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No Ceará, mortes por causas não naturais chegam a 70,7% no grupo de homens entre 15 a 24 anos

Óbitos por causas não naturais (ou externas) incluem casos de homicídios, suicídios, acidentes de trânsito, afogamentos e quedas acidentais, por exemplo, que incidem com mais intensidade na população masculina

O percentual de óbitos masculinos por causas não naturais no grupo de indivíduos entre 15 e 24 anos chega a 70,7% no Ceará. A média brasileira é de 65,9%. Essa faixa etária é a mais atingida por mortes dessa natureza no Brasil, segundo mostram as Estatísticas do Registro Civil 2019, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira, 9

Óbitos por causas não naturais (ou externas) incluem casos de homicídios, suicídios, acidentes de trânsito, afogamentos e quedas acidentais, por exemplo, que incidem com mais intensidade na população masculina.

O índice cearense de mortes de homens jovens por esses motivos é o sexto maior do Brasil, igualando-se ao Rio Grande do Norte, que apresenta o mesmo percentual. Apresentando os maiores percentuais do Brasil antes do Ceará, estão Bahia (83,1%), Rio Grande do Sul (79,9%), Alagoas (72,4%), Sergipe (72,3%), Pernambuco (72,3%).

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No total, o Ceará registrou 5.062 óbitos dessa natureza em 2019, sendo a maioria de 83,1% composta por homens (4.211). Em relação a 2018, o dado sofreu recuo de 25%, quando 6.755 mortes dessa natureza foram registradas.

Nordeste tem o segundo maior percentual de óbitos não naturais (9,8%) em relação ao total de mortes em 2019, ficando atrás apenas do Norte (11,3%). Há dez anos o percentual chegava a 10,4%.

De acordo com o professor Luiz Fábio Silva Paiva, do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), existe um histórico de violência envolvendo homens nessa faixa de idade de 15 a 24 anos no Estado.

Ele acredita que vários fatores colaboram para esse cenário, mas destaca o “culto à virilidade masculina” e o “acerto de contas entre facções criminosas que disputam a hegemonia do crime do Ceará” como os mais influentes.

“Temos centenas de casos que envolvem conflitos interpessoais, situações de brigas de trânsitos, de amigos no bar que puxam uma faca ou uma arma após discussão. Situações absolutamente eventuais que têm ceifado a vida de muitos homens no Ceará”, completa o docente do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFC.

Dessa forma, o professor analisa que em frequentes ocasiões é possível identificar um certo tipo de masculinidade tóxica construída culturalmente “que produz agressividade” e leva a uma “maneira de se impor que é destrutiva tanto para os outros quanto para o próprio sujeito que quando não corresponde a esse ideal de masculinidade”.

Paiva propõe para amenizar esse contexto um reforço especial na rede de atenção psicossocial pública, com ampliação dessa estrutura no Estado e criação de uma aparato protetivo adequada.

“Temos um sistema de atenção psicossocial extremamente defasado, incapaz de efetivamente atender a demanda e, consequentemente, produzir um efeito positivo”, critica.

O pesquisador sugere ainda mais investimento em políticas públicas para o lazer e apoio a iniciativas nas comunidades periféricas do Estado. “Enquanto não entendermos que viver em sociedade significa produzir uma boa vida coletiva, infelizmente vamos estar convivendo com esses números extremamente altos, que revelam a miséria da nossa sociedade”, finaliza.

Procurada pelo O POVO, a Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS) afirmou que atua de forma preventiva, junto às suas pastas vinculadas, para "reforçar a participação da população em projetos sociais e outras iniciativas que promovam a sedimentação do desenvolvimento integral do ser humano, em todo o Estado, evitando a atuação de organizações criminosas".

As iniciativas, diz o órgão, ocorrem dentro em instituições de ensino e também durante o horário de contraturno escolar, principalmente em territórios onde estão concentradas as maiores incidências de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI).

