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Homicídio de crianças e adolescentes aumenta 150% em Fortaleza no primeiro semestre de 2020

Foram 365 crianças e adolescentes assassinados na Capital entre janeiro e julho deste ano. No mesmo período, em 2019, o número era de 146
15:13 | Ago. 21, 2020
Autor Rubens Rodrigues
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Rubens Rodrigues Repórter do OPOVO
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Tipo Notícia

Nos primeiros seis meses de 2020, foram mortos em Fortaleza 150% de crianças e adolescentes a mais que o mesmo período de 2019. O número de vítimas de até 18 anos de idade foi de 146, no ano passado, para 365 neste ano. Balanço foi organizado pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) com dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

Restringindo esse número ao universo de adolescentes, de 12 a 18 anos, vai de 143 para 351 vítimas (aumento de 145,45%). O relatório mostra que meninos ainda morrem mais. No primeiro semestre de 2019, 123 garotos foram assassinados, enquanto, no mesmo período deste ano, o número subiu para 311. São 188 mortes a mais (152,85%). Já o número meninas mortas dobrou: 20 em 2019; 40 em 2020.

Foi observado aumento de homicídios ainda em novembro de 2019, quando o número de vítimas subiu de 18 para 33. O pico foi em fevereiro deste ano, com 67 vítimas. Fevereiro, inclusive, foi um mês marcado pela paralisação da Polícia Militar (PM) no Ceará. Motim começou no dia 18 daquele mês e só terminou depois de 13 dias. O Cedeca informou que vai apresentar esses e outros dados sobre segurança pública no próximo dia 29 em livecom o Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará.

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Coordenadora do Cedeca, Mara Carneiro afirma que a análise, embora dolorosa, não gera espanto por falta de mudança nas políticas públicas. "A gente viu a partir de um estudo que o que o Estado tem feito é tão violento quanto a violência letal que atinge as crianças, seja por meio da violência policial ou da violência por omissão. Na medida em que precariza as políticas públicas que deveriam defendê-las", analisa.

Conforme relatório do então Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência - hoje Comitê de Prevenção e Combate à Violência, da Assembleia Legislativa do Ceará - as vítimas são crianças e adolescentes que estão fora da escola há pelo menos seis meses, além do recorte racial, já que muitas dessas vítimas são negras.

"Sabemos onde se concentram os homicídios e o perfil das crianças e adolescentes. Mas o que os governos fizeram? Em 2018, o investimento em políticas públicas para crianças e adolescentes era menor do que foi investido em 2006 enquanto gastos com segurança pública aumentaram", destaca, embasada em estudo do Cedeca. "Na medida em que diminuíram os gastos com a infância e aumentaram os gastos com segurança pública, aumentam também os homicídios".

Manchas de violência

Há no mapa de Fortaleza o que Mara Carneiro chama de manchas de violência em determinados territórios. A região com mais homicídios nessa população é na Área Integrada de Segurança 2, que envolve bairros como Conjunto Ceará I e II, Genibaú, Bom Jardim e Siqueira. Em todo o ano de 2019, 22 pessoas de até 18 anos foram mortas nesses locais. O número é maior só nos primeiros seis meses deste ano: 29 registros.

Na área que envolve os bairros Messejana, Jangurussu, Curió e Paupina, o número de homicídios foi de seis em todo o ano passado para 20 só no primeiro semestre deste ano. Logo depois vem a região composta pelo Canidezinho, Mondubim e José Walter com 18 crimes letais no último semestre contra 19 que ocorreram no ano de 2019.

"Não podemos enfrentar homicídios na adolescência com esse modelo de segurança pública que sempre está atrás do fato, endurecido, que não tem dado resposta", critica a coordenadora do Cedeca. "Isso não é uma coincidência. É mais uma evidência de que o modelo que tem se estabelecido no Ceará aumenta a violência na medida em que faz um estado de guerra".

Ruptura institucional

Coordenador do Comitê de Prevenção e Combate à Violência, o sociólogo Thiago de Holanda destaca que não há estabilidade no histórico de homicídios no Estado. "Ainda se mata muito. É preciso questionar a política estratégica de segurança pública de forma mais global, não só relativa à polícia", pondera. "A gente percebe pico de homicídios durante a paralisação da PM, que é grave e impactou muito. Há uma ruptura institucional, sobretudo no eixo da polícia ostensiva. O trabalho de inteligência precisa ser fortalecido".

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"Hoje o Ceará está dominado por grupos armados que disputam territórios, sobretudo os mais vulneráveis. Esse domínio afeta a vida da população em vários níveis, de moradores impedidos de circular na rua a expulsão de moradores", continua o sociólogo. "A resposta da polícia é mais violência, mais confronto".

Tragédia consolidada

Pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), o professor Luiz Fábio Paiva afirma que a situação de conflito social gerada pelas facções criminosas intensificou uma dinâmica criminal, de enfrentamento nas periferias, que já existia no Ceará.

"Antes das facções nós tínhamos uma situação de números de homicídios bastante alto. A partir de 2016 a gente observou uma intensificação nesse processo, com uma característica muito peculiar aqui que é justamente a participação de crianças e adolescentes nesses grupos", denuncia. "Em 2019 houve um recuo que o governo atribuiu às suas ações, mas o que houve na prática foi um rearranjo dessas grupos armados que atuam nas periferias".

"Neste ano, tivemos o motim da PM e a pandemia, mas o que marca esse novo aumento dos homicídios é a intensificação dos conflitos armados entre os grupos criminosos com novos conflitos territoriais, inclusive na Região Metropolitana. Novo rearranjo de lideranças, novas pactuações surgindo", explica Luiz Fábio Paiva. "O governo alega que a partir de julho último houve redução, mas a tragédia este ano já está consolidada. Há um avanço forte dos homicídios, um processo que dura pelo menos 20 anos".

O POVO questionou a SSPDS sobre o número de crianças e adolescentes assassinados no período e políticas públicas específicas para lidar com as problemáticas citadas na reportagem. No entanto, não houve resposta oficial até a publicação desta matéria.

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