Residencial Iracema, em Fortaleza, é demolido cinco anos após desocupação

Construtora proprietária do edifício ainda não informou o que será construído no lugar do antigo point da boemia fortalezense

Construído na década de 1960, na rua Antônio Augusto, bairro Meireles, o Residencial Iracema, considerado um dos prédios de maior valor histórico de Fortaleza, deixou de existir oficialmente nesta quinta-feira, 17. Após uma demolição completa, o edifício de dois andares, que conservava traços da arquitetura modernista da Capital, se transformou em uma enorme montanha de entulho. O prédio estava inabitado desde 2015, ano em que os então locatários tiveram que desocupar todos os apartamentos, por determinação da construtora Idibra, proprietária do edifício.

À época, a empresa informou que o imóvel daria lugar a um novo empreendimento residencial, mas não estipulou prazo para o início da obra. Ainda argumentou que, apesar da construção ser do século passado, o prédio não possuía valor histórico.

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Insatisfeitos com a decisão, moradores fizeram um abaixo assinado para pedir o tombamento do imóvel à Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). O movimento contou com o apoio de arquitetos, músicos, artistas plásticos e diversas personalidades ligadas à cultura. Atendendo ao apelo, a prefeitura autorizou o tombamento do edifício em agosto de 2015, mas de forma provisória, por um ano.

Sem a emissão de um novo registro de tombo definitivo, ficaram livres os caminhos para a derrubada do residencial, que já estava com parte de sua estrutura comprometida em virtude de má conservação. Cenário bem diferente dos idos de 1960 a 1990, quando o imóvel era considerado o point oficial da boemia e da elite intelectual na Capital cearense.

Para o arquiteto e urbanista Romeu Duarte, professor do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC), a demolição do prédio torna a cidade mais pobre do ponto de vista arquitetônico. “A cidade vai perdendo as suas referências de arquitetura desnecessariamente. A tendência é que a especulação imobiliária derrube cada vez mais as nossas riquezas arquitetônicas. É uma pena, porque esse patrimônio não tem valor mensurável, é algo que conta um pouco da história desse lugar e das pessoas que aqui vivem ou já viveram”, lamenta o professor, um dos autores do pedido de tombamento do edifício, apresentado à Secultfor em 2016.

O esforço para evitar a demolição, no entanto, parece ter sido em vão. “Cinco anos depois de pedir o tombamento, até agora não recebi nenhuma resposta. Inclusive, hoje, ao saber da demolição, enviei novas solicitações, mas até o momento não fui informado de nada. Parece que lá [Secultfor] a coisa não progride, não anda”, lamenta.

Ainda de acordo com o professor, a derrubada de um residencial com potencial valor histórico reflete o que ele classifica como “falta de compromisso da elite socioeconômica de Fortaleza com a cultura da cidade”. Um movimento que, segundo Romeu, tende a crescer com o passar do tempo. “É mais um prédio de enorme valor histórico e patrimonial que foi destruído nessa escalada que a gente está vendo nos últimos anos”, conclui.

FORTALEZA,CE, BRASIL, 17.06.2021: edifício era cercado de construções verticais na área considerada como a mais nobre da capital
FORTALEZA,CE, BRASIL, 17.06.2021: edifício era cercado de construções verticais na área considerada como a mais nobre da capital (Foto: FÁBIO LIMA/ O POVO)

Desenho moderno

Projetado pelo pernambucano Porto Lima, um dos primeiros professores do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, o Residencial Iracema era símbolo do desenho modernista de Fortaleza, também materializado em outros prédios emblemáticos da arquitetura local, como o Ginásio Paulo Sarasate, a Assembleia Legislativa e o Palácio da Abolição.

No abaixo-assinado em que pediam o tombamento do edifício, em 2015, os então moradores do residencial o descreveram como "um oásis habitado em meio a uma selva de concreto''. O texto ainda classificou o prédio como um reduto de relações comunitárias harmoniosas e pacíficas.

“Sombra, paz e beleza fazem parte do cotidiano da vida dos que ali habitam, mas também de muitos moradores das proximidades e outras tantas pessoas que preservam uma afetuosa relação com aquele ambiente cativante. Das rodas de violão que despontam das varandas às crianças que brincam nas pequenas ruas, o cotidiano dos moradores, com roupa no varal, roda de conversa na calçada, xícara de açúcar ou uns palitos de fósforo cedidos pelo vizinho do lado, dão ao lugar um jeito de viver sereno e harmônico”, afirma um fragmento do documento, que teve a assinatura de 682 pessoas.

Sem respostas

Procurada pelo O POVO, a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) se limitou a informar que “o Residencial Iracema não possui tombamento pelo poder municipal”. As perguntas enviadas pela reportagem, no entanto, tratavam sobre os motivos pelos quais o pedido de tombamento definitivo não foi atendido. A pasta também não respondeu se foi consultada pela construtora antes da demolição se concretizar. A Idibra, por sua vez, não havia informado, até o fechamento desta matéria, a que fim se destinará o terreno do imóvel.

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Tags

RESIDENCIAL IRACEMA; DEMOLIÇÃO DE PRÉDIOS; PATRIMÔNIO HISTÓRICO; ARQUITETURA FORTALEZA

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