"É importante destacar as ações proativas baseadas nas doutrinas do policiamento de proximidade e comunitário, que são realizadas pela PMCE nas 15 Unidades Integradas de Segurança (Unisegs) localizadas em Fortaleza, Juazeiro do Norte e Sobral", acrescenta a SSPDS.

De acordo com a Secretaria, os projetos contam com o envolvimento de outros atores sociais e incluem aulas de música e esportes, que utilizam espaços e estruturas públicas para a realização desse trabalho.
A pasta cita ainda a criação do Programa de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger).

Além da instalação dessas estruturas fixas da Polícia Militar do Ceará (PMCE), o Proteger realiza o mapeamento de 70 indicadores como renda, saneamento e educação, referentes às áreas críticas de Fortaleza. Atualmente, territórios em Fortaleza, Maracanaú e Caucaia contam com o programa.

É mencionado também o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), que existe desde 2001 e já formou mais de 600 mil alunos de escolas públicas e particulares. O projeto acontece em instituições de ensino de todo o Ceará e trabalha com o objetivo de prevenir o uso indevido de drogas entre crianças em idade escolar, com toda a formação dos estudantes sendo acompanhada por policiais militares.

A SSPDS também destaca que a Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) desenvolve ações de prevenção à violência e ao uso indevido de drogas. "Com 25 anos de história, a Dipre já atendeu um público de aproximadamente 750.000 estudantes na Capital e no Interior do Estado, entre os anos de 2000 a 2020. Em torno de cinco mil multiplicadores foram formados pelas equipes especializadas", diz a nota.

Outro ação focada nessa população, conforme a SSPDS, é realizada pelo Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE), por meio do "Jovem Brigadista de Valor". Os brigadistas participam de um curso anual de 264 horas/aula, em dois encontros semanais, em que o conteúdo programático prevê noções de atendimento pré-hospitalar, salvamento e de combate a incêndio, ordem unida, noções de defesa civil, ética e cidadania.

"Além de atividades sociais e educativas, temas transversais, como educação no trânsito, prevenção e combate ao uso de drogas, higiene pessoal e saúde são repassados durante o curso", completa a pasta.
O Corpo de Bombeiros também coordena o "Surf Salva", que forma no Ceará jovens que contribuem na prevenção e resgate no mar. As duas iniciativas são comandadas pelo Centro de Treinamentos e Desenvolvimento Humano (CTDH) do CBMCE)

Ainda conforme a Secretaria, a Academia Estadual de Segurança Pública (Aesp) promove cursos de formação inicial e continuada, baseados na matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (SENASP/MJ), que prevêem uma formação humanizada e de intervenções técnicas, propiciando a formação de profissionais de segurança pública preocupados com as questões sociais e a resolução de conflitos.

"Os cursos incluem disciplinas de Direitos Humanos, Ética e Cidadania. Além disso, assuntos como a diversidade social, cultural e a proteção de Grupos Vulneráveis, como mulheres, negros e a população LGBTQI+, são abordados em atividades extracurriculares e/ou multidisciplinares como fóruns e seminários", diz a SSPDS.

Por fim, a secretaria frisa que tem focado nas "ações de territorialização nas regiões onde são registrados os maiores índices de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), bem como atua no fortalecimento da PCCE nesses locais, que também englobam a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), para coibir a atuação e a disputa entre organizações criminosas".

A pasta também garante que "diversas prisões importantes foram realizadas, nos últimos dias, com o intuito de desarticular as organizações criminosas."

Outras iniciativas

Em nota, a Secretaria da Educação (Seduc) afirmou que os 187 mil alunos matriculados no ensino médio da rede pública são alcançados pela Política de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais, "visando ao crescimento pessoal das estudantes, à construção de projetos de vida, bem como à preparação para a vida acadêmica e profissional."

O Projeto Professor Diretor de Turma é uma das iniciativas nesse âmbito que busca promover "um diálogo constante do estudante, com seus familiares, com a direção da escola e seu corpo docente, contribuindo para o sucesso e a formação enquanto cidadão."

