Quando eu tiver cem anos

A reportagem do O POVO esteve na festa do centenário de uma cearense de Ibiapina que mora no bairro Porangabussu, em Fortaleza, e tem uma irmã de 105 anos que gosta de cantar

Quando eu ficar mais velho, perdendo meus cabelos / Você ainda vai precisar de mim, você ainda vai me alimentar / Quando tiver sessenta e quatro anos?
When I´m sixty four - The Beatles

 

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“A velhice é muito ruim, ter essa idade, então?”, fala com um sorriso a dona Albetiza Carvalho dos Santos. É o que ela responde sobre o que significa entrar, oficialmente, para o restrito grupo de brasileiros com 100 anos ou mais.

De acordo com dados deste ano do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24.236 pessoas ultrapassaram um século de existência, número que corresponde a apenas 0,01% da população do Brasil. A expectativa de vida para os brasileiros é de 76 anos, ao passo que para os cearenses, é de um pouco mais de 74.

Dona Albetiza nasceu no dia 13 de agosto de 1923 e seu centenário caiu em um domingo, Dia dos Pais, data na qual se celebra a figura masculina que ama e cuida dos rebentos. A comemoração foi especial porque ela própria foi mãe e pai de seus filhos, tal qual tantas mulheres no Brasil que assumem sozinhas suas famílias por causa do abandono, viuvez ou o que seja.

No caso de dona Albetiza, a vida reservou um marido que trabalhava viajando e que ainda tinha outra família.

À reportagem, a Albetiza centenária pouco pôde dizer, dada a dificuldade de ouvir e articular palavras. Culpa do Tempo, esse tambor de todos os ritmos que de tanto reverberar, pode nos deixar mesmo um tanto moucos. A velhice é uma fase cheia de silêncios e suspiros.

Mas como uma vida boa é aquela na qual há muitas histórias para contar, dona Albetiza aprendeu a falar sorrindo, acenando e cantando – sim, cantando – quase que fazendo coro com os bem-te-vis que se empoleiraram nas árvores próximas à casa sombreada do Porangabussu.

A narração dos causos fica por conta dos filhos, netos, genros, vizinhos e amigos, além da irmã, Dorinha, uma sorridente senhora de 105 anos que viajou de Ibiapina (distante 318 km de Fortaleza) para ver a irmã.

“Ela era minha bonequinha. Eu colocava no colo e penteava os cabelos dela, fazia os cachinhos. Ela era linda”, lembra Dorinha, apelido de Maria das Dores Carvalho de Queiroz, nascida em 5 de julho de 1918, ano da Revolução Russa, do surgimento da pandemia de Gripe Espanhola e do fim da Primeira Guerra Mundial.

Socorro Carvalho, a caçula dos dez filhos de dona Albetiza e nascida em meados do século passado, folheia os álbuns de fotografia para revisitar o tempo. “Apesar de ser ministra da Eucaristia, ela não era muito afeita a estar dentro da igreja, preferia estar na lida cuidando de quem pudesse. Por isso ela foi agente voluntária de saúde”, diz.

“Ia no Hospital das Clínicas, rezava, cantava e confortava os pacientes com câncer. A porta da nossa casa estava sempre aberta, a mesa sempre posta, porque sempre havia alguém da Favela do Angelim que estava com fome e vinha com a família atrás de um pão ou um prato de comida”, destaca.

O aniversário começou na casa do Porangabussu, com a entrevista ao O POVO, e se estendeu até a um restaurante de hotel na avenida Beira-Mar. Enquanto os mais achegados pegavam o microfone para relembrar alguma história boa de contar sobre ela, Albetiza bebia, comia e se divertia.

A velhice também pode ser uma fase cheia de risadas e palmas.

 

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