semelhante ao que já ocorreu, em março deste ano, com a empresa CE Shopping S/A (que administra o North Shopping Fortaleza) quando um termo de Ajuste de Conduta (TAC) foi assinado entre o Município, o empreendedor e o Ministério Público do Ceará (MPCE), com o objetivo de regularizar áreas ocupadas pelo empreendimento”, ainda declarou a gestão municipal.

Quando questionada sobre um prazo referente ao pagamento do montante pela empresa que gerencia o Chalex Motel, a Prefeitura declarou que o processo está em revisão de laudo.

O North Shopping Fortaleza, por sua vez, informou que, desde a chegada da atual gestora no empreendimento, todas as intervenções foram realizadas dentro dos padrões técnicos orientados pela municipalidade e com conhecimento da mesma. O empreendimento reforça ainda que realiza constantemente diversas iniciativas e melhorias com o objetivo de impactar positivamente a comunidade.

“Solte a Margarida”

No início de 2023, uma ação do Chalex Motel causou revolta nos moradores do condomínio Gomes de Freitas: o empreendimento pintou um letreiro de divulgação na parede pertencente ao residencial.

Após o ocorrido, o condomínio realizou reclamação contra a administração do Chalex, que por sua vez retirou a divulgação e pintou novamente a parede de branco.

Contudo, na parede do condomínio outro anúncio foi instalado pouco tempo depois. Com a campanha “Solte a margarida”, moradores convidam a população da Cidade para assinarem um abaixo-assinado solicitando a derrubada do muro pela Prefeitura.


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