Com isso, a ideia é qualificar as relações interpessoais e intrapessoais, com vistas à melhoria do convívio escolar e comunitário. O projeto mantém um professor da unidade de ensino acompanhando o desempenho escolar destes estudantes até o final de sua escolarização, fazendo as intervenções necessárias à conclusão de seu projeto de vida.

"O Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS) também faz parte das Socioemocionais. Foi incluído no currículo das turmas de ensino médio das escolas de tempo integral, visando ao desenvolvimento pessoal dos estudantes, bem como à preparação para a Universidade", complementa a Seduc.

De acordo com a pasta, a iniciativa funciona abordando os seguintes eixos: "Na 1ª série do ensino médio, conhecerão a si mesmos; na 2ª série, o que são e a relação com a comunidade; e na 3ª série, quem são no mundo, o que sonham em ser como profissionais e o que esperam ser como pessoas."

A Seduc explica que a ação também conta com os 30 psicólogos, lotados nas 20 Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Crede) e nas três Superintendências das Escolas Estaduais de Fortaleza (Sefor).

Eles dão suporte às equipes técnicas da escola, "em diversas frentes pedagógicas que reforçam o desenvolvimento das Competências Socioemocionais, como autogestão, amabilidade, engajamento com o outro, resiliência emocional e abertura ao novo".

Sobre ações voltadas a discutir masculinidade tóxica na escola, a Seduc afirma que sua Equipe de Educação, Direitos Humanos em Gênero e Sexualidade da Coordenadoria da Diversidade e Inclusão Educacional (Codin) "elabora e propõe formações, atividades, projetos, palestras e rodas de conversa com o objetivo de construir um ambiente escolar mais igualitário, menos sexista, saudável, amistoso, menos discriminatório e acolhedor para todas e todos."

Em relação ao debate sobre suicídio com os jovens, a pasta destaca que em 2020 também foi realizada a campanha Setembro Amarelo para conscientizar acerca da prevenção ao suicídio. "Entre as ações, houve o webinar: 'Formas de sentir e a construção das masculinidades: por que os homens tiram suas vidas?' Esse momento contou com a participação de dois professores e um psicólogo da Seduc, e conforme acompanhamento do setor, teve 576 visualizações até o dia 8/12/2020", detalha a Secretaria.

A Seduc finaliza a nota reforçando que essa política desenvolvida pela Codin ocorre também por meio de eventos anuais que pautam as questões de gênero e sexualidade "sendo transversais à construção das masculinidades e feminilidades, como a Semana Janaína Dutra, a Semana Luís Palhano e a Semana Maria da Penha nas escolas."

De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), a Rede de Atenção Psicossocial de Fortaleza (Raps) é composta por 23 equipamentos, sendo 15 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) — seis gerais, dois infantis e sete álcool e outras drogas —, cinco unidades de acolhimento e três residências terapêuticas.

A média de atendimentos mensais em um período regular é de 14,5 mil nos seis Caps Gerais, que atendem pessoas que apresentam sofrimentos psíquicos ou transtornos mentais severos e persistentes. As internações decorrentes de casos graves de depressão são feitas pelo Estado, através do Hospital de Saúde Mental de Messejana. A SMS informou que não detalha os atendimentos por gênero ou idade dos pacientes.

"Além disso, a Prefeitura dispõe de uma rede de apoio com leitos infantojuvenis na Sociedade de Assistência e Proteção a Infância de Fortaleza (Sopai), leitos para desintoxicação na Santa Casa de Misericórdia e um convênio com o Hospital Mental Psiquiátrico do Estado", acrescenta a nota.

