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"Aprendizado valioso", diz mãe que prepara livro sobre filha bailarina surda

Nesta quarta-feira, 24, é celebrado o Dia Nacional de Libras, lembrando a Lei nº 10.436, que reconhece Libras como língua oficial da comunidade surda brasileira
22:49 | Abr. 24, 2019
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Havia algo de diferente com a pequena Nicole Lemos, na época com apenas dois anos, que levou os pais a descobrirem a surdez da filha. O ano de 2015 caminhava para o fim quando a mãe Orleanda Lemos detectou, com a ajuda dos avós da menina, que ela não era ouvinte. Com a passagem dos dias, a família precisou se reestruturar à condição da menina.

A jornada de Nicole, atualmente com uma rotina dedicada aos estudos e ao balé, reflete o caminho de encontro da própria mãe com a educação bilíngue. Hoje aos cinco anos, Nicole estuda na Escola Municipal de Tempo Integral de Educação Bilíngue Francisco Suderlan Bastos Mota, no bairro Itaperi. Duas vezes na semana, ela faz aulas de balé, uma das atividades favoritas, conta a mãe que relarará a experiência em um livro.

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Nicole é parte de um grupo de 9,8 milhões de pessoas no Brasil com algum tipo de deficiência auditiva. O número é do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o mais recente levantamento, e representa 4,7% da população. Desse total, aproximadamente 2,2 milhões têm deficiência auditiva em situação severa. Entre estes, 344,2 mil são surdos. A audição de Nicole Lemos é severa no lado direito e profunda no lado esquerdo, quando não se escuta.

“Descobri a surdez da Nicole aos dois anos e seis meses. Ela não falava, não ouvia quando a gente chamava. Não se assustava com fogos de artifício, porta batendo, cachorro latindo. Sons que as crianças geralmente se assustam”, lembra a mãe. “De início, foi um choque. Queria que ela fosse bailarina como eu, como a avó. Ou que tocasse como o pai, que é músico, compositor”.

O primeiro contato de Nicole com a educação bilíngue foi com um professor também surdo. A mãe conta que  “olhar triste” da filha mudou logo após o primeiro sinal de comunicação entre aluna e docente. No aniversário de três anos, a filha já dominava sinais básicos como água, comida e banheiro. Não demorou para a mãe, que já havia tido contato com a Língua Brasileira de Sinais (Libras) na adolescência, voltar a estudar a linguagem.

O balé entrou da vida da menina como brincadeira. A avó vestiu a criança como bailarina e fez alguns passos que a pequena imediatamente reproduziu. Com a passarela, do mesmo jeito. Não demorou para Nicole virar modelo agenciada. "Os surdos sentem a vibração da música, sente as batidas. Por incrível que pareça, ela percebe quando um som é mais agitado. Ela tem essa percepção, o que nos deixa muito impressionados", diz a mãe.

Uma coisa é verdade: Nicole é atenciosa ao redor. Durante todo o tempo que a equipe de reportagem esteve na casa da família, a menina assistia atenta a um episódio da série animada "Patrulha Canina". E sinalizava para a mãe o interesse por brinquedos mostrados mostrados na TV. A mãe, que acabou criando um projeto para disseminar a Libras, agora quer contar para outras famílias os desafios de lidar com a condição. "Quero contar a experiência em um livro. Contando o que vi, o que aprendi. Cada dia foi um aprendizado valioso", adianta.

Educação para surdos

A prática de ensino de Libras é recente no País, sendo reconhecida perante a Lei nº 10.436 como língua oficial da comunidade surda brasileira. Já em dezembro de 2005, a Presidência da República publicou o decreto nº 5.626, determinando a inclusão da Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores. Entre outros tópicos, o texto também garante o direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva.

Nesta quarta-feira, 24, é celebrado o Dia Nacional de Libras, lembrando a Lei nº 10.436. Para a professora Vanda Magalhães Leitão, diretora da Secretaria de Acessibilidade da Universidade Federal do Ceará (UFC), é primordial disseminar a importância da língua, mas o processo ainda é lento.

"Não vejo outra abordagem que não seja pautada na pedagogia bilíngue, é uma proposta que não trata de bilinguismo qualquer. É através dessa língua que as crianças surdas estruturam pensamento. E as ações pedagógicas serão estruturadas a partir dela", explica a especialista, que também é docente do Departamento de Letras-Libras e Estudos Surdos. "É todo um processo de apropriação da mudança, de reconhecimento da língua. É uma mudança de paradigma, uma mudança social e histórica. Todos os processos sociais são lentos".

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