Em nota, a Sejus informou que "a Secretaria do Esporte e Juventude do Estado do Ceará mantém diversas ações que estão diretamente ligadas a esse contexto, tais como o programa Ceará Atleta, o projeto Esporte em 3 Tempos, as Redes de Esporte Comunitário na Capital e no interior". Veja a nota na íntegra:

"A oferta de atividades esportivas e de lazer é uma política que certamente atua no enfrentamento da violência. Constitui espaço de socialização saudável, que tem como bases valores como o respeito, a disciplina e o companheirismo. A Secretaria do Esporte e Juventude do Estado do Ceará mantém diversas ações que estão diretamente ligadas a esse contexto, tais como o programa Ceará Atleta, o projeto Esporte em 3 Tempos, as Redes de Esporte Comunitário na Capital e no interior.

Também os eventos organizados pela Sejuv acabam por estimular a população a uma prática esportiva regular, a exemplos dos Jogos Escolares, Jogos Abertos, Jogos Paralímpicos, Campeonato Intermunicipal de Futebol, Jogos Indígenas, entre outros, e ainda podendo ser considerados os projetos que recebem recursos por meio da Lei de Incentivo ao Esporte. No Centro de Formação Olímpica (CFO), também é desenvolvido ações por meio de aulas de Basquete, Futsal, Voleibol, Vôlei de Praia, Alongamento, Condicionamento Físico e agora contamos com mais duas novas modalidades – Badminton e Tênis de Mesa. De fato, como em todas as áreas do serviço público, a demanda é sempre presente, mas trabalhamos dentro das condições econômicas de um estado como o Ceará para sempre ampliar ao máximo o alcance das ações, possibilitando que cada vez mais pessoas tenham acesso a políticas públicas de esporte e ao lazer."

 


Norte e Nordeste têm mais óbitos de homens jovens entre 2008 e 2019

Uma comparação realizada pelo IBGE sobre os registros de óbitos por causas externas no grupo etário masculino de 15 a 24 anos, entre 2008 e 2019, revela que entre os estados que aumentaram o volume desses registros, destaca-se o Amazonas, cujo incremento foi de, aproximadamente, 119%. Os maiores acréscimos se deram ao Norte e Nordeste do País.

O Ceará teve alta de 17,6% desses casos considerando o período observado. O maior percentual de incremento do Nordeste foi notado em Sergipe: 71,9%. Logo depois vêm Piauí: 60,2%, Bahia (57,5%), seguida pelo Ceará, Rio Grande do Norte (16,6%) e Maranhão (4,8%).

Paraíba, Pernambuco e Alagoas registraram quedas nessa variação de 24%, 25% e 11% respectivamente. Nesse mesmo sentido, algumas unidades da Federação diminuíram significativamente a quantidade de registros de mortes de homens jovens por causas externas. São os casos do Espírito Santo, Distrito Federal, Paraná, São Paulo, Mato Grande do Sul, Rondônia e Minas Gerais, com quedas superiores a 30%.


Homem de 20 anos tem 9,5 mais chance de não completar os 25 no Brasil que uma mulher

Ainda de acordo com o IBGE, em 2019, a sobremortalidade masculina por causas não naturais no Brasil — que é a maior mortalidade da população masculina em relação à feminina — no grupo de 20 a 24 anos foi da ordem de 9,5.

Ou seja, um homem de 20 anos tinha, aproximadamente, 9 vezes e meia mais chance de não completar os 25 anos do que uma mulher no Brasil. Em 1988, 31 anos antes, este valor era 7,3, o que configura um acréscimo de 30,1% no período.

No entanto, se forem considerados somente os registros de óbitos por causas naturais no grupo de 20 a 24 anos, um homem de 20 anos teria 2,1 vezes mais chance de não completar os 25 anos do que uma mulher na mesma idade no ano de 2019.

No grupo etário de 70 anos ou mais esses percentuais elevam-se para 49,0% e 85,1%, respectivamente. Esse diferencial por sexo nas últimas faixas etárias se dá pela maior esperança de vida das mulheres (80 anos), superior à esperança de vida dos homens (73 anos), o que leva a um maior contingente de mulheres mais velhas